Na sua opinião por que os países Baixos, assim como outros países da União Europeia

Introdução

  • 1 Este texto tem a sua origem num outro publicado em Cabecinhas e Cunha (2008), tendo sido entretanto (...)

1O presente texto visa analisar e propor alguns tópicos de reflexão em torno da lógica que orienta a praxis política da União Europeia em matéria de tratamento de questões migratórias, em concreto no tocante ao modo como controla e gere (ou pelo menos procura controlar e gerir) as entradas de fluxos de imigrantes vindos de países-terceiros. Consideramos estarem neste duplo esforço de análise e de reflexão, duas tarefas essenciais (e todavia em falta) da própria construção do projecto europeu enquanto projecto que pretende ser não apenas económico mas também social, político e cultural (Delanty, 1995; Christiansen, Jorgensen, Wiener, 2001; Barnavi, 2002; Bruter, 2005). De facto, só a compreensão da lógica que se encontra a montante da praxis política da União Europeia em diversas matérias e no que para o caso nos importa, em matéria de imigração, poderá trazer verdadeira luz sobre o porquê das opções que a institucionalidade europeia tem feito nesse âmbito.

2Parece-nos igualmente que análises como aquela que aqui sugerimos, podem e devem ser entendidas como exercícios integrados no processo mais amplo de reflexão crítica sobre a relação que a União Europeia tenciona efectivamente construir com a sua diversidade de povos e de expressões culturais.

  • 2 Entendemos separar colonial enquanto atitude, de colonizadora enquanto prática, uma vez que a prime (...)

3Na primeira parte do texto, partiremos para a identificação da lógica em causa, reconhecendo-a como uma lógica liberal de condição binária. Essa condição binária traduz-se pelo seu repartir entre uma ética burguesa obediente ao Capitalismo (e por isso colonial e colonizadora2), e uma ética humanista pela qual a lógica liberal estabelece o seu apego a um conjunto de direitos tidos como humanos universais, entre os quais figura o direito à liberdade de circulação. Embora não coincidentes, a ética burguesa e a ética humanista reforçam em conjunto a lógica liberal no que esta representa de compromisso com o Capitalismo, e nesse sentido a condição binária daquela, embora existindo, está longe de se traduzir num paradoxo dramático. No caso concreto da liberdade de circulação, a sua elevação ao estatuto de direito básico do indivíduo, faz-se muito por força da própria agenda liberal que acompanha os interesses de funcionamento das economias capitalistas.

4Mas como também procuraremos argumentar, ainda na primeira parte do texto, a dimensão humanista da lógica liberal possui uma autonomia que a não reduz a mero instrumento do Capitalismo, radicando tal autonomia pelo menos parcialmente, na genuína convicção de milhões de pessoas (que não apenas de sociedades ocidentais, diga-se) sobre a efectiva existência de Direitos Humanos básicos e universais nos quais se inscreve também a liberdade de circulação.

5Na segunda parte do texto, procuraremos ver como essa lógica liberal está afinal presente nas opções políticas da União Europeia (amplamente avalizadas pelos seus estados-membros) que marcam a sua relação com o ‘Outro’ na forma de imigrante de países terceiros. Em concreto, olharemos para pilares estruturantes da linguagem mais recente da União em matéria de controlo das suas fronteiras, linguagem essa em que se incorpora a externalização de responsabilidades de controlo de fronteiras; o combate à imigração ilegal e terrorismo, a defesa da migração circular e das políticas de retorno voluntário, entre outros conceitos.

1. A dupla face da lógica liberal na orientação da acção política

6Acreditando que a acção política é a um tempo agente e produto dos sistemas de crenças, valores e mundivisões (no sentido de concepções amplas e integrantes da vida) de uma dada sociedade, será então de esperar que diferentes sistemas conduzam a diferentes acções políticas – diferentes não tanto num sentido material, mas sobretudo num sentido intencional, ou seja, do que deliberadamente se pretende com a sua implementação. Do mesmo modo, diferentes acções políticas irão estimular a (des)continuidade dos sistemas que as alimentam intrinsecamente.

7Mas mais do que sistemas, parece-nos útil falar em lógica. Adopta-se aqui este termo para com ele traduzir a ideia de ‘sentido’ das coisas e de ‘sentido’ que acompanha o ‘fazer das coisas’, logo, de sentido do próprio sistema e da sua vitalidade comunicacional. Neste caso, a palavra lógica que por diversas vezes utilizaremos, tenta traduzir a ideia de sentido dos valores e de sentido que acompanha o ‘fazer’, o seguir, o abandonar, o recuperar, o transformar desses mesmos valores. Há por conseguinte uma profunda condição valorativa no termo tal como o utilizamos, ainda que não caiba explorar neste texto todas as implicações hermenêuticas daí resultantes.

8Se diferentes lógicas conduzem à produção de diferentes praxis políticas, é razoável também assumir que diferentes opções políticas terão diferentes impactos sobre a qualidade das relações que se estabelecem numa sociedade, e para o que nos interessa, das suas relações interculturais enquanto espaços de crescimentos e de enriquecimentos mútuos (Cox e Blake 1991; Martin e Nakayama, 1999; Martin e Nakayama, 2010). Assim sendo, será legítimo perguntar:

9O que dizem as opções políticas da União Europeia em matéria de gestão de fluxos imigratórios de países terceiros, sobre a lógica que lhes subjaz – e que em última instância também subjaz ao contributo político da União para formar uma espécie de património mais ou menos estabelecido de ideias em torno da identidade europeia, da pertença europeia, da cultura europeia, do sentido europeu, enfim, do ‘ser-se europeu’?

10E sendo que as opções políticas têm impactos sobre o tipo e as qualidades das relações que uma sociedade constrói com os múltiplos ‘Outros’ que a habitam, de que tipo é e que qualidades assume a relação que a União Europeia constrói consigo mesma na forma do seu ‘Outro’ imigrante, em face das opções políticas que tem assumido em matéria de imigração?

11Mas antes de partirmos para a tentativa de resposta às questões estruturantes deste texto, e que serão objecto das secções subsequentes, importa determinar qual então o princípio orientador da lógica europeia.

12Como o texto mostrará mais adiante, há toda uma praxis em curso relativa ao modo como a União Europeia concebe a gestão da presença de imigrantes de países terceiros, que é em si reveladora de uma dada lógica de acção que no texto identificamos, entre outras qualidades, como securitária. O que esta secção do texto pretende é identificar os princípios que norteiam essa lógica securitária e que serão em última instância os princípios responsáveis pela existência daquela como trivial, ou seja, como natural e não como uma lógica recente ou estranha à própria Europa.

13Temos consciência de que o esforço analítico para a identificação desses princípios pode muito facilmente enveredar pela exploração da possibilidade (pós)colonial. Na verdade, não negamos que a Europa e os seus estados ainda sofrem o peso da ‘fractura colonial’ (Stora, 1999; Blanchard et al., 2005; Laforcade, 2006) resultante da tensão que foram construindo entre o seu ‘eu’ e o ‘Outro’ – o escravo, o colonizado, o descoberto, o conquistado, enfim, o imigrante. Mudaram-se os espaços dessa tenção (hoje a mesma ocorre predominantemente no próprio espaço europeu enquanto espaço de sociedades receptoras de “comunidades imigrantes”) e mudaram-se é certo, muitos aspectos da linguagem (legal, política, social e cultural) em que o diálogo entre esse ‘eu’ e o ‘outro’ se foram historicamente operacionalizando (o espaço dos impérios, das suas colónias e ultramares). Mas, nem tudo mudou e nesse sentido parece-nos correcto afirmar que há uma persistência da lógica colonial no modo como a Europa se relaciona com o seu imigrante (e até com o seu cidadão que ela insiste todavia em perceber como ‘imigrante’ em razão da origem étnica, nacional, religiosa) e que aliás está na base da forma autocentrada e confusa como a Europa entende a multiculturalidade, não como condição natural da sua própria identidade, mas como traço externo adicionado pela presença do ‘Outro’ ao seu espaço.

