Quantos engenhos de açúcar existiam no Brasil na primeira metade do século XVIII

Scripta Nova
REVISTA ELECTR�NICA DE GEOGRAF�A Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Dep�sito Legal: B. 21.741-98 
Vol. X, n�m. 218 (32), 1 de agosto de 2006 


UM QUEBRA-CABE�A (QUASE) RESOLVIDO: OS ENGENHOS DA CAPITANIA DO RIO DE JANEIRO - S�CULOS XVI E XVII [1]

Mauricio de Almeida Abreu

Professor Titular e Coordenador do N�cleo de Pesquisas de Geografia Hist�rica 
Departamento de Geografia 
Universidade Federal do Rio de Janeiro.  
Pesquisador do CNPq. 

Um quebra cabe�a (quase) resolvido: os engenhos da capitania do Rio de Janeiro, s�culos XVI e XVII (Resumo)

Dada a import�ncia da cultura canavieira nos primeiros s�culos da coloniza��o do Brasil, � paradoxal que tenhamos hoje t�o poucas informa��es a seu respeito.  O problema � ainda mais grave quando se trata da Capitania do Rio de Janeiro, em fun��o do inc�ndio que atingiu o arquivo municipal carioca em 1790.  Esses obst�culos n�o impedem que nos aproximemos do antigo mundo rural fluminense.  A partir de uma pesquisa minuciosa da documenta��o prim�ria ainda existente, este trabalho (a) apresenta os debates que v�m sendo travados sobre as conjunturas econ�micas do per�odo colonial; (b) revela qu�o grande � desconhecimento que hoje temos sobre a cultura canavieira fluminense; (c) resolve um dif�cil quebra-cabe�a, pois identifica e localiza os engenhos fluminenses dos s�culos 16 e 17, e (d) apresenta, em detalhe, a metodologia que possibilitou a recupera��o desse antigo mundo dos engenhos.

Palavras-chave:  Rio de Janeiro (S�culos 16 e 17) � Geografia hist�rica � Engenhos de a��car

A puzzle almost solved: the sugar mills at the Rio de Janeiro Region, 16-17th centuries (Abstract)

Given the importance of sugar cane production for colonial Brazil, it is surprising that we have so little information about it today.  Due to the fire that destroyed the municipal archives in 1790, this ignorance is even more serious with regard to the captaincy of Rio de Janeiro.  Despite these drawbacks, it is still possible to shed light upon Rio�s early rural life.  Based on an detailed analysis of existing primary sources, this work (a) reviews the debates on the economy of Brazil in the seventeenth-century; (b) proves that our knowledge about sugar cane production in colonial Rio is indeed very poor; (c) solves a part of this historical puzzle by identifying and locating the captaincy�s sugar mills in the 16th and 17th centuries; and (d) presents and discusses the methodological steps that were taken to uncover this important dimension of Rio�s colonial times.

Key-words: Rio de Janeiro (16th and 17th centuries) � Historical geography � Sugar mills

Dada a import�ncia da cultura canavieira nos primeiros s�culos da coloniza��o brasileira, � paradoxal que tenhamos hoje t�o poucas informa��es sobre ela.  O fato � que os dados com que contamos - sejam eles de produ��o, de pre�os, de utiliza��o de for�a de trabalho ou de qualquer outra natureza - s�o bastante fragment�rios e jamais constituem s�ries hist�ricas prolongadas.  Por essa raz�o, os que se aventuram a estudar esse antigo mundo do a��car s�o obrigados a ser bastante criativos no trato das quest�es que pretendem investigar.  Mesmo Mauro (1989) e Schwartz (1988), que se debru�aram sobre os preciosos registros do engenho jesu�tico de Sergipe do Conde, na Bahia, milagrosamente salvos da a��o do tempo, viram-se obrigados a fazer interpola��es e a conjecturar.

O problema � ainda maior no Rio de Janeiro.  Embora os engenhos fluminenses contassem com livros de registro, que detalhavam a produ��o, receita, despesa e o pagamento dos d�zimos, conforme atestam alguns testamentos e invent�rios, a verdade � que essa documenta��o simplesmente desapareceu. [2]   Esse desconhecimento, por sua vez, se torna ainda mais grave quando sabemos, por meio de autores coevos, ou mesmo de historiadores modernos, que lograram ter acesso a informa��es salvas da destrui��o, que a cultura canavieira assumiu import�ncia crescente na vida econ�mica e social da capitania no s�culo XVII.  Frei Vicente do Salvador (1982, p. 334), por exemplo, afirmou que o Rio de Janeiro, onde antes �se tratava mais de farinha para Angola que de a��car�, j� possu�a, em 1627, quarenta engenhos.  Boxer (1973, p. 173), por sua vez, demonstrou que, de 1638 a 1642, partiram anualmente da ba�a de Guanabara, em dire��o a Portugal, uma m�dia de 20 a 25 caravelas carregadas de a��car, o que atesta a plena integra��o da capitania ao sistema da grande lavoura canavieira.  Ao exaltar a grandeza do Brasil por suas drogas e minas, Antonil (1982, p. 140) apontou igualmente para a prosperidade canavieira do Rio de Janeiro ao afirmar que a capitania j� possu�a, em 1711, 136 engenhos de a��car.

Os n�meros fornecidos por Frei Vicente do Salvador e por Antonil s�o bons indicadores da import�ncia crescente do Rio de Janeiro no cen�rio canavieiro colonial e constituem cita��es obrigat�rias de todos aqueles discutem o s�culo XVII.  A verdade, entretanto, � que, al�m da constata��o �bvia do crescimento da lavoura canavieira na capitania, muito pouco se tem avan�ado na produ��o de novos conhecimentos sobre a agricultura fluminense naquela cent�ria.  � certo que a escassez de informa��es contribuiu para isso, pois a maioria dos registros produzidos nos primeiros tempos desapareceu para sempre, boa parte deles em conseq��ncia do inc�ndio que atingiu o arquivo da C�mara Municipal, em julho de 1790.  Todavia, � tamb�m verdadeiro que muitos outros ainda sobrevivem, podendo, pois, lan�ar luz sobre esse antigo mundo do a��car.  H� que se reconhecer, entretanto, que o acesso a esses registros � prec�rio, seja em virtude de seu mau estado de conserva��o, seja por causa de sua dispers�o por diferentes acervos documentais.

