Origem dos fluxos migratórios de refugiados
Fatores explicativos
Inspirada pela Primavera Árabe, a Revolução Líbia – cujo início se deu em Fevereiro de 2011 e cessou com a declaração do Conselho Nacional de Transição, em Outubro do mesmo ano – resultou em mais de 550 mil líbios deslocados internamente e 9 mil pessoas – quer líbios, quer nacionais de países terceiros – fora das fronteiras do seu país, (ACNUR, 2011). Com o fim do conflito, embora muitos líbios tenham regressado ao seu país de origem, a verdade é que após a Primavera Árabe, o mundo voltou a assistir a uma intensa movimentação nos países africanos bem como no Médio Oriente. Submersos por uma vasta onda revolucionária países como a Líbia, Tunísia, Síria e tantos outros, têm contribuído para o aumento do fluxo de migrantes no Mediterrâneo. De acordo com o ACNUR, em 2014, registaram-se 3.353 refugiados originários da Líbia e cerca de 2.400 pedidos de asilo.
Operações de salvamento
Entidades envolvidas
Dada a posição geográfica de Itália, nomeadamente das ilhas de Sicília e de Lampedusa, o drástico aumento dos fluxos migratórios e as infindas mortes resultantes dos naufrágios foram-se tornando, consequentemente, veracidade. Face a esta realidade e, sobretudo, às 600 mortes registadas no Mediterrâneo – número total reportado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), em 2013 –, o governo italiano implantou, a Outubro de 2013, a maior operação humanitária intitulada de Mare Nostrum, cujos objetivos assentavam essencialmente no resgate, salvamento, patrulha e segurança marítima bem como no combate ao contrabando e tráfico de pessoas. Pese embora a crise económica, foram destinados mensalmente 9 milhões de euros para as ações desenvolvidas pelo programa e conduzidas pela Marinha italiana, perto da costa da Líbia. Contudo, apesar do sucesso obtido através da operação naval e aérea em que se permitiu deter 330 traficantes e socorrer cerca de 400 vidas por dia num total de 150,00 pessoas num ano, entre as quais mais de 22 mil crianças e adolescentes, em Novembro de 2014, o governo italiano deu por findada a operação humanitária, dada a falta de meios. À falta de meios acresce o debate que se gerou, entre os restantes governos europeus, em torno da possibilidade do programa italiano fomentar o deslocamento e, por conseguinte, o aumento do número de imigrantes em situação irregular. Deste modo, em Novembro de 2014, a nova operação para o Mediterrâneo, intitulada Triton, entrou em funcionamento sob a coordenação da Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia (Frontex). Focando a sua atuação mormente no controlo dos fluxos de imigração ilegal na fronteia italiana e nas restantes fronteiras externas europeias, a Frontex recebeu ofertas no que respeita a equipamento técnico e equipas de guarda fronteiriça, oriundas dos quinze estados-membros da União Europeia. Garantindo, assim, a implantação mensal de dois navios de patrulha de oceano, dois navios de patrulha costeira, dois aviões e um helicóptero, disponibilizados por oito dos países da União Europeia2, entre os quais Portugal.
Todavia, a operação Triton continua a ser alvo de críticas, dado o orçamento de pouco mais de 2,9 milhões de euros mensais. Valor esse que, quando comparado com os 9 milhões investidos mensalmente pela Itália, se apresenta pouco expressivo. No último conselho Europeu, marcado de urgência em Abril de 2015, em Bruxelas, após o acidente que provocou a morte de mais de 800 migrantes, a União Europeia adotou, no entanto, um plano de ação que consiste em três medidas: ações para capturar e destruir as embarcações utilizadas pelos traficantes, triplicar o orçamento do programa Triton e melhorar a sua capacidade operativa e, ainda, na tentativa de se limitar os fluxos migratórios para a Europa, melhorar a cooperação com os países de origem e trânsito dos migrantes, especialmente com a Líbia.