14Contudo, sublinhar o peso da fractura colonial na explicação das dinâmicas da institucionalidade europeia em matéria de gestão de fluxos imigratórios, configurar-se-ia como manobra argumentativa algo redutora do significado dessas mesmas dinâmicas. Países como a Suécia, Finlândia ou Dinamarca, não têm a mesma história colonial da França, Portugal, Holanda ou Reino Unido. E no entanto, todos eles têm sustentado de forma mais ou menos activa, mais ou menos empenhada, mas sempre politicamente legitimante, a leitura securitária que a Europa tem vindo a desenvolver sobre a imigração de países terceiros, desde pelo menos os anos setenta quando se inicia o fim do ciclo de expansão económica que aquela conhecera no pós-Segunda Guerra Mundial (Messina, 2007). Aliás, paradigmático de tudo quanto acabamos de dizer, é o caso da Alemanha que não tende a experiência histórica de potência colonizadora na acepção e dimensão de outros países, incorporou na construção do seu projecto político e da sua identidade colectiva, o traço colonial no que este comporta de entendimento da relação com o Outro como hierarquicamente superior e dominante.

15O sentido de persistência do ‘colonial’ deve pois ser lido numa acepção mais ampla que se desprende das histórias concretas de países com passado colonizador, e que se ancora outrossim numa postura de superioridade cultural da Europa face ao resto do mundo, independente dos tempos colonizadores em que essa superioridade foi tanto fonte legitimadora como produto legitimado. É esta postura que está em nosso ver a montante da própria iniciativa colonizadora e não o contrário, e que explica em última instância a lógica binária (Hajjat, 2005) que contamina o modo como a Europa, quer na sua versão comunitária de União, quer nas suas diversas existências nacionais, pensa a integração como um movimento unilateral de conformação do Outro ao seu ‘Eu’.

16Esta postura ‘civilizacional’ complexifica extraordinariamente a análise ao perfil da Europa como herdeira de uma de ética humanista por um lado, e de uma ética burguesa e colonizadora por outro.

  • 3 Entendemos aqui como fundamental para a interpretação da liberdade de circulação como Direito Human (...)

17Na verdade, as duas são lados de uma só face. Ou seja, a ética burguesa e colonizadora mais não é do que ética liberal, defensora da conquista de mercados e da liberdade de movimento de bens e pessoas. Logo, a ética liberal é simultaneamente ética burguesa que legitima o comportamento expansionista (e por isso também colonizador) do Capitalismo, e ética humanista que defende liberdades fundamentais como a liberdade de acção (logo de circulação) e de pensamento3. Por outras palavras, a ética burguesa que vê como correcta a conquista de mercados (embora no contexto pós-moderno tenha substituído o termo ‘conquista’ pelo de ‘globalização’ dos mesmos), é também ética humanista na medida em que os direitos que defende, essenciais ao sucesso da globalização dos mercados, são direitos tidos como basilares à dignidade humana.

18O paradoxo liberal (Hollifield, 1992) consubstanciado no desfasamento entre, por um lado, a consagração da livre circulação de pessoas e bens - elevado ao estatuto de vértice da própria ideia de Cidadania Europeia (Carvalhais, 2010: 82-85) - e por outro, a caminhada progressiva para políticas de imigração cada vez mais restritivas (Tushnet, 1995) como padrão mundial no qual a União se inclui não parece pois tão ‘paradoxal’ quando visto à luz da dualidade que acompanha a lógica aqui descrita.

19Quem assim o demonstra é o próprio Capitalismo. Este funda-se no princípio da livre circulação, é certo, mas por nenhum instante ele nos diz ter perdido de vista o critério da utilidade da mesma. O Capitalismo é por assim dizer selectivamente liberal e nesse sentido apenas selectivamente humanista no que este conceito remete para a defesa de Direitos Humanos. O problema que resulta do não-reconhecimento do Capitalismo como selectivamente liberal está pois em frequentemente associá-lo a uma ética humanista que aquele afinal não tem de possuir pelos seus cânones de funcionamento. Por outro lado, uma vez compreendida esta (não) relação entre Capitalismo e a ética humanista, o paradoxo liberal atrás enunciado deixa afinal de ser estranho ao Capitalismo, para ser apenas uma tensão de aparentes contrários que serve os propósitos económicos deste, como aliás pretendemos demonstrar mais adiante.

20No entanto, reduzir a lógica liberal ao mero interesse que esta tem para os propósitos da acção capitalista, seria excessivo pois corresponderia a afirmar que qualquer dimensão humanista dessa mesma lógica não cumpriria mais do que uma função utilitarista na perspectiva do Capitalismo e cínica na perspectiva dos Direitos Humanos.

21Poder-se-ia aqui argumentar que o problema desta última afirmação está desde logo na expressão ‘Direitos Humanos’, ou melhor, na ausência de problematização da mesma, e consequentemente nos limites que a sua avaliação como ‘universais’ apresenta enquanto produtos geoculturais (Wallerstein, 1995: 145-161). Explorando essa via, desembocaríamos quase de imediato na constatação de que os Direitos Humanos são tudo menos expressão pacífica, merecedores por isso, não só de sérias reservas (Wallerstein, 1997: 186), mas de um questionamento efectivo – por via, por exemplo, de uma hermenêutica diatópica (Santos, 1997: 21-23) que não esquecesse o círculo de princípios operacionalizadores do diálogo intercultural consubstanciados em direitos de comunicação, expressão e informação (Habermas apud Cohen e Arato, 1992). Não sabemos em que máximo denominador comum (Santos, 1997) assentaria a definição de dignidade humana num cenário ideal de uma hermenêutica diatópica bem suportada por uma éticaprocedimental orientadora da acção comunicativa em que aquela se exercitaria (Carvalhais, 2004: 137-144). Sabemos sim qual a definição que hoje prevalece de dignidade humana e de Direitos Humanos, a qual reflecte a interpretação cultural das sociedades ocidentais. Podemos não concordar com tal definição, mas é a prevalecente.

22Ora, pese embora se possa até dizer que a dimensão humanista da lógica liberal aqui referida nasce apenas enquanto dimensão ‘operacionalizadora’ de um cinismo ocidental ao serviço do Capitalismo, a verdade é que esse facto não consegue por si só aniquilar a profunda crença de milhões de pessoas na ideia de Direitos Humanos, e nos quais suportam a sua noção de dignidade humana. Há pois, em nosso entender, uma dimensão humanista genuína que acompanha a lógica liberal, que resulta, se mais não for, das próprias percepções e convicções dos indivíduos sobre à efectiva validade (moral e legal) dos Direitos Humanos actualmente consagrados como constitutivos da dignidade humana.

  • 4 A simples ideia de que possa existir uma hierarquia de direitos dentro dos Direitos Humanos, logo, (...)