As dificuldades s�o semelhantes quando tratamos das representa��es gr�ficas do Rio seiscentista: a imagem mais antiga que conhecemos da paisagem da cidade � de autoria do viajante franc�s Fran�ois Froger e foi produzida em 1695, ou seja, cento e trinta anos ap�s a sua funda��o; a planta urbana mais recuada � a do Brigadeiro Mass�, levantada em 1713, e, se quisermos trabalhar na escala regional, n�o contamos com bases cartogr�ficas confi�veis anteriores a 1767, ano em que foi produzido a conhecida �Carta Topogr�fica da Capitania do Rio de Janeiro�, de autoria do Sargento-mor Manoel Vieira Le�o.  Esse mapa tamb�m � o documento cartogr�fico mais antigo que possu�mos do Rio canavieiro, pois indica, claramente, os engenhos que ent�o estavam em funcionamento na capitania.  Todavia, ele nos serve pouco quando queremos discutir o s�culo XVII: nada nos garante que as moendas ali representadas j� estivessem erguidas na cent�ria anterior e o documento, obviamente, nada nos informa sobre os engenhos seiscentistas j� ent�o desaparecidos.  Portanto, se quisermos avan�ar o conhecimento sobre os prim�rdios a�ucareiros da capitania, pecisamos n�o apenas ser criativos no tratamento da documenta��o que ainda subsiste, como tamb�m produzir nossas pr�prias representa��es cartogr�ficas.

Com este trabalho, pretendemos trazer um pouco mais � luz esse Rio pouco conhecido, anterior ao s�culo XVIII.  Sustentados por uma minuciosa an�lise de fontes que chegaram aos nossos dias, que incluiu todos os livros cartoriais ainda existentes (e que podem ser objeto de pesquisa, j� que alguns deles se transformaram em verdadeiras massas disformes de papel), al�m de outros documentos dispersos por diversas institui��es de mem�ria, fomos capazes, n�o apenas de penetrar nesse passado distante, como tamb�m de identificar e localizar os engenhos que o constitu�ram, de nomear seus propriet�rios e de resgatar, minimamente que seja, o papel que nele desempenharam lavradores de cana, partidistas e escravos.  Conseguimos tamb�m acompanhar a trajet�ria das moendas atrav�s do tempo, o que permitiu a incorpora��o da diacronia � nossa an�lise.  � preciso reconhecer, entretanto, que pouco avan�amos na determina��o dos quantitativos da produ��o a�ucareira.

Devido �s limita��es das fontes utilizadas, fomos obrigados a adotar, no decorrer do trabalho, uma s�rie de procedimentos de pesquisa.  Como essas trilhas metodol�gicas orientaram todos os percursos que seguimos, privilegiamos aqui a sua discuss�o, o que resultou, evidentemente, na necessidade de limitar as quest�es a serem discutidas.  Por essa raz�o, a an�lise emp�rica que apresentamos neste trabalho se restringe � identifica��o e localiza��o dos engenhos fluminenses dos primeiros dois s�culos da coloniza��o.


Conjunturas econ�micas seiscentistas: breve contextualiza��o

Diversos autores que analisaram o Brasil seiscentista (cf. Godinho, 1953; Ferlini, 2003) apontam para a exist�ncia de quatro conjunturas econ�micas distintas.  A primeira, bastante favor�vel ao desenvolvimento da lavoura canavieira, teve in�cio em meados do s�culo XVI e se estendeu at� a terceira d�cada do s�culo XVII; foi uma �poca em que o pre�o do a��car tendeu a manter-se em patamares relativamente elevados, o que estimulou o crescimento da cultura da cana nas capitanias brasileiras.  A essa conjuntura favor�vel teria sucedido uma �poca de transi��o, que apresentou flutua��es no pre�o do a��car e se prolongou at� a d�cada de 1650.  A partir de ent�o, teve in�cio um per�odo de grandes dificuldades econ�micas, que alguns consideram mesmo de crise aguda, que foi caracterizado, sobretudo, pela queda acentuada do pre�o do a��car e pela intensifica��o da tributa��o das capitanias brasileiras, chamadas a contribuir amplamente para a satisfa��o dos compromissos firmados pelo Reino com a Inglaterra e a Holanda.  Essa �poca de dificuldades teria se estendido at� o in�cio da d�cada de 1690, que marcaria, por sua vez, o in�cio de um per�odo de retomada de pre�os e de crescimento da lavoura canavieira, que adentraria o s�culo XVIII.

Ainda que as explica��es dessas conjunturas variem de autor para autor, h� uma certa concord�ncia em relacionar as instabilidades ocorridas a partir da d�cada de 1630 a uma s�rie de acontecimentos pol�ticos e econ�micos, que afetaram tanto a Europa quanto as capitanias brasileiras.  Destaca-se, em primeiro lugar, o conflito entre a Espanha e as Prov�ncias Unidas, com a conseq�ente ocupa��o holandesa de Pernambuco (1630-1654), que embora tenha estimulado a produ��o a�ucareira das capitanias mais distantes, como o Rio, levou � perda de in�meros navios que transportavam a��car para Portugal e exigiu, ademais, um esfor�o not�vel de fortifica��o das pra�as sob controle luso, que s� p�de ser efetivada mediante a crescente imposi��o de tributos.  Em segundo lugar, a restaura��o portuguesa de 1640, com o conseq�ente estado de beliger�ncia que se instaurou na pen�nsula ib�rica at� 1668, n�o s� exauriu os cofres reais, como fez cessar o lucrativo e clandestino com�rcio que se efetuava com Buenos Aires e Potosi; determinou, ademais, que as necessidades da col�nia tivessem que ser providas, em grande parte, por ela mesma.  Em terceiro, a tomada de Luanda pelos batavos, em 1641, cortou o suprimento de escravos africanos para o Brasil e praticamente isolou as capitanias brasileiras de sua principal fonte de suprimento de m�o-de-obra africana at� 1648, quando Angola foi reconquistada por uma expedi��o comandada por Salvador Correia de S� e Benevides, em grande parte financiada pelos moradores do Rio de Janeiro.  Em quarto, a entrada das Antilhas no mercado a�ucareiro, a partir de 1650, n�o s� levou � perda de importantes consumidores europeus, outrora supridos pelo a��car brasileiro, como elevou a demanda por m�o-de-obra servil e baixou os pre�os do a��car.  Por �ltimo, com o intuito de garantir rendas aos comerciantes metropolitanos e proteger o transporte do a��car colonial para o Reino, a Coroa baixou, ao final da d�cada de 1640, diversas normas que reorganizaram o com�rcio com a col�nia e acabaram por aumentar as dificuldades dessa �ltima.