Segundo a Amnistia Internacional, no seu relatório intitulado de Plano de Ação, a decisão de se terminar com a operação humanitária levada a cabo pela Marinha italiana contribuiu intimamente para o aumento exponencial das mortes registadas ao longo do Mar Mediterrâneo, corrompendo, deste modo, a tese de que o programa de patrulhamento do Mare Nostrum, que funcionava durante 24 horas por dia, contribuiria para o aumento do número de migrantes, uma vez que o risco de vida seria menor. A sua substituição por um programa de cariz de controlo e não de busca e salvamento, cuja abrangência – 48km da costa italiana – ficou muito aquém das expectativas comparativamente com o alcance do Mare Nostrum, foi bastante contestada.
União Europeia: uma barreira ou um desimpedimento?
A relação das questões dos direitos humanos com a migração
Como já tivemos oportunidade de verificar, quer chegados por via terrestre, quer por via marítima, de forma ilegal ou, quiçá, utilizando documentos falsos, estes imigrantes recorrem frequentemente a organizações criminosas, das quais continuam a depender mesmo depois da sua chegada a território europeu. Sendo, por isso mesmo, o desmantelamento das redes de tráfico de seres humanos e de imigração clandestina considerado um dos desafios mais importantes para a UE, dado que o tráfico de seres humanos é considerado uma forma moderna de escravatura. Apesar da existência de um Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), desde 1999, o que se tem verificado no seio do sistema de proteção de refugiados da União Europeia é que este se encontra atualmente sob uma profunda tensão, pois apesar dos investimentos, das normas jurídicas e das instituições, são muitos os que continuam a não ter acesso ao procedimento de asilo de forma segura e legal. Importando, assim, salientar que para se poder beneficiar de asilo, é necessário o reconhecimento prévio do estatuto de refugiado e, por conseguinte, essencial que os países da União Europeia interpretem da mesma forma a noção de «refugiado»3. De acordo com o Alto Comissariado das Nações para os Refugiados (ACNUR), estima-se que só no ano de 2013 mais de 890.000 mil pessoas tenham pedido asilo em todo o mundo o que, no seu conjunto, representa cerca de 43,5% do total de asilo a nível mundial (COMISSÃO EUROPEIA, 2014).
O drama de milhares de refugiados e migrantes
Através de uma pequena análise feita com base nos dados obtidos pelo ACNUR, no que concerne aos pedidos de asilo provenientes da Líbia, efetuados a sete países europeus (Portugal, Itália, Malta, Espanha, França, Alemanha, Reino Unido) entre os anos de 2011 e 2013, compreendemos facilmente a complexidade da dinâmica de todo este processo. Em Portugal, por exemplo, no ano de 2011 registou-se apenas um pedido o que poderá estar intimamente relacionado com o carácter intrínseco pouco atrativo do próprio país. Já a Itália, que em 2011 recebeu 344 pedidos e, em 2013, 53 pedidos, destaca-se por ser um dos países europeus que mais refugiados acomoda no seu território. Malta, por sua vez, registou 68 pedidos em 2011 e 108 em 2013, o que se deve, possivelmente, à sua posição geográfica. Espanha surge como sendo o segundo país que menos pedidos registou, tratando-se apenas de 63 no ano de 2011 e 14 em 2013 (ainda assim, existe uma discrepância notável entre o país que menos pedidos registou, ou seja, Portugal). A França foi, no entanto, o país que uma menor oscilação no número de pedidos assinalou, sendo que apresentava 153 pedidos em 2011 e, em 2013, registava um ligeiro decréscimo passando a ter somente 124 pedidos. Quanto à Alemanha, que havia assinalado 187 pedidos no ano de 2011 viu o valor a aumentar para 358. Por último, mas não menos importante, temos o Reino Unido, líder quanto à quantidade de pedidos de asilo recebidos, sendo que em 2011 recebeu 1.610 e em 2013 apenas 600.