23Voltamos a frisar porém que estamos conscientes de que expressões como ‘direitos basilares da dignidade humana’, ou simplesmente Direitos Humanos, estão bem longe de resguardadas de acesos debates e dissenso4.

24Paralelamente, há um outro aspecto que convém frisar e que denuncia aliás a forte tentação do vício ‘colonial’ na estruturação dos próprios argumentos que o procuram denunciar. A lógica liberal sustentada em princípios como o da livre circulação de bens e pessoas também conheceu o seu processo de globalização e hoje de modo algum se reduz à geografia dos estados desenvolvidos (que quase sempre acumulam a posição de centros económicos com a de receptores de imigrantes). Quer os estados pós-coloniais nascidos dos processos de descolonização, quer os estados pós-soviéticos saídos da implosão nos anos noventa do império soviético, são estados liberais no sentido de estados que abraçaram a defesa da liberdade de circulação. Frequentemente argumenta-se que o fazem por necessidade económica como se esse fosse um argumento válido que distinguisse a sua conformação a esse princípio estruturante da lógica liberal, da conformação feita pelos estados ditos centrais. Porém, trata-se de um falso argumento, na medida em que toda a conformação à liberdade de movimento, como cremos ter explicitado, é a um tempo utilitarista e a outro, genuinamente apoiada pela crença quer na existência de Direitos Humanos fundamentais, quer na consagração da liberdade de circulação como um desses direitos. Ora, o que sucede é que, à semelhança aliás de outros processos, quando finalmente o ‘Outro’ (mesmo que geograficamente europeu, mas não aceite plenamente como tal, como no caso dos Países de Leste) está em condições de abraçar aquele que tem sido desde pelo menos o século dezassete, um princípio matricial da cultura económica e política da Europa (e do Ocidente em geral), esta como que desvaloriza o princípio, enfatizando em contraste princípios de segurança individual e colectiva. Esta dissintonia entre a defesa da liberdade de movimento pelos países de perfil emigratório, e a defesa de políticas cada vez mais fechadas por parte dos estados de perfil imigratório (Vertovec e Cohen, 1999) que se afirmam todavia fiéis à livre circulação e que a operacionalizam em projectos como o do espaço livre da União, é claramente um foco de tensão política que em termos práticos resulta no arremessar de milhões de migrantes para a esfera da clandestinidade.

25Finalmente, uma outra reflexão se impõe aqui a propósito desta dissintonia entre a defesa da liberdade de circulação e as políticas imigratórias restritivas dos estados. Esta dissintonia é em boa verdade inerente ao próprio Estado Moderno capitalista, uma vez que aquela traduz o confronto de uma vontade do Mercado com uma vontade do Estado Soberano na preservação das suas fronteiras. O Estado Moderno forma-se e consolida-se tendo pois sempre presente esta contradição entre a necessidade de expansão das suas bases de apoio económico, social e político-administrativo, por um lado (Gamble, 1981), e o princípio da conservação de território e de defesa de fronteiras, por outro.

2. Os efeitos dos paradoxos

26Iniciámos o ponto anterior colocando duas questões:

27O que dizem as opções políticas da União Europeia em matéria de gestão de fluxos migratórios de países terceiros, sobre a lógica que lhes subjaz - e que em última instância também subjaz ao contributo político da União para a formação de uma espécie de património mais ou menos estabelecido de ideias em torno do ‘ser-se europeu’ (da identidade, da pertença e da cultura europeias)?

28E sendo que as opções políticas têm impactos sobre o tipo e as qualidades das relações que uma sociedade constrói com os múltiplos ‘Outros’ que a habitam, de que tipo é e que qualidades assume a relação que a União Europeia constrói consigo mesma na forma do seu ‘Outro’ imigrante, em face das opções políticas que tem assumido em matéria de imigração?

29Esta secção tratará agora de responder em simultâneo às duas questões, tentando demonstrar de que modo as respostas da União Europeia são exemplificativas de uma lógica securitária, que se funda afinal numa lógica liberal, binária-colonial (Eu vs. o Outro), e fundada num princípio matricial de superioridade cultural.

  • 5 Aquando da sua adopção em Nice, em Dezembro de 2000, a Carta assumia-se ainda como um compromisso p (...)

30Segundo a Declaração do Conselho Europeu de Estrasburgo de 1992, a evolução para uma política comum de imigração pressupõe o respeito por princípios básicos tais como o respeito integral pelos Direitos Humanos e o respeito pelo primado do Direito (ponto xvi). Por sua vez, o edifício jurídico-institucional da União em matéria de Direitos Humanos apresenta-se como um dos mais completos e sólidos a nível internacional, não parecendo credível que possa em simultâneo albergar lógicas que contrariem os respeitos atrás enunciados e que fragilizem as suas fundações. Da estrutura desse edifício fazem parte a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais de 1950 e seus protocolos adicionais; a Carta Social Europeia de 1961; a Declaração Comum do Conselho, Comissão e Parlamento sobre a defesa dos Direitos Fundamentais (Declaração de Copenhaga de 1977); a Declaração Comum do Conselho, Comissão e Parlamento contra o Racismo e a Xenofobia, de 1986; a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores de 1989, a que inicialmente não adere o Reino Unido, assinando-a posteriormente em 1998; a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (de Nice a Estrasburgo)5; e o próprio Tratado de Lisboa que no ponto 8 do seu artigo 1.º estabelece como redacção do n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia o seguinte:

A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 7 de Dezembro de 2000, com as adaptações que lhe foram introduzidas em [12 de Dezembro de 2007], em Estrasburgo, e que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

31A tudo isto acresce a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e a jurisprudência de um outro tribunal que não fazendo parte da institucionalidade comunitária, é basilar na regulação internacional dos Direitos Humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

32Paralelamente, a compreensão política da União Europeia sobre como deve ser feita a gestão dos fluxos imigratórios segue há várias décadas uma clara lógica securitária,que parece ter atingido uma nova etapa da sua expansão e expressão no pós-11 de Setembro. A lógica securitária funciona tanto melhor quanto menor for a capacidade individual de se questionar sobre dois comportamentos recorrentes:

  1. Por um lado, o acomodar ao julgamento apriorístico de todo aquele que não corresponda aos critérios de identificação cultural que lhe permitiria ser mais rapidamente reconhecido como ‘europeu’, como sendo potencialmente ameaçador (ainda que em diferentes graus de perigosidade);

  2. Por outro lado, a interiorização da ideia de que há uma necessidade inegociável de vigilância do ‘estrangeiro’, do ‘imigrante’ enquanto categoria do ‘Outro’.

33O discurso comunitário é pródigo em se expressar por meio de uma linguagem que serve os propósitos securitários e os dois comportamentos atrás enunciados através do recurso frequente a termos como ‘crime organizado’ e ‘terrorismo’, ao mesmo tempo que se mescla de expressões mais suaves, como ‘cidadãos em condição irregular’. Que esse jogo é parte integrante do sucesso relativo do modo como gere a presença do estrangeiro sem ferir os compromissos não apenas jurídicos e políticos mas também civilizacionais com os Direitos Humanos, não suscitará dúvida. Mas é este um jogo sustentável no longo prazo?