H� discord�ncia na historiografia, entretanto, quanto � magnitude e extens�o da conjuntura desfavor�vel da segunda metade do s�culo XVII.  A maior parte dos autores a equaciona a um per�odo de crise generalizada da agricultura, com reflexos na Europa e no Brasil.  Sampaio (2000), entretanto, defendeu recentemente que essa crise teria se restringido � lavoura canavieira e durado muito menos tempo do que � geralmente propalado.  Sem negar a import�ncia fundamental das culturas de exporta��o para a economia colonial, esse autor defende que a vida econ�mica das capitanias possuiria alguma autonomia, e que esta teria sido crescente atrav�s do tempo. [3]   No caso do Rio de Janeiro, essa autonomia relativa teria se iniciado ainda no s�culo XVII, quando uma economia mercantil de alimentos teria encetado seus primeiros passos, o que teria amenizado, inclusive, os efeitos da �grande crise econ�mica da segunda metade do s�culo XVII�, que Sampaio (2000, p. 23) acredita ter afetado menos a col�nia do que geralmente se afirma; limita, inclusive, seus efeitos perversos no Rio de Janeiro �s d�cadas de 1660 e 1670.


N�voas que permanecem

A produ��o acad�mica sobre o Brasil colonial tem crescido bastante ultimamente.  No que diz respeito ao Rio de Janeiro, esse esfor�o de pesquisa resultou na realiza��o de trabalhos de grande qualidade, que t�m ampliado bastante nosso conhecimento sobre a cidade e da capitania. [4]   H� que se reconhecer, entretanto, que esse esfor�o intelectual tem privilegiado, sobretudo, o s�culo XVIII.  O s�culo XVII ainda permanece escondido por brumas, que precisam ser urgentemente eliminadas � ou, pelo menos, parcialmente dissipadas � se quisermos obter uma vis�o mais completa do processo de forma��o hist�rica e territorial do Rio de Janeiro.

Fragoso tem sido uma exce��o a essa regra, pois vem contribuindo bastante para o entendimento do processo de constitui��o da sociedade e da economia do Rio de Janeiro seiscentista (cf. Fragoso, 2000, 2001).  Todavia, n�o obstante a riqueza das proposi��es oferecidas por esse autor - e tamb�m por Sampaio, conforme j� assinalado - muitas indaga��es ainda permanecem sem resposta, ou precisam ser melhor esclarecidas, para que compreendamos melhor como se estruturou esse antigo mundo dos engenhos, a saber: � poss�vel ir al�m dos totais relatados por Frei Vicente do Salvador e por Antonil e demonstrar como ocorreu, efetivamente, o crescimento dos engenhos do Rio de Janeiro no s�culo XVII, visualizando ritmos e tend�ncias?  Que tamanho tinham essas moendas?  Quem eram seus propriet�rios e que rela��es sociais exerciam na capitania?  Qual a import�ncia de lavradores e partidistas na produ��o canavieira?  Que for�a de trabalho era utilizada no processo de produ��o?  Quais os quantitativos da produ��o a�ucareira fluminense?  Quem eram seus financiadores?   Ser� verdadeira a afirma��o, lan�ada por alguns autores, de que os engenhos do Rio de Janeiro especializavam-se mais na produ��o de aguardente, utilizada no com�rcio negreiro com Angola, do que na produ��o de a��car?  Houve, realmente, uma grande crise econ�mica na segunda metade do s�culo XVII, como querem alguns autores, ou teria sido essa crise muito menos grave, como querem outros?

Outros obst�culos dizem respeito � dimens�o espacial desses mesmos processos:  Onde estavam localizados os engenhos do Rio de Janeiro?  Formavam eles �reas de produ��o claramente identificadas?  Qual a participa��o dessas �reas produtoras na economia regional?  Como se deu a constru��o da paisagem agr�ria fluminense nos primeiros tempos da coloniza��o?  Que impactos ambientais causaram as moendas e as rela��es sociais que lhes sustentavam?  Como se constituiu e como se materializou, na paisagem, a rela��o campo-cidade?  At� que ponto a materialidade da cidade e seu quotidiano foram influenciados pelas exig�ncias e pelo ritmo da economia canavieira?

As indaga��es de natureza espacial s�o, portanto, in�meras.  Todavia, ao contr�rio daquelas que dizem respeito ao processo social strito sensu, nesse caso trilhamos territ�rio realmente virgem, ainda por desbravar.  Dado que processos sociais e formas espaciais s�o dois lados de uma mesma moeda, pois as sociedades n�o transformam a natureza como se agissem no v�cuo, e ao faz�-lo criam formas, materiais ou n�o, que influenciam o desenvolvimento desses mesmos processos, o descaso para com a dimens�o espacial s� dificulta a obten��o de um conhecimento mais completo das realidades que pretendemos estudar.

Devido � car�ncia das fontes documentais, muitas das quest�es levantadas acima jamais ser�o respondidas a contento.  Mesmo assim, � imperioso que se desvende um pouco mais o que foi esse Rio de Janeiro a�ucareiro dos primeiros dois s�culos da coloniza��o, muito esquecido e pouqu�ssimo estudado, pois s� assim ser� poss�vel avaliar o que representou a cultura canavieira fluminense no contexto da col�nia como um todo e qual o papel que ela exerceu na estrutura��o da economia da capitania e na vida quotidiana de seus habitantes.  � preciso, em suma, imergir mais a fundo nesse passado long�nquo, para extrair dele informa��es preciosas para a hist�ria e para a geografia da cidade.

Para dar conta dessa tarefa, verdadeiramente dif�cil, contamos n�o apenas com as fontes documentais j� trabalhadas por outros autores - que precisam, entretanto, ser confrontadas com outras para que produzam efeitos multiplicadores -, mas tamb�m com a imensa base de dados que fomos capazes de construir sobre o Rio de Janeiro dos s�culos XVI e XVII, fruto de levantamentos exaustivos realizados durante doze anos em arquivos do Brasil, de Portugal e do Vaticano. [5]   Essa pesquisa de fontes prim�rias possibilitou que encontr�ssemos, aqui e ali, pe�as esparsas desse Rio a�ucareiro, fragmentos que, em grande parte, fomos capazes de encaixar uns com os outros, ainda que n�o tenhamos logrado completar o quebra-cabe�a com perfei��o.

