Desenvolvida em 1891 para o tratamento da peste bubônica, pneumônica e do tétano, a soroterapia é até hoje o único tratamento eficaz contra acidentes com animais peçonhentos.
Em 1894, os pesquisadores Calmette, Phisalix e Bertrand demonstraram que o soro de animais imunizados com venenos de serpentes era capaz de neutralizá-los.
Esse é um resumo dos mais de 120 anos de estudos e pesquisas sobre a produção do soro antiofídico. Mas, afinal, do que é feito o soro?
Brasil é referência mundial na produção do soro antiofídico — Foto: Divulgação/Instituto Vital Brazil
Etapas de produção
Pode parecer estranho, mas para a produção de um soro antiofídico é necessário estudar as serpentes e os cavalos.
A primeira etapa consiste na coleta do veneno, através de extrações manuais dos animais peçonhentos. Depois de coletado, o produto segue para o Departamento de Antígenos, onde são preparadas as soluções que serão aplicadas nos cavalos.
“Quatro inoculações são realizadas nos animais. Posteriormente as soluções de antígenos - substância que, introduzida no organismo, provoca a formação de anticorpo; são inoculadas nos equinos, processo que chamamos de imunização”, explica Camila Braz, farmacêutica responsável pela Assessoria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Instituto Vital Brazil.
Processo de imunização é parte da primeira etapa de produção do soro — Foto: Divulgação/Instituto Vital Brazil
Após sete dias das aplicações, já imunizados, os cavalos passam pela sangria. “Durante o processo as bolsas coletoras de sangue são constantemente agitadas para que o sangue entre em contato com o anticoagulante”, destaca.
Finalizada a coleta, as bolsas ficam penduradas em uma câmara fria com temperaturas que variam de dois a oito graus. “Dessa forma garantimos a separação total entre o plasma e as células vermelhas do sangue”, diz.
O plasma é purificado e fragmentado no processo final da produção — Foto: Divulgação/Instituto Vital Brazil
O processo segue com a transferência do plasma para outro reservatório, uma vez que o sangue puro é reinfundido nos cavalos. “O plasma vai para a fábrica de produção dos soros. Lá passa pela purificação, quando as imunoglobulinas são transformadas em fragmentos (Fab’)² e envasadas, formando soros hiperimunes”, completa Camila.
Número de acidentes com serpentes venenosas ainda é muito grande — Foto: Cláudio Machado/Arquivo Pessoal
Tipos de soro
Como comprovado por Vital Brazil, para cada veneno há um antídoto específico. Por isso, no instituto que leva o nome do cientista são produzidos sete tipos de soro.
Na lista estão soros antiescorpiônico, antitetânico e antirrábico, além dos antibotrópico, anticrotálicos e antilaquético, esses, específicos para acidentes com serpentes.
Conheça os tipos de soro existentes para acidentes com animais peçonhentos — Foto: Arte: Giulia Bucheroni
De acordo com o vice presidente do Instituto, Luis Eduardo Cunha, apesar de serem soros para antígenos específicos, a forma de produção é igual para todos, alterando somente o plasma utilizado. “Como o objetivo terapêutico do soro é neutralizar o veneno, a utilização da fórmula serve tanto para humanos quanto para animais acidentados”, completa.
Brasil é referência na produção de soro antiofídico — Foto: Divulgação/Instituto Vital Brazil
Quando recorrer ao soro?
De acordo com o especialista, quando ocorre um acidente com animais peçonhentos o indivíduo não tem tempo de produzir anticorpos, por isso, é necessário recorrer ao soro. “Com a soroterapia o acidentado recebe uma solução de anticorpos pronta, vinda de um animal imunizado contra o veneno. Quando administrados, esses anticorpos começam a neutralizar as toxinas”, explica.
“O acidentado deve recorrer ao soro antiofídico o mais rápido possível após acidentes com animais peçonhentos. É um medicamento injetável que precisar ser administrado em hospitais pois, quando usado de forma incorreta, pode gerar efeitos colaterais ao paciente”, completa Luis.
Vital Brazil foi mundialmente reconhecido pelas contribuições dadas à ciência — Foto: Erico Vital Brazil/Arquivo Pessoal
Legado
O Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos, publicado pelo Ministério da Saúde, sinaliza o soro como o único tratamento eficaz no caso desses acidentes.
Para Camila e Luis Eduardo, é inquestionável a importância das pesquisas brasileiras para o aperfeiçoamento das fórmulas antiofídicas. “Como legado científico Vital deixou a descoberta das especificidades do soroso hiperimunes e, como legados institucionais, fundou o Instituto Butantan e o Instituto Vital Brazil, instituições referência na produção de medicamentos, divulgação científica, pesquisa e popularização da ciência no País”.
A especialista destaca ainda que muitas melhorias foram feitas ao longo dos anos para atender as regulamentações sanitárias e acompanhar os avanços tecnológicos, no entanto, a essência da produção de soros se mantém a mesma.