3. Imigração ilegal e a política de prevenção de cenários de risco

34Em 2005, o Livro Verde Uma nova solidariedade entre gerações face às mutações demográficas sublinhava:

A Europa conhece hoje alterações demográficas sem precedentes pela sua escala e gravidade. Em 2003, o crescimento natural da população foi apenas de 0.04% ao ano; nos novos estados-membros, à excepção de Chipre e de Malta, registou-se mesmo um declínio demográfico. Em vários países, a imigração tornou-se crucial para assegurar um crescimento da população. Por todo o lado, a taxa de fecundidade é inferior ao limiar de renovação de gerações (cerca de 2,1 crianças por mulher) […] (COM(2005)94final, p.2).

35Em 2004, o Conselho Europeu sublinhava o inevitável declínio demográfico da Europa, que nem já a imigração em larga escala poderá inverter. Tudo isto volta a ser reafirmado em 2006 numa Comunicação da Comissão Europeia intitulada ‘O Futuro Demográfico da Europa – do desafio à oportunidade’ (COM(2006)571final). Na mesma linha se orientou uma Comunicação de 2002 da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu intitulada “Resposta da Europa ao Envelhecimento da População Mundial: Promover o Progresso Económico e Social num Mundo em Envelhecimento – Contribuição da Comissão Europeia para a II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento" (COM(2002)0143).

  • 6 Na União, a média de filhos por mulher ronda os 1,52%, valor insuficiente para manter a população n (...)

36Em paralelo, num artigo do Eurobusiness podia ler-se em 2006 que com excepção da França, actualmente os grandes estados da UE como a Alemanha, Espanha e a Grã-Bretanha, dependem da imigração para manter a sua estabilidade demográfica6 (Eurobusiness, 2006). Já um relatório de 2009 do Eurostat apontava para o facto de as taxas de mortalidade na Bulgária, Hungria e Letónia serem agora superiores às taxas de natalidade. Simultaneamente, Hungria e Letónia têm estado entre os países com as mais baixas taxas de natalidade (9,6 por mil habitantes) a que se juntaram países como a Alemanha (7,9), Áustria (9,1), Portugal (9,4) e Itália (9,5). Por sua vez, as maiores quebras populacionais registaram-se para igual período de 2009, na Letónia e Hungria, mas também na Bulgária, Lituânia e Alemanha. Os países de Leste a que se junta a Polónia, parecem ser aliás os que mais forte e rapidamente sentem os efeitos do declínio demográfico. No entanto, o problema é transversal, e países como Malta, Portugal, Espanha, Dinamarca e Grã-Bretanha são igualmente apontados como estando a braços com dificuldades decorrentes do seu envelhecimento geracional.

37Na mesma linha de análise, as previsões do Eurostat apontam para que apenas seja possível manter o ritmo de crescimento da população europeia, se a taxa de população imigrante no espaço comunitário, que ronda actualmente os 3,3%, não diminuir. Todavia, como o relatório de 2009 sublinha:

De acordo com as projecções populacionais do EUROPOP2008, a imigração para a Europa dos 27, poderá desacelerar ainda mais nos próximos anos. Estima-se que a taxa líquida de imigração [imigração menos emigração] caia dos actuais 3,3 por mil habitantes, para 1,6 por volta do ano 2060.” (Eurostat, 2009: 225)

38Poderíamos continuar a listar exemplos e argumentos sobre, por um lado, o declínio demográfico da Europa e em particular do espaço comunitário aqui em análise, e por outro lado, a dependência da União em relação aos fluxos imigratórios. Fica claro porém, que a sustentabilidade económica da União Europeia (e da Europa em geral) bem como dos seus sistemas de protecção social, depende e muito da imigração. E sendo ela que em certa medida já hoje impede um declínio demográfico ainda mais acelerado da população europeia, a defesa de políticas de imigração-zero nunca poderia ser senão ridícula.

39A lógica securitária bem-sucedida é pois aquela que não compromete a sua legitimidade em face das opiniões públicas, ou seja, é a que não deixa de reconhecer tanto a importância como a inevitabilidade da imigração. Mas enquanto que o reconhecimento da importância da imigração se faz sobretudo por via de estratégias governamentais que visam o brain gain para os Estados e para a União (em conformidade com os objectivos da Agenda de Lisboa) (Carvalhais, 2011); a forma como essa mesma lógica faz o reconhecimento da inevitabilidade da imigração, concretiza-se de modo bem diferente.

40Por outras palavras, à importância e à inevitabilidade da imigração associam-se diferentes estados de alma que se resumem à imigração que se quer e à imigração que se não quer. De um lado está a que se deseja, desde logo pelos seus benefícios económicos os quais de certo modo também ajudam a diminuir os custos de um eventual maior distanciamento cultural que se possa ter em relação ao imigrante que interessa aceitar. Do outro lado, está a imigração que se não deseja, em face da disparidade entre os poucos benefícios económicos que as suas baixas qualificações podem proporcionar, em contraste com os eventuais altos custos políticos e sociais que tendem a ser tanto maiores quanto maior for a distância cultural percebida pelas comunidades receptoras em relação a essa imigração.

41A leitura europeia sobre a ‘inevitabilidade’ da imigração que não se deseja, faz-se pois por via da avaliação das compatibilidades entre a imigração e a sua capacidade de enquadramento às exigências do Mercado. Daqui decorre a necessidade de combate à imigração ilegal. Por outras palavras, há que combater a imigração que não se deseja e a forma de o fazer é, em primeiro lugar, certificar-se de que esta se mantém na esfera do ilegal, (pois não se pode combater o que é legal), para de seguida se combatê-la, agora sim legitimamente, sob o pretexto da ilegalidade. A aplicação de sistemas de quotas para a entrada de imigrantes, as medidas de favorecimento da imigração altamente especializada, ou a imposição de faseamentos no acesso de imigrantes dos Estados-membros dos alargamentos de 2004 e de 2007 aos mercados laborais da anterior Europa a 15, são por isso, à sua maneira, faces da mesma moeda, isto é, expressões de uma mesma lógica que norteia a leitura da União sobre a presença do Outro.

  • 7 Recorde-se a este propósito as declarações do primeiro ministro da Baviera, Horst Seehofer em Outub (...)

42Actualmente, os problemas da União com a imigração parecem pois residir, por um lado, no perfil dos imigrantes que buscam o seu espaço7, e por outro lado, na ilegalidade que acompanha grande parte dos fluxos imigratórios. Portanto, o ónus é colocado sempre do lado de lá, do lado do imigrante. A União não combate a imigração (até porque em honestidade não pode dizer que a dispensa, a não ser por recurso a discursos populistas e xenófobos), combate sim a imigração desajustada às suas necessidades económicas, tornando-o num combate à imigração ilegal. Imigração ilegal cujos números o Comité da Migração, Refugiados e População da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa estima possam ascender, na hipótese mais conservadora, aos 5,5 milhões apenas na União Europeia (Doc. 11350, 2007). Ocorre porém que a imigração ilegal só tem a expressão que tem precisamente porque as vias da legalidade são deliberadamente dificultadas e reduzidas pelos Estados-membros, com o beneplácito dos seus mercados empregadores, e o estímulo político-jurídico da institucionalidade europeia.

43A preocupação com os fluxos ilegais, sendo uma preocupação legítima alicerçada desde logo nos compromissos jurídicos e éticos da União com o respeito pelos Direitos Humanos, é por isso também uma preocupação que esconde nos seus interstícios políticos uma inquietante verdade: que os instrumentos que lidam com a imigração ilegal são bem mais baratos e politicamente menos custosos do que os instrumentos necessários para lidar com a imigração legal, sendo por isso preferíveis os primeiros aos segundos.