Essa base de dados possibilitou que enfrent�ssemos as quest�es enunciadas acima com vari�vel grau de sucesso, dependendo a qualidade da resposta que oferecemos da maior ou menor sorte que tivemos na descoberta das informa��es que procur�vamos e da maior ou menor habilidade que demonstramos em concaten�-las de forma adequada.  Tais quest�es v�m sendo discutidas em trabalho de s�ntese sobre a geografia hist�rica do Rio de Janeiro dos s�culos XVI e XVII, ora em vias de conclus�o.  Dadas as limita��es desta comunica��o, optamos por discutir aqui apenas duas delas, referentes ao n�mero e � localiza��o das moendas, a saber:

(1)   � poss�vel ir al�m dos totais relatados por Frei Vicente do Salvador e por Antonil e demonstrar como ocorreu, efetivamente, o crescimento dos engenhos do Rio de Janeiro no s�culo XVII, visualizando ritmos e tend�ncias?

(2)   Onde estavam localizadas as moendas fluminenses?

Ser� com o apoio das informa��es contidas na base de dados que constru�mos que enfrentaremos essas indaga��es.  Por essa raz�o, � importante que esclare�amos agora os passos metodol�gicos que foram seguidos na sua elabora��o.

A constru��o da base de dados dos engenhos fluminensesA base de dados dos engenhos fluminenses � constitu�da de in�meros quadros agregadores de informa��o.  Cada um desse quadros, em sua forma final, corresponde a um engenho que logramos identificar e resultou de um longo e penoso processo de agrupamento de dados dispersos no tempo e nas pr�prias fontes documentais.

O trabalho teve in�cio com a decis�o de que cada informa��o encontrada sobre engenhos deveria constituir o embri�o de um quadro.  Assim, por exemplo, uma informa��o sobre a venda, em 1664, de um partido de canas situado nas terras de um engenho n�o identificado, mas que estava localizado em Iraj�, foi inicialmente considerada como um dado independente e deu origem a um quadro que intitulamos, provisoriamente, de �Engenho em Iraj�, 1664�.  Da mesma forma, a arremata��o em pra�a p�blica, em 1683, de um engenho sem localiza��o declarada, mas que soubemos ser �de invoca��o Nossa Senhora do Ros�rio�, constituiu nova informa��o isolada e deu origem a outro quadro intitulado �Engenho Nossa Senhora do Ros�rio, 1683�.  Aos poucos, entretanto, foi sendo poss�vel detectar, por ind�cios os mais diversos, que muitas dessas informa��es �independentes� referiam-se, na realidade, � mesma moenda, o que possibilitou que todas as informa��es referentes a ela fossem reagrupadas num quadro �nico.  Foi o que aconteceu, por exemplo, com o engenho citado acima.  O remembramento permitiu que descobr�ssemos que o engenho de Nossa Senhora do Ros�rio, localizado em Iraj�, j� estava erguido em 1664, quando pertencia a fulano de tal, e continuava a existir em 1683, ano em que foi arrematado em pra�a p�blica por beltrano de tal.  Esse agrupamento de informa��es num quadro �nico possibilitou, por outro lado, que introduz�ssemos a diacronia na an�lise e resgat�ssemos a trajet�ria da moenda no tempo.

As informa��es que fazem parte dos quadros foram extra�das, em sua maioria, de escrituras lavradas nos cart�rios da cidade, sobretudo de venda, doa��o e hipoteca de engenhos e de partidos de canas.  Esses documentos fazem parte do universo de 45 livros de notas que ainda restam do s�culo XVII, quase todos guardados no Arquivo Nacional e interditados ao p�blico, cuja consulta s� foi poss�vel mediante autoriza��o especial. [6]   � importante observar que muitos dos livros ainda existentes apresentam imensas dificuldades de leitura, tamanhos foram os danos ocasionados pelo tempo e pela inc�ria.  Note-se, por outro lado, que o levantamento dos livros cartoriais n�o se limitou ao s�culo XVII, tendo tido prosseguimento, na realidade, at� o fim do per�odo colonial.  Devido a isso, foi poss�vel encaixar, com precis�o, algumas pe�as do quebra-cabe�a seiscentista, pois logramos obter, em documenta��o produzida posteriormente, informa��es preciosas sobre os engenhos do passado.

Aos dados fornecidos pelos livros cartoriais, agregamos, a seguir, informa��es obtidas em invent�rios, verbas testament�rias, livros de tombo das ordens religiosas, autos de medi��o de terras, autos de demandas judiciais, etc., muitas das quais faziam refer�ncia � exist�ncia de moendas ou partidos de canas.  Com cada informa��o preenchendo uma linha de algum quadro, foi poss�vel recuperar, gradativamente, a trajet�ria temporal que cada engenho identificado percorreu.  Para alguns, conseguimos determinar, inclusive, quem os ergueu e quando desapareceram.  Como muitos engenhos passaram de m�o por heran�a, apoiamo-nos tamb�m (e muito!), para o preenchimento dos quadros, nas preciosas genealogias das fam�lias fluminenses dos s�culos XVI e XVII, obra de inestim�vel valor que Carlos G. Rheingantz legou a todos aqueles que se interessam por esse passado distante (cf. Rheingantz, 1965, 1967, 1993-1995).

As seq��ncias de informa��o contidas nos quadros deram origem a tr�s tipos de trajet�ria de engenhos.  O primeiro refere-se �s sucess�es temporais sobre as quais temos certeza absoluta, j� que s�o seguidamente comprovadas por documenta��o (escrituras de venda, por exemplo).  Para nossa satisfa��o, essa trajet�ria foi a mais comum e � ilustrada, por exemplo, pelo Engenho S�o Miguel, localizado em Taitimana, �s margens do rio Meriti (Quadro 1).
 

 

Quadro 1 

Engenho S�o Miguel, localizado em Taitimana

Engenho 80

Nome: S�o Miguel

Localiza��o: Taitimana, Jacutinga

 

ANO

INFORMA��O

FONTE

1652

Informa��o sobre o engenho, que pertence a Francisco de Ara�jo Caldeira

AGCRJ, 42-3-55, p. 57.