Face a esta realidade o dever da União Europeia deveria de assentar na proteção dos mais necessitados, tal como está consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Pois, de acordo com as normas mínimas da União em matérias de acolhimento dos requerentes de asilo, os estados membros devem certificar-se de que todo o requerente de asilo, que aguarda uma decisão sobre o seu pedido, beneficia de condições de acolhimento suficientes para que lhe seja garantido um nível de vida digno. Devem igualmente assegurar que é prestada assistência médica e que, no caso das crianças, têm acesso ao ensino. Não obstante, a União Europeia e os seus estados membros têm beneficiado as políticas assentes no reforço e encerramento das fronteiras, impossibilitando que refugiados e migrantes, denominados de recém-chegados “sem papéis”, penetrem no espaço Schengen4. Perante esta realidade, a Amnistia Internacional num relatório intitulado de “The human cost of Fortress Europe: Human rights violations against migrants and refugees at Europe’s borders” denuncia a forma atroz como as políticas europeias de migração e as práticas de controlo das fronteiras atuam, de modo a conter o fluxo de migrantes e refugiados em situação irregular.
Cooperação com os países terceiros
Com o objectivo de melhorar o acesso à proteção por parte dos que dela mais necessitam, a União Europeia visa, no âmbito da sua abordagem global em matéria de migração, promover a proteção internacional e ajudar os países terceiros a reforçarem os seus sistemas de asilo. Para tal, em estreita colaboração com o ACNUR, a União Europeia tem vindo a pôr em prática programas de proteção regionais para reforçar a capacidade de proteção das áreas que apresentam um maior fluxo de migrantes e melhorar, de igual modo, a proteção dos refugiados por meio de soluções a longo prazo como, por exemplo, através da integração local e/ou reinstalação num país terceiro, e regresso ao país de origem. Pode-se, no entanto, afirmar que esta cooperação é um tanto perversa, dado que os financiamentos que têm sido prestados a países como a Líbia, visam suster a onda de migrantes e refugiados mesmo antes destes alcançarem as fronteiras europeias originando, assim, zonas-tampão em torno da Europa.
Apoio financeiro da União Europeia para o acolhimento de requerentes de asilo e refugiados
Entre 2007 e 2013, a Direcção-Geral para a Migração e os Assuntos Internos atribuiu cerca de 4 mil milhões de euros aos quatro fundos comunitários no âmbito do programa Solidariedade e Gestão de Fluxos Migratórios5, a fim de apoiar as atividades dos estados-membros em matéria de asilo, integração, controlo de fronteiras e regresso dos nacionais aos seus países de origem. Constatou-se, no entanto, que cerca de dois milhões deste mesmo financiamento foram gastos pela União Europeia só em equipamento e tecnologia com foco na proteção das fronteias e apenas 700 milhões de euros na melhoria das condições em que são acolhidos os refugiados e todos os indivíduos que procuram asilo dentro do território europeu. De tal forma que, a Frontex, desde que se tornou operacional em 2005, goza de um financiamento superior ao que é atribuído à Agência da UE criada para apoiar os programas em matéria de asilo dos estados membros. Em 2014, por exemplo, o orçamento da Frontex rondava os 89 milhões e 200 mil euros enquanto o orçamento do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (GEAA) era pouco mais do que 15 milhões e 600 mil euros.
“O Fundo deverá ser executado no pleno respeito pelos direitos e princípios consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e pelos direitos fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais pertinentes, incluindo a jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. As ações elegíveis deverão ter em conta a abordagem baseada nos direitos humanos para a proteção dos migrantes, refugiados e requerentes de asilo, e deverão, em particular, assegurar que seja dada especial atenção e uma resposta individualizada à situação específica das pessoas vulneráveis, em particular mulheres, dos menores não acompanhados e de outros menores em risco.” (Regulamento (UE) Nº516/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, relativo à criação do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (JO L 150, de Abril de 2014, p. 171).
por Cláudia Rodrigues
Jogos Sem Fronteiras | 1 Março 2016 | controlo de fronteiras,
líbia, migrações, refugiados