  • 8 Sobre o Reforço dos sistemas de vigilância (desenvolvimento do VIS no sentido de incluir parâmetros (...)
  • 9 Mais correcto seria aliás dizer: como integrar-se, na medida em que deveria ser à luz desta reflexi (...)

44A imigração ilegal implica investimento em recursos humanos, recursos de elevada complexidade tecnológica e comunicacional (investimento na formação policial; desenvolvimento de dispositivos e de linguagens que realizam a identificação biométrica dos indivíduos, que operacionalizam diversas redes de cruzamento de informação, etc.)8. Mas a imigração legal implica algo bem mais complexo e dispendioso: saber como integrar no longo prazo o imigrante entretanto transformado em residente não-nacional, e posteriormente em cidadão, e como desenvolver nas sociedades receptoras uma cultura de verdadeiro respeito intercultural9. Por outras palavras, a União e os seus Estados-membros reconhecem a necessidade económica da imigração, contudo, revelam dificuldades no que respeita a saber como (con)viver com aquela, porque o investimento político que se lhes exige é elevado, sendo mais fácil apostar numa política de gestão selectiva da imigração, remetendo para o universo da ilegalidade todos os restantes fluxos não atractivos, seja do ponto de vista económico, seja do ponto de vista dos desafios culturais que estes representam.

  • 10 Lembremo-nos da aprovação pela União Europeia em 2008, de um Pacto de Imigração e Asilo, no seguime (...)

45O secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, alertava no início de 2008 para a necessidade da integração dos imigrantes dever ser encarada como uma prioridade das nossas sociedades. Mas o custo político que os governantes antecipam no curto prazo, parece-lhes sempre excessivo. Daí que em Portugal, como um pouco por toda a Europa, a integração esteja longe de ser uma prioridade efectiva (não apenas nominal) das agendas políticas. Tal é tanto mais evidente quanto mais se adensa actualmente o cenário de crise económica. Pelo contrário, em momento algum se desaceleraram os múltiplos esforços nacionais e comunitários no sentido de controlar a imigração indesejada, por via da manutenção dos entraves políticos e jurídicos que garantem a manutenção da sua ilegalidade10.

46Tudo isto poderia resumir-se à situação caricata de um continente envelhecido que vê potencialmente como ilegal qualquer pessoa que queira nele trabalhar e que lhe pareça desajustado às suas expectativas culturais e sociais; um continente que se autodefine portanto como produto escasso, raro, logo de acesso restrito. Todavia, a sua insistência em apresentar a imigração ilegal e a criminalidade como duas faces de uma mesma moeda, resulta em muito mais do que uma simples caricatura. Resulta desde logo num forte estigma pendendo sobre o quotidiano de milhões de pessoas que procuram sobreviver no espaço clandestino a que as sociedades receptoras as confinam.

47Ao sublinhar-se os perigos que podem advir para a segurança europeia dos espaços de intercepção entre os mundos da imigração ilegal e da criminalidade, justifica-se o combate à imigração ilegal como sendo também o combate à criminalidade e até mesmo ao terrorismo que aí se pode alojar, pelo que o léxico político relativo à imigração ilegal não está completo sem a presença das palavras criminalidade e terrorismo (Buzan e Waever, 2003; Bigo, 2004).

  • 11 Prevista no Pacto de Imigração e Asilo ratificado pelos 27 Estados-membros em Outubro de 2008, como (...)

48Curiosamente, ao mesmo tempo que a exploração da ameaça terrorista e da criminalidade legitima todas as medidas de força no combate à imigração ilegal, verifica-se em simultâneo uma preocupação em frisar a concordância de todas elas com a estrita observância dos Direitos Humanos, bem como em desdramatizar a linguagem que acompanha as práticas exercidas no tratamento dos imigrantes ilegais. Os voos conjuntos, por exemplo, não são voos de deportação, mas voos de repatriamento ou de recondução de cidadãos não-europeus em situação irregular aos seus países de origem ou outros que os possam acolher11. Ora, ao recriar-se a realidade das expulsões, através de uma linguagem moderada em que o ilegal passa a designar-se por cidadão irregular, e em que a expulsão é apenas uma recondução orientada, uma realocação de fluxos, a União revela como que uma preocupação em instruir as opiniões públicas sobre a legitimação moral dessas suas práticas, preocupação essa que faz mais sentido, parece-nos, precisamente num contexto em que haja dúvidas quanto à concordância de tais práticas com a integridade dos Direitos Humanos.

49Desdramatiza-se a linguagem das práticas sobre o que se combate (a imigração ilegal), garante-se a sua aceitação como moralmente razoáveis junto das opiniões públicas, ao mesmo tempo que se radicaliza a linguagem do que se combate, reforçando a associação da imigração à ilegalidade e por essa via ao crime e ao terrorismo.

4. Migração circular e política de retorno voluntário

50Em Novembro de 2006, uma proposta conjunta do Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Polónia e Itália, submetida à presidência finlandesa do Conselho, e que teve na sua origem um documento conjunto de Sarkozy e Schäuble apresentado em Outubro de 2006 durante uma reunião informal em Stradford-upon-Avon dos ministros da administração interna dos seis maiores estados-membros (Reino Unido, Alemanha, Polónia, Itália, Espanha e França), recuperava a ideia de promoção da migração temporária e circular que já em 2005 surgia, ainda que pouco evidenciada, numa Comunicação da Comissão intitulada ‘Migração e Desenvolvimento’ (COM(2005) 621 final).Nessa comunicação podia então ler-se que a União e os países de origem deveriam “definir e apoiar os projectos que favoreçam a circulação legal dos estudantes, dos investigadores e dos trabalhadores, a título permanente ou temporário” (idem: 7).

51O conceito demigração temporária circular parece-nos um claro renascer das políticas de gastarbeiter,tão em voga na Europa do Pós-Segunda Guerra Mundial, em particular ao longo das décadas de 50 e de 60, correspondentes aos períodos áureos da reconstrução europeia. Senão veja-se a Comunicação da Comissão ao Parlamento, ao Conselho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, [COM(2007) 248 final, de Maio de 2007] sobre migração circular e parcerias de mobilidade entre a União e países terceiros:

a migração circular está a ser crescentemente reconhecida como uma forma-chave da migração que, se bem gerida, pode ajudar a conciliar a oferta e a procura internacionais de mão-de-obra, contribuindo assim para uma alocação mais eficiente dos recursos disponíveis e para o crescimento económico. No entanto […] se não convenientemente desenhada e gerida, a migração que deveria ser circular pode facilmente tornar-se permanente derrubando assim o seu objectivo. (p.8)

52A migração circular surge portanto como um conceito que visa operacionalizar a presença do imigrante económico temporariamente relevante e nesse sentido, acreditamos não ser excessivo dizer que o mesmo conceito se aproxima da filosofia subjacente às políticas do guestworker do século passado. Sendo certo que são cada vez mais frequentes os trajectos de vida que se alicerçam na mobilidade transnacional dos sujeitos (Ong, 1999), consideramos todavia que os mesmos só deveriam existir enquanto livres opções de vida, que funcionassem como impulsionadores de novas cidadanias, mais cosmopolitas e flexíveis, e não enquanto circuitos que têm de ser percorridos à revelia da vontade dos sujeitos.

  • 12 Os projectos de promoção de retornos voluntários e de gestão da circularidade são vários, envolvend (...)