1669

Venda de um partido de canas �sito no engenho do Capit�o Jo�o de Ara�jo Caldeira, [filho de Francisco de Ara�jo Caldeira e de Francisca de Ara�jo] na paragem onde chamam Jacutinga, distrito desta cidade�.

AN, 1ON, 48, f. 155v; AGCRJ, 42-3-56, p. 98; Rheingantz, I, 130.

1678

Francisco de Ara�jo Caldeira recebe sesmaria de sobejos junto de seu engenho em Taitimana

Pizarro 

1681

Falecimento de Francisco de Ara�jo Caldeira

Rheingantz, I, 130.

1685

Hipoteca de um partido de canas sito no engenho da vi�va Francisca de Ara�jo [Caldeira]

BN, 4ON, Mss 12,3,14, f. 9v.

1690

Hipoteca de um partido de canas sito no engenho de Francisca de Ara�jo, vi�va de Francisco de Ara�jo Caldeira, em Taitimana 

AN, 1ON, N� 57, f. 215v.

1692

Refer�ncia a esse engenho, que parte pelo sert�o com terras de Jos� de Andrade Souto Maior e fica perto de terras do Sargento-mor Martim Correia Vasques

AN, 1ON, 59, f. 52.

1694

Francisca de Ara�jo, vi�va de Francisco de Ara�jo Caldeira, vende metade do engenho a Jo�o Gon�alves Viana, informando que era �de invoca��o S�o Miguel, sito em Taitimana ... havido por folha de partilha, por falecimento do dito seu marido�

AN, 4ON, 1, f. 6.

1697

Hipoteca de um partido no engenho de Bartolomeu de Ara�jo [Caldeira], sito em Taitimana 

AN, 1ON, 61, f. 82v; AGCRJ, 42-4-90, p. 1130.

1705

Testamento de Bartolomeu de Ara�jo Caldeira, filho de Francisco de Ara�jo Caldeira e casado com Ana Cabral, diz que ele possu�a esse engenho, comprado das leg�timas de sua m�e e irm�os

AMSBRJ, Se��o 13.2, N� 844.

1718

Capit�o Miguel de Ara�jo Caldeira e sua mulher Br�zida da Guarda vendem terras e um engenho velho e desfabricado ao Alcaide-mor Tom� Correia Vasques, informando que se localizavam em Taitimana, comprado em pra�a p�blica por execu��o que fez Jos� de Souza Barros a Ana Cabral de Melo, vi�va de Bartolomeu de Ara�jo Caldeira, seu irm�o

AN, 2ON, 26.

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro

O segundo tipo diz respeito a engenhos cuja trajet�ria incluiu, aqui e ali, algumas aus�ncias de informa��o, que puderam ser preenchidas com grande possibilidade de acerto; � o caso, por exemplo, de um engenho que, num determinado momento, est� associado ao nome de um propriet�rio e, anos depois, ap�s seu falecimento, ao nome de um filho ou genro, indicando sucess�o por heran�a.  Pode tamb�m ser o caso de uma moenda que, num determinado ano est� associada ao nome de um propriet�rio e, anos mais tarde, ao nome de outro, sem la�os familiares com o anterior, mas que p�de ser identificada como sendo o mesmo engenho, tanto por sua localiza��o como pela manuten��o do orago anterior, provavelmente indicando sucess�o por venda.  Em situa��es como as que acabamos de descrever, optamos sempre por incluir, no quadro desse engenho, o s�mbolo ? , que denota que n�o temos certeza absoluta da sucess�o indicada e que estamos fazendo uma conjectura.  Um bom exemplo de quadro dessa natureza � aquele referente ao engenho S�o Bento, localizado em Mutu� (ver Quadro 2).
 

 
 

Quadro 2 

Engenho S�o Bento, localizado em Mutu�

Engenho 125

Nome: S�o Bento

Localiza��o: Mutu�

 

ANO

INFORMA��O

FONTE

1645

Bento Pinheiro de Lemos � citado no rol dos fregueses de S�o Gon�alo de Amarante

AN, C�dice 61, Livro 1, f. 219v.

1645-1653

Capit�o Bento Pinheiro de Lemos possui o engenho

AGCRJ, 42-3-57, p. 309; AN, 1ON, 39, f. 14; AN, 1ON, 41, f. 8; AGCRJ, 42-3-57, p. 8.

1662

Dona Catarina Antunes, vi�va de Bartolomeu Ferreira de Morais, vende a Claude Antoine Besan�on uns sobejos de terras em Mutu�, partindo de uma banda com terras do engenho do Capit�o Bento Pinheiro de Lemos e da outra com terras do comprador, e nos fundos com a estrada que vai de S�o Gon�alo para Guaxindiba, fazendo a testada pelo rio de Marago� 

AN, 1ON, 44, f. 208v.

1666

Capit�o Bento Pinheiro de Lemos vende o engenho ao Capit�o Francisco de Moura Foga�a, indicando que tinha invoca��o de S�o Bento, mas escritura n�o teve efeito

AN, 1ON, 47, f. 105.

1668

Bento Pinheiro de Lemos vende metade do engenho a seu genro Francisco Homem Del Rei

AN, 1ON, 54, f. 246.

1680

Bento Pinheiro de Lemos d� quita��o a seu genro Francisco Homem Del Rei da quantia de 5.000 cruzados, pagos em a��car branco, fazendas e d�vidas, que por ele pagou a v�rios credores, a qual quantia lhe devia do pre�o da metade da compra que lhe fez da metade do seu engenho, sito no distrito de S�o Gon�alo

AN, 1ON, 54, f. 246.

1684

Francisco Homem Del Rei falece em 4/11/1684.  Em sua verba testament�ria diz �que vendeu a metade do engenho que possu�a, de meias com Pedro da Bessa(?), ao Capit�o Baltazar de Abreu Cardoso, entrando tudo o que possu�a, por pre�o e quantia de 9.000 cruzados, boa parte dos quais ser�o pagos nas pr�ximas safras

1� Livro de �bitos da Freguesia de S�o Gon�alo

?

   

1686

Venda de um partido de canas �sito em Mutu�, no engenho de Pedro da Costa Ramiro�; Pedro hipoteca seu engenho

BN, 4ON, Mss 12,3,14, ff. 200, 218.

1687

Pedro da Costa Ramiro hipoteca �o engenho que possui na banda d�al�m, em S�o Gon�alo, de invoca��o S�o Bento, com toda a sua f�brica� 

BN, 4ON, Mss 12,3,14, f. 358.