53Uma política de migração circular só pode resultar nos seus propósitos se entre os países envolvidos (na dupla condição de emissor-receptor) for concebida uma política de retorno que permita o completar do ciclo de trânsito do migrante12. Ora, na União Europeia, são vários os documentos que a par da leitura comum sobre migração circular, nos permitem identificar a política comum em matéria de prioridades, linhas de acção e procedimentos relativos ao retorno de imigrantes. À cabeça está o próprio Programa de Haia de 2004 que se constitui como um ambicioso programa de objectivos relativos à gestão dos fluxos migratórios na Europa, e que tem na segurança do espaço europeu uma das traves mestras da sua estruturação. Mas antes mesmo do Programa de Haia, poderíamos falar do Programa de Acção de Retorno lançado pelo Conselho em 2002; na Directiva 2001/40/EC sobre o reconhecimento mútuo por parte da União e de estados terceiros das decisões e procedimentos da União em matéria de expulsão de nacionais de países terceiros; na Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu relativa a uma Política Comunitária de Regresso de Residentes em situação ilegal, de 14.10.2002. COM(2002)564; na Directiva 2003/110 sobre ‘Trânsito para a Expulsão’ (no original ‘transit for expulsion’; na Decisão do Conselho 2004/191/EC que estabelece os critérios e mecanismos práticos para compensação financeira dos estados-membros, em virtude dos custos resultantes da sua conformação à anterior directiva); na Decisão do Conselho 2004/573/EC sobre a organização de voos conjuntos de recondução de cidadãos a países terceiros. Já posterior ao Programa de Haia aprovado em Novembro de 2004, poder-se-ia listar como documentos de referência a Proposta da Comissão para uma Directiva do Parlamento e do Conselho para estabelecimento de regras e procedimentos comuns no retorno de nacionais de países terceiros em situação ilegal (COM/2005/391); a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre as acções prioritárias para dar resposta aos desafios da migração (COM/2005/621 final) e ainda a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre as formas de facilitar a concretização de uma verdadeira política europeia global na gestão dos fenómenos migratórios (COM(2006)735final).

54Naturalmente, são muitas as inquietações sobre como a relação entre a migração circular e a política de retorno voluntário se concretiza no terreno, sem comprometer o respeito pelos Direitos Humanos. Como exemplo dessas inquietações, veja-se a já referida proposta apresentada à presidência finlandesa em finais de 2006. Nesta proposta podia ler-se:

Uma medida a considerar e que poderia integrar o quadro legislativo é o requisito de um compromisso escrito por parte dos imigrantes no sentido do seu retorno voluntário aos seus países de origem uma vez findo o seu contrato. (11-12)

55Ora, há desde logo uma questão básica que se coloca: sendo o retorno um acto voluntário, por um lado, e sendo a pessoa obrigada a aderir ao retorno voluntário por outro, onde está então a capacidade de opção que legitimaria o uso do termo ‘voluntário’?

56O texto prosseguia dizendo:

No caso dos imigrantes permanecerem ilegalmente no território da União em vez de regressarem voluntariamente após o expirar da sua autorização, deverá ocorrer a readmissão por parte do país de origem. Tal seria mais facilmente alcançado na existência de acordos de readmissão entre a CE ou o Estado-membro e o estado de origem. (p.12; itálico nosso)

  • 13 Temos como exemplo as negociações da Convenção de Lomé, em que os países em vias de desenvolvimento (...)
  • 14 A União tem já negociado acordos de readmissão com diversos países entre eles os Países dos Balcãs (...)

57Como o próprio excerto o demonstra, está aqui claramente a invocar-se a política da celebração de acordos de readmissão de imigrantes, a qual tem implicado a inclusão de cláusulas de readmissão em acordos bilaterais feitos com países em vias de desenvolvimento13. O objectivo de tal inclusão está em tornar a ajuda europeia ao desenvolvimento de países terceiros dependente da capacidade dos seus governos em controlar os seus fluxos migratórios. Tal quase nunca é tarefa fácil, mais ainda em países marcados pela debilidade económica e não raras vezes pela violência social e instabilidade política14.

58Ainda em relação a operacionalização dos retornos, fazemos também notar um outro aspecto inquietante e que se prende com a efectiva vontade política que precede essa operacionalização. De facto, quando comparada a minúcia que acompanha o desenho técnico dos sistemas de vigilância e controlo dos cidadãos, com as intenções algo vagas e até pouco exequíveis sobre como a União pode colaborar no sentido de impedir a fuga de cérebros de países em vias de desenvolvimento, parece ressaltar que no amadurecimento do Programa de Haia no que neste se reporta à gestão dos fluxos migratórios na União, tem havido mais investimento nas questões que se prendem com o controlo da imigração em geral e da ilegal em particular, bem como na política de prevenção de riscos, do que nas questões que se prendem com o sucesso da própria política de migração legal circular. Em termos práticos, ideias como ‘[a] criação de mecanismos que permitissem aos imigrantes uma melhor divisão da sua vida laboral entre os dois países, o de origem e o receptor’, ou ‘[o] compromisso de não contratar imigrantes em sectores altamente especializados indicados pelo país emissor como estando sob pressão’, de que falava a já citada proposta de 2006, parecem efectivamente muito mais próximas de uma linguagem de intenções, quando comparadas com discussões técnicas como as desenvolvidas em torno das idades mínimas em que é ou não é viável a retenção de parâmetros biométricos do indivíduo.

5. Partilha ou exportação de responsabilidades de segurança? – os Buffer States

59A partir dos anos 90 tornou-se clara a aposta da União no conceito de buffer-zone, ou zona-tampão, enquanto parte da sua estratégia de partilha de responsabilidades no controlo dos fluxos migratórios e de refugiados com países terceiros. Nos casos em que decorreram negociações com vista à adesão de países de Leste, o ajustamento dos candidatos aos critérios que definem o espaço de Schengen foi claramente uma exigência negocial da UE, ajustamento que aqueles fizeram permitindo desde logo constituir-se como buffer states. Ao mesmo tempo, e uma vez já membros, exigiu-se-lhes que suportassem nos primeiros anos o peso das restrições à livre circulação das suas populações. Uma tal atitude não parece todavia conformar-se com discursos em defesa dos direitos inalienáveis do indivíduo, incluindo os de livre circulação, livre escolha, igualdade de oportunidades, e abertura das sociedades e mercados. Além disso, a insistência no reforço das fronteiras externas de países como a Polónia ou o Chipre, com vista a concretizar a criação de um regime de fronteiras suaves no interior da União e de fronteiras fortes com o exterior – nem sempre parece considerar o seu impacto menos positivo sobre o equilíbrio de relações políticas, culturais e sociais entre espaços vizinhos. Veja-se o caso da Polónia em relação à Ucrânia, e de Chipre em relação ao Mediterrâneo. A política de gestão coordenada das fronteiras da União não tem obviamente como prioridade analisar o seu significado e impacto sobre as relações sociais e políticas entre populações dentro e fora do seu espaço, mas sim assegurar a sua eficácia na protecção integrada das fronteiras. Tal atitude tem sido alvo de diversas críticas, entre elas a que lhe aponta ser uma reminiscência de um certo eurocentrismo, e até da persistência de uma percepção colonial sobre outros espaços, nomeadamente sobre o Leste (Borocz e Kovács, 2001).