1689

Pedro da Costa Ramiro hipoteca o engenho que possui, de invoca��o S�o Bento, sito em S�o Gon�alo, com todas as suas perten�as, o qual j� foi hipotecado em outras escrituras 

AN, 1ON, 57, f. 35.

1702

Dona P�scoa Barbalho, vi�va de Pedro da Costa Ramiro, em dote de casamento a Jos� Vieira da Costa, para casar com sua neta Dona P�scoa, doa �tr�s safras livres do partido que tem em seu engenho� 

AN, 1ON, 67, f. 130.

1705

Jos� Vieira Veiga, arrematante, e seu fiador Jos� Antunes de Matos fazem fian�a relativa aos pagamentos do engenho que foi de Pedro da Costa Ramiro, sito onde chamam Mutu�, que o primeiro arrematou no Ju�zo dos �rf�os por 14.000 cruzados

AN, 1ON, 71, f. 224.

1706

Hipoteca de terras em Mutu�, �que partem de uma banda com terras do engenho do Licenciado Jos� [Antunes] de Matos e da outra com terras de Amaro dos Reis Tibau 

AN, 1ON, 73, f. 131.

1709

Venda de parte de uma ilha em Mutu�, em S�o Gon�alo, �junto � testada das terras do engenho do Licenciado Jos� Antunes de Matos� 

AN, 1ON, 77, f. 89v.

1709

Jos� Antunes de Matos, fiador, hipoteca o engenho que possui, �sito na outra banda, com toda a sua f�brica de terras, bois, cobres e escravos� 

AN, 1ON, 77, f. 166v.

1715

Licenciado Jos� Antunes de Matos, fiador, hipoteca �um engenho que possui, sito em S�o Gon�alo, com todas as suas benfeitorias de terras, cobres, pe�as e bois� 

AN, 1ON, 83, f. 45v.

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro

Finalmente, houve situa��es em que conseguimos recuperar a trajet�ria de um engenho apenas para determinado per�odo, n�o tendo sido poss�vel estend�-la mais no tempo, seja para adiante ou para tr�s.  Nestes casos, foi necess�rio tomar uma decis�o, que acabou seguindo duas dire��es distintas.  A primeira foi a de considerar aquela seq��ncia �solta� de informa��es como a trajet�ria particular de um engenho, que teria surgido em algum ano anterior � primeira informa��o obtida sobre ele e desaparecido a partir de um determinado momento, conclus�o a que chegamos, na maioria das vezes, por l�gica de exclus�o, isto �, pela impossibilidade de ela vir a estar relacionada com os demais engenhos identificados naquele per�odo para aquela �rea; esta decis�o levou � inclus�o de mais um quadro no universo de moendas identificadas para aquela �rea e � bem exemplificada por um engenho sito em Sarapu�, cujo orago n�o conseguimos descobrir, sobre o qual s� obtivemos informa��es para a d�cada de 1670 (Ver Quadro 3).  A segunda op��o foi a de considerar que aquela seq��ncia �solta� preenchia, na realidade, um hiato da trajet�ria de um dos engenhos j� identificados de uma determinada �rea; neste caso, aquele vazio foi preenchido pela dita seq��ncia de informa��es, mas tivemos novamente o cuidado de indicar claramente esse artif�cio metodol�gico nos quadros, pela utiliza��o do s�mbolo ? , que indica conjectura.  Isto pode ser verificado, por exemplo, no quadro do engenho S�o Jos�, sito em Maru� (Ver Quadro 4). [7]
 

 
 

Quadro 3 

Engenho sem identifica��o, localizado em Sarapu�

Engenho 59

Nome: Sem identifica��o

Localiza��o: Sarapu�

 

ANO

INFORMA��O

FONTE

1670

Francisco de Ara�jo Caldeira vende um partido de canas a Francisco Dias Medonho, sito em Sarapu�, no engenho de Jer�nimo de Azevedo

AN, 1ON, 50, f. 55v; AGCRJ, 42-3-56, p. 133.

1673

Capit�o Domingos Pereira, senhor de engenho, e sua mulher Paula Gon�alves, vendem ao Capit�o Jos� de Barcelos Machado umas terras sitas no distrito de Sarapu�, que partem ... por travess�o(?) com as terras do engenho que hoje � de Jer�nimo de Azevedo ... e pelas mais partes com terras do Capit�o Jos� de Barcelos (Engenho do Carrapato)

AN, 1ON, N� 53, f. 162.

Ca. 1676

Por ordem do Provedor Pedro de Souza Pereira, o engenho � arrematado por Mateus de Moura [Foga�a?], com toda a sua f�brica, por 12.000 cruzados, embora valesse, segundo den�ncia feita por Ant�nio Mendes de Almeida, mais de 20.000

AHU, RJ-Avulsos, Caixa 5, N� 74.

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro
 

Quadro 4 

Engenho S�o Jos�, localizado em Maru�

Engenho 104

Nome: S�o Jos�

Localiza��o: Maru�, Barreto

 

ANO

INFORMA��O

FONTE

1645

Sebasti�o Pinto � citado no rol dos fregueses de S�o Gon�alo de Amarante

AN, C�dice 61, Livro 1, f. 219v.

1652

Felipa Delgada, filha de Sebasti�o Pinto e vi�va de Francisco Gon�alves, d� em pagamento de heran�a � sua filha Domingas Dias, que de presente � casada com Nicolau ..., �a casa do engenho, a casa de caldeiras e a casa de purgar com suas perten�as e outros bens�  A localiza��o do engenho n�o � indicada, mas sabe-se que � por Maru�, pois a �defunta Felipa Delgada� � citada na medi��o das terras dos �ndios de S�o Louren�o, realizada em 1659

AN, 1ON, 40, f. 113; Cadernos do Instituto Hist�rico de Niter�i, 3, p. 26.

?

   

1673

Dona Isabel de Mariz, vi�va do Almirante Rodrigo Muniz da Silva, pede autoriza��o para a venda de um engenho que seu marido deixou na Capitania do Rio de Janeiro

AHU, RJ-CA, N� 1184.

1681

Dona Isabel de Mariz informa que havia vendido o engenho a seu pai Francisco Barreto, por 9.000 cruzados, mas que ele n�o lhe enviara o dinheiro por ser a viagem perigosa.  Pede que seja dada autoriza��o para que ele possa fazer isso por meio de letras

AHU, RJ-CA, N� 1412.