  • 15 Marco incontornável da PEV é igualmente a Comunicação da Comissão, de 2003, que estabelece qual o q (...)
  • 16 Os países aqui incluídos são a Argélia, Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Egipto, Geórgia, Israel, (...)
  • 17 Através da PEV, a União procura desenvolver instituições e mecanismos centrados no estímulo da capa (...)

60Com a entrada no século XXI, a política de partilha de responsabilidades sobre a segurança europeia ascendeu todavia a um patamar de maior estruturação e organização através do amadurecimento de uma Política Europeia de Vizinhança. Originariamente lançada pelo Conselho Europeu de Copenhaga de Dezembro de 2002, a que o Conselho Europeu de Junho de 2003 e o Programa de Haia de 2004 deram um particular impulso e consistência definitiva,15 a Política Europeia de Vizinhança não se limita à linguagem da gestão dos fluxos migratórios, embora aqueles sejam claramente o seu principal vértice de referência. A PEV centra-se na ideia de que a criação e manutenção de um círculo de países amigos sustentada por uma forte cooperação institucional permite não só gerir melhor os feitos positivos e negativos dos fluxos migratórios, mas também estimular o crescimento económico e coesão social de toda a região de países envolvidos e que hoje já inclui estados do Leste, do Cáucaso, dos Balcãs, Mediterrâneo e Próximo Oriente.16 A ideia-chave da Política Europeia de Vizinhança consiste pois em criar uma ‘zona de boa vizinhança, paz e prosperidade’,com vários intuitos, entre os quais, claramente, o de proteger a União das ameaças transfronteiriças do terrorismo, do crime e da imigração ilegal. A União espera assim que todas essas regiões se empenhem na cooperação policial e judicial e na coordenação de acções de controlo dos fluxos migratórios (e de refugiados), dando dessa feita expressão aos objectivos da FRONTEX (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas) enquanto instrumento de promoção e aplicação da política integrada de gestão das fronteiras entre Estados-Membros e países terceiros. Não se nega aqui que a PEV seja um instrumento político legítimo de promoção e salvaguarda de interesses estratégicos de todo o espaço europeu e das demais regiões envolvidas. Há ainda assim que questionar certos aspectos da sua aplicação. Se não vejamos. A maioria dos estados vizinhos não entra no círculo de estados em vias de desenvolvimento. Logo, o problema deste espaço de amizade, paz e prosperidade, não estará tanto na condição económica dos seus membros que os obrigasse enfim a cooperar com a União em troca de apoios ao desenvolvimento. O problema está antes no facto de alguns destes estados (e.g. Marrocos, Argélia, Tunísia, Jordânia, Líbia, Síria…) apresentarem várias deficiências no respeito devido pelas suas autoridades aos Direitos Humanos, sejam os dos imigrantes ilegais sejam os dos refugiados que acolhem. Que tais estados funcionem como áreas de recepção e de trânsito de pessoas que buscam precisamente a protecção dos seus direitos mais básicos, é pois uma inquietação legítima que surge em torno desta política, mesmo quando sobre em sua defesa sejam invocados os vários instrumentos de ajuda financeira e tecnológica que a União tem mobilizado no combate a tais dificuldades.17

61Esta política de ‘controlo remoto’ por via de um ‘policiamento à distância’ (Bigo e Guild, 2005) corrobora a leitura já aqui apresentada sobre o modo como a Europa (a Europa ocidental cuja geografia incerta é compensada pelas fronteiras políticas da actual União Europeia) nega ao Outro transfigurado na forma de estados soberanos, muitos dos quais ex-colónias, a possibilidade de também ele usufruir do princípio que aquela tem como estruturante do seu projecto: o da livre circulação de pessoas.

62Da mesma forma, esta política de externalização do controlo de fronteiras (Carrera, 2007), ou de outsourcing como já lhe é chamada (Gammeltoft-Hansen, 2006), recorda-nos que a lógica subjacente à relação da União com o ‘Outro’ é afinal uma lógica liberal que vive agrilhoada à sua dimensão burguesa e colonizadora, radicada numa visão sobranceira sobre o seu lugar no Mundo), a qual corrompe, embora não chegue a destruir, a integridade e o potencial da sua dimensão humanista.

6. Controlo, vigilância vs liberdade e direitos fundamentais

63A União Europeia tornou-se em certa medida num exemplo de complexificação com vista à simplificação. O objectivo de tornar por exemplo o acesso a dados pessoais mais rápido, simples e eficiente, implica a criação de sistemas procedimentais jurídicos e informáticos cada vez mais intrincados e sofisticados.

64A União tornou-se igualmente num exemplo da máxima da filosofia liberal: liberdade pela regra. É preciso regulamentar, vigiar e controlar para assegurar a liberdade. Assim se explica que falar em liberdade e direitos fundamentais ocorra cada vez mais no contexto de debates marcados pela lógica da limitação a direitos e liberdades. Alguns desses debates têm-se centrado em questões suscitadas pelo Tratado de Prüm.

  • 18 A proposta foi apresentada em 2007 por Schäuble no contexto de uma reunião de ministros da Justiça (...)
  • 19 Os primeiros estados signatários foram a Bélgica, Alemanha, França, Luxemburgo, Países Baixos, Áust (...)
  • 20 Decisão 2008/615/JAI, Decisão 2008/616/JAI e Decisão 2008/617/JAI do Conselhode 23 de Junho de 200 (...)

65Assinado em Maio de 2005 na Alemanha, o Tratado de Prüm visa o reforço da cooperação judicial e policial entre os estados-membros, assente no princípio de que só pela via de uma estreita cooperação nesses domínios, pode a União aspirar a um combate eficaz da imigração ilegal, do terrorismo e do crime transfronteiriço. Prüm nunca foi todavia um tratado pacífico. Prova disso mesmo esteve aliás na proposta apresentada em 200718 pelo ministro alemão do Interior, Wolfgang Schäuble, no sentido do Tratado ser transferido para o Direito Comunitário, (de modo a não constranger a sua aplicação à necessidade de ratificação e assinatura por parte de todos os estados-membros19), facto que veio a ocorrer em 2008 através de três decisões do Conselho.20

  • 21 Dentro deste debate, as principais questões giram em redor da identificação biométrica dos sujeitos (...)

66Têm sido diversos os debates suscitados em torno das potencialidades e desafios que acompanham o conceito de e-justice tal como promovido pelo Tratado de Prüm. Um desses debates centra-se na possibilidade que Prüm institui de cada Estado dar a outros estados acesso automático a bases de dados nacionais de registo automóvel, de registo de impressões digitais ou de registo de ADN, sempre que tal seja solicitado pelos estados que estão a realizar a pesquisa. Um outro debate ocorre em torno da aplicação do princípio da disponibilidade (Availability Principle) adoptado pelo Programa de Haia e que estabelece a entrada em funcionamento desde Janeiro de 2008 de uma rede de informação jurídica acessível a todas as autoridades policiais e judiciais em qualquer estado-membro no sentido de facilitar as suas tarefas de investigação pela troca automática de informação [COM(2006)331final]. Um terceiro debate centra-se na temática do Controlo e Vigilância de Sujeitos, em particular sobre os desenvolvimentos técnicos em matéria de aplicação do Sistema de Informação de Schengen (SIS II) e do Sistema de Informação sobre Vistos (VIS/SIV)21.

  • 22 No seguimento da aprovação daquele que ficou conhecido por ‘Relatório Fausto’, de que foi relator o (...)