?

   

1692

Engenho pertence ao Capit�o Jos� Barreto de Faria, outro filho de Francisco Barreto de Faria

AN, 1ON, 58, f. 145v; AGCRJ, 42-4-89, p. 898.

1701

Capit�o Jos� Barreto de Faria e sua mulher Dona Paula Rangel doam terras �junto �s terras de seu engenho� a Jorge Pinto de Barredo, que as institui como patrim�nio de seu filho Jorge Pinto de Barredo

AN, 1ON, 65, f. 18v.

1710 

Capit�o Jos� Barreto de Faria, fiador, hipoteca �um engenho de a��car, de invoca��o S�o Jos�, sito na freguesia de S�o Gon�alo�

AN, 2ON, 12, f. 112v..

1713

Engenho ainda pertence ao Capit�o Jos� Barreto de Faria, que ali tem capela de Nossa Senhora das Neves.  A mesma santa � reverenciada em outro engenho cont�nuo, de propriedade de seu irm�o Capit�o Diogo Rodrigues de Faria

Santu�rio Mariano, p. 38.

1715

Uma escritura � lavrada �no engenho velho do Capit�o Jos� Barreto de Faria, na freguesia de S�o Gon�alo� 

AN, 1ON, 82, f. 278.

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro


Dos quadros de moendas � base de dados espa�o-temporal de engenhos

Elaborados os quadros individuais das moendas, passamos � etapa da interpreta��o das informa��es agregadas em cada um deles.  Na falta de dados de produ��o, e com o intuito de melhor dar conta da inser��o da capitania do Rio de Janeiro no sistema da grande lavoura canavieira atrav�s do tempo, optamos por adotar metodologias que pudessem dar conta, de alguma forma, dessa importante quest�o.  Decidimos ent�o estruturar a an�lise do longo per�odo que se estende do aparecimento do primeiro engenho, na d�cada de 1570, at� ao final do s�culo XVII, segundo uma l�gica bin�ria.  Assim, a exist�ncia de informa��o sobre um engenho numa determinada d�cada, n�o raro adjetivada pela explica��o de que a moenda era �moente e corrente�, foi considerada indicadora de sua presen�a como unidade produtora naquela d�cada.  Se n�o consegu�amos saber quanto produzia, pelo menos poder�amos indicar que o engenho estava em produ��o.  Em tabela especialmente elaborada para esse fim, foi ent�o assinalada a presen�a ativa daquela moenda naquela d�cada.  Seq��ncias de informa��es sobre esse mesmo engenho em d�cadas sucessivas foram consideradas como reveladoras da perman�ncia em produ��o da moenda, conclus�o que foi tamb�m assinalada, atrav�s da l�gica bin�ria, nas c�lulas correspondentes da mesma tabela.  A inexist�ncia de informa��o sobre um dado engenho numa determinada d�cada indicou, por sua vez, que ele ainda n�o havia sido erguido ou que j� havia desaparecido.  Todavia, quando a aus�ncia de informa��o sobre um engenho, numa determinada d�cada, era antecedida e/ou seguida de informa��es sobre essa mesma moenda em d�cada imediatamente anterior ou posterior �quela da aus�ncia de dados, optou-se por considerar que a moenda permanecera em produ��o por todo esse tempo.

Raramente foi poss�vel identificar o momento exato em que uma moenda foi erguida ou �desfabricada�, isto �, quando deixou de existir.  Por isso, adotamos o artif�cio de considerar como tendo surgido (ou desaparecido) na d�cada anterior (ou posterior) todo engenho para o qual a primeira (ou �ltima) informa��o obtida fosse referente a at� tr�s anos do in�cio (ou fim) de uma determinada d�cada.  Assim, um engenho cuja primeira informa��o obtida dissesse respeito, por exemplo, � sua venda em 1653, foi considerado como tendo surgido durante a d�cada de 1641-1650; da mesma forma, um engenho que tivesse sido vendido em 1668, e sobre o qual nunca mais tivemos not�cia, foi considerado como tendo permanecido como unidade produtiva, pelo menos, at� a d�cada de 1671-1680.  � bem poss�vel que, com essa decis�o, tenhamos encurtado a �vida �til� de alguns engenhos, que podem ter surgido (desaparecido) muito antes (depois) do que a primeira (�ltima) informa��o sobre eles nos indicam.  Todavia, dadas as car�ncias de dados, n�o foi poss�vel agir de outra forma.  � tamb�m prov�vel que haja alguma tendenciosidade na an�lise das �pocas mais remotas, que teriam tido mais engenhos do que os resultados ir�o demonstrar.  Como os documentos referentes � primeira metade do s�culo XVII s�o pouco numerosos, as refer�ncias que fazem a engenhos s�o, da mesma forma, mais escassas.  Por essa raz�o, � bem poss�vel que os numerosos engenhos que tiveram sua primeira data��o atribu�da � d�cada de 1641-1650, como veremos mais adiante, tenham sido erguidos, na realidade, antes disso.  Para exemplificar melhor a utiliza��o da l�gica bin�ria e do artif�cio metodol�gico que acabamos de explicar, apresentamos abaixo (ver Quadro 5) a trajet�ria recuperada do j� citado Engenho S�o Miguel, para o qual temos informa��es a partir de 1652, conforme indicou o Quadro 1:
 

 
 

Quadro 5

Trajet�ria temporal do Engenho S�o Miguel

 

1571-1580

1581-1590

1591-1600

1601-1610

1611-1620

1621-1630

1631-1640

1641-1650

1651-1660

1661-1670

1671-1680

1681-1690

1691-1700

Engenho 80 S�o Miguel

 0

0

0

0

0

0

0

1

1

1

1

1

1

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro

O processo de agrupamento de informa��es em quadros individualizados para cada moenda possibilitou, igualmente, que localiz�ssemos cada engenho com relativa precis�o, seja porque a localiza��o foi citada em escritura incorporada ao quadro, seja porque os propriet�rios confrontantes puderam ser identificados, seja tamb�m porque encontramos, em algum documento, alus�es feitas a capelas, caminhos reais e/ou acidentes geogr�ficos ainda hoje reconhec�veis ou poss�veis de recupera��o.  Tivemos, outrossim, grande preocupa��o em n�o confundir top�nimos atuais com seus antigos significados, como � o caso, por exemplo, de Inha�ma ou Iraj�, que denotavam, no s�culo XVII, �reas muito mais extensas do que aquelas que hoje constituem esses bairros.  Da mesma forma, utilizamos com cuidado os trabalhos de cronistas do passado e/ou de memorialistas de tempos mais recentes, pois essas fontes s�o, muitas vezes, ricas no fornecimento de detalhes sobre um dado munic�pio ou regi�o, mas nem sempre cuidadosas na recupera��o das trajet�rias hist�ricas, n�o sendo raro que simplifiquem demasiadamente os processos sociais, que d�em grandes pulos no tempo, concatenando fatos que n�o necessariamente est�o relacionados, ou que discutam as eras mais remotas das �reas que descrevem a partir de trabalhos de �autores consagrados�, que nem sempre nos oferecem a precis�o metodol�gica que lhes � atribu�da.