67Finalmente, um outro debate frequente centra-se no acesso às bases de dados de impressões digitais, não apenas por razões criminais mas também em situações preventivas. Pese embora a importância que o Parlamento Europeu teve em gerar uma maior sintonia entre os objectivos legítimos do Tratado e o respeito pelas liberdades e garantias fundamentais,22 atenuando assim algumas das inquietações mais fortes que Prüm levantava, a verdade é que tal sintonia não diluiu por completo o espaço, também ele legítimo, para todas as desconfianças que ainda se levantam. À cabeça, indicaríamos a desconfiança relativamente à proporcionalidade,razoabilidade e adequação de todas as medidas que integram esta política de prevenção de riscos, de controlo e de vigilância dos indivíduos, sobretudo quando a linguagem oficial dos documentos de trabalho anda à volta de expressões tão vagas quanto perigosas, como sejam as referências a ameaças à segurança interna. Repare-se no seguinte exemplo. A Comissão avançou em 2005 com uma proposta para uma decisão-quadro em matéria de protecção de dados. A proposta foi discutida no âmbito da presidência austríaca e finlandesa da União em 2006. No primeiro semestre de 2007, a presidência alemã avançou com a proposta de uma nova redacção, ignorando para o efeito o trabalho do Parlamento Europeu com cerca de 60 emendas (Setembro de 2006) e as opiniões do European Data Protection Supervisor (EDPS). O resultado foi um texto ainda mais ‘pesado’ que o anterior e que reduz bastante o direito do indivíduo a ser informado de que estão a ser recolhidos e processados dados relativos à sua pessoa. O direito de acesso aos dados também é limitado, e recheado de excepções. Ou seja, segundo esta nova redacção, só se uma pessoa souber ou suspeitar que os seus dados estão a ser processados é que poderá requerer o acesso aos mesmos (UE doc.7315/07). Estes debates fazem-nos igualmente pensar na transparência e democraticidade com que tudo isto é discutido e implementado. A proposta de Decisão do Conselho, de Junho de 2007, sobre cooperação transfronteiriça no combate ao terrorismo e ao crime entre fronteiras, reconhecia as dificuldades na gestão de dados pessoais associados ao acesso on-line, mas ao mesmo tempo terminava dizendo que a decisão respeitava a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (Draft Council Decision 2007). Ora, daqui ressaltava como evidente uma potencial incoerência que valeria a pena ser mais amplamente discutida no âmbito de debates públicos. No entanto, a maioria das discussões ocorreu no seio de comités e grupos de trabalho especializados, ficando-se o cidadão pelo conhecimento dos resultados finais.

Conclusão

68A qualidade das relações desenvolvidas entre sociedades receptoras e as suas múltiplas comunidades de origens e pertenças étnicas diversas, não pode ser indiferente às opções políticas que se efectuam em matéria de gestão migratória e de controlo de fronteiras. Desta feita, se tais opções tiverem respaldo numa lógica que entenda como estrategicamente defensável a incriminação e desconfiança antecipada sobre o valor moral do Outro, então, tais opções terão maior probabilidade de estarem activamente a contribuir para a fragilização das ditas relações. A probabilidade será tanto maior, quanto menor for, por acréscimo, o nível de preparação das populações para enfrentar e desmontar as armadilhas que as linguagens e as práticas institucionais apresentam. Não será despiciendo sublinhar que as relações sociais interculturais são antes de mais relações assentes em pressupostos de confiança mútua, que ajudam à sustentação de expectativas recíprocas e à sustentação de algo tão fundamental como a legitimidade de políticas e práticas de solidariedade dento do Estado. É porque temos confiança no ‘Outro’ (independentemente de ele ser de facto um Outro, ou antes uma face de nós mesmos ainda não reconhecida enquanto tal e por isso percebida como externa) que aceitamos com ele trabalhar para uma ideia de Bem Comum. Assim, face ao resumidamente exposto neste texto, ousamos questionar se essa confiança pode ser estimulada através da aposta numa política de prevenção e controlo de comportamentos, em cujo universo semântico o terrorismo e a imigração ilegal aparecem lado a lado qual sinónimos; numa política de migração circular que reabilita o conceito de guestworker, isto é, do imigrante económico descartável; numa política de retorno voluntário que na verdade não apresenta o retorno como opção do indivíduo mas como condição obrigatória para admissão de sua entrada; numa política de exportação de responsabilidades, assente em círculosde boa vizinhança, em acordos de readmissão, e que no fundo coloca sobre os ombros de países terceiros a responsabilidade pela segurança interna da Europa (Bigo e Guild, 2010; Bigo e Guild, 2005).

69Convenhamos que é no mínimo difícil reconhecer a linguagem da interculturalidade, na linguagem destas quatro políticas que materializam a lógica subjacente à praxis política da União Europeia não só em matéria de controlo de fluxos imigratórios de países terceiros, mas também e mais importante, em matéria da sua relação com o ‘Outro’.

70Na operacionalização das políticas que acompanham os conceitos de imigração ilegal, migração circular e buffer states, evidencia-se uma inquietante fricção entre duas grandes heranças constitutivas da matriz ideológica (entendida como matriz de pensamento e acção) quer da Europa contemporânea no geral, quer do espaço comunitário em particular. São elas, por um lado, a herança de uma ética humanista (ela mesma hesitante entre uma leitura mais universalista sobre a existência de um máximo denominador comum de dignidade humana materializado num conjunto de direitos humanos fundamentais e inalienáveis; e uma leitura mais ‘multiculturalista’ sobre a existência de múltiplas versões de dignidade humana, tornadas compatíveis através do exercício de diálogos interculturais). E, por outro lado, a herança de uma ética burguesa, marcada pela sobranceria civilizacional do espaço europeu no curso da História Mundial. Neste contexto de ambivalência matricial que persegue as respostas da União Europeia na sua relação com o ‘Outro’, a legitimidade de práticas e discursos políticos sobre a gestão de fenómenos imigratórios é uma legitimidade necessariamente incompleta. Incompleta porque ensombrada pela presença dessa segunda herança binária. De sublinhar como nota final que o objectivo do tipo de reflexão que este texto propõe não é o de desacreditar o projecto da União Europeia para a construção de um espaço de maior liberdade, justiça e democracia. Precisamente porque acreditamos nas virtudes e potencialidades do projecto, preocupam-nos os laivos que na acção política europeia possam afectar a sua integridade democrática, a sua compatibilidade com os Direitos Humanos, e a sua sintonia com uma visão mais inclusiva de cidadania.

O que é a União Europeia Brainly?

A União Europeia é o principal bloco econômico do mundo. Ela reúne países altamente desenvolvidos e industrializados do continente europeu. Tem como objetivo principal a integração econômica e política entre os países-membros.

Quais são os Países Baixos da Europa?

O Reino dos Países Baixos é composto de quatro países: os Países Baixos, Aruba, Curaçao e São Martinho.

Como são os Países Baixos?

O Reino dos Países Baixos é um país independente, localizado no oeste da Europa, com população de 16,7 milhões de pessoas, que tem como capital a cidade de Amsterdam. Na região, viviam tribos germânicas e celtas e até o ano 400 e o território ao sul do rio Reno fazia parte do Império Romano.

Quais são as condições básicas necessárias para um país fazer parte da União Europeia?

Para ingressar no bloco, os candidatos precisam atender a três condições básicas: ter uma economia desenvolvida, manter um regime político democrático que respeite os direitos humanos e aceitar a legislação da UE.

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