Finalmente, para melhor dar conta da dimens�o espacial da an�lise, segmentamos o territ�rio da capitania do Rio de Janeiro em oito �reas produtoras, [8] que foram individualizadas a partir de crit�rios de configura��o geomorfol�gica e, principalmente, da const�ncia de sua designa��o topon�mica nos documentos consultados.  Alocamos a seguir, a cada uma dessas oito �reas, os engenhos que dela faziam parte.  A soma dos resultados bin�rios fornecidos pelos quadros das moendas de cada �rea produtora forneceu, a seguir, o total de engenhos que estavam em funcionamento naquela �rea em cada d�cada; a soma dos totais de cada �rea produtora possibilitou, por sua vez, que cheg�ssemos ao total de moendas em produ��o na capitania em cada d�cada.

As �reas produtoras, aqui apresentadas com a ajuda de top�nimos atuais, foram as seguintes:

(1)   Os �arredores da cidade�, que compreendem toda a �rea imediatamente adjacente ao n�cleo urbano, isto �, a estreita faixa de terra situada entre o maci�o da Tijuca e a ba�a ou o oceano, estendendo-se do vale do Maracan�, incrustado em plena sesmaria jesu�tica �de Igua�u�, at� a lagoa Rodrigo de Freitas, em terras foreiras � municipalidade;

(2)   A Baixada de Jacarepagu�, ou seja, toda a �rea compreendida entre os maci�os da Tijuca e da Pedra Branca e o oceano Atl�ntico;

(3)   Inha�ma/Ilha do Governador, �rea que compreende todas as terras que se estendem do litoral da ba�a ao divisor de �guas do maci�o da Tijuca, estendendo-se, grosso modo, desde o rio Faria, limite aproximado das antigas terras jesu�ticas �de Igua�u�, aos atuais bairros da Penha, Vila da Penha e Cascadura, assim como a fronteira ilha do Governador;

(4)   Iraj�/Meriti, �rea que compreende os terrenos banhados pelos rios Pavuna, Meriti e Sarapu� e que se estende, pelo litoral da ba�a, desde o atual bairro de Br�s de Pina at� o distrito sede do munic�pio de Duque de Caxias, prolongando-se pelo interior at� a antiga Piraquara (Realengo), no munic�pio do Rio de Janeiro, e at� o distrito sede de Nova Igua�u; engloba terras que hoje pertencem aos munic�pios do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Belford Roxo, S�o Jo�o de Meriti, Nil�polis, Nova Igua�u e Mesquita;

(5)   Campo Grande/Guaratiba, �rea situada al�m de Piraquara e entre os maci�os hoje conhecidos como da Pedra Branca e do Gericin�/Mendanha, um dos confins do termo da cidade �quela �poca, lim�trofe ao territ�rio vicentino;

(6)   A �banda d�al�m�, top�nimo que se referia, nos s�culos XVI e XVII, a todas as terras localizadas � frente da cidade, do outro lado da ba�a, desde a foz do rio Guaxindiba, no atual munic�pio de S�o Gon�alo, at� a oce�nica Ponta Negra, em Maric�, limite do termo do Rio de Janeiro na dire��o da capitania de Cabo Frio, penetrando pelo interior, pelo vale do Guaxindiba, at� o lugar conhecido como Ipi�ba;

(7)   Tapacur�/Cacerebu, �rea que compreende, grosso modo, as terras servidas pelos tribut�rios da margem esquerda do baixo Macacu, exclu�do o vale do Guaxindiba, estendendo-se por grande dos atuais munic�pios de Itabora� e Tangu�;

(8)   A �rea que denominamos de Guagua�u/Guapimirim, situada ao fundo da ba�a de Guanabara, que compreende, integral ou parcialmente, as bacias dos atuais rios Igua�u (antigo Guagua�u), Inhomirim, Suru�, Guapimirim e Guapia�u, estendendo-se do litoral da ba�a at� o divisor de �guas da Serra do Mar.

Os engenhos do Rio de Janeiro dos s�culos XVI e XVII

O Quadro 6 mostra o resultado final de todo o esfor�o empreendido.  Nela est�o apresentados, de forma agregada, os somat�rios das informa��es que obtivemos sobre um total de 156 engenhos cuja exist�ncia conseguimos identificar.  A tabela indica os totais de moendas que estavam em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro e em cada �rea produtora pelas treze d�cadas estudadas.


   
 

Quadro 6 

Engenhos em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro nos s�culos XVI e XVII, por d�cada, segundo as �reas produtoras 

�reas Produtoras 1571- 1580 1581-1590 1591- 1600 1601- 1610 1611- 1620 1621- 1630 1631- 1640 1641-1650 1651-1660 1661-1670 1671-1680 1681-1690 1691 - 1700
Arredores da Cidade 1 1 1 4 7 8 7 7 6 6 4 4 5
Baixada de Jacarepagu�     1 1 1 2 4 8 10 10 10 11 11
Inha�ma  1 1 1 1 4 4 6 9 12 12 16 17 16
Ilha do Governador
Iraj�       2 2 5 11 28 29 32 35 37 38
Meriti 
Campo Grande      1 1 3 4 3 6 7 9 10 8 10
Guaratiba
Banda d' al�m       3 4 9 12 22 22 22 26 29 30
Tapacur�               4 4 8 9 11 10
Cacerebu
Guagua�u 1 1 1 1 2 3 6 14 16 15 11 12 11
Guapimirim 
Total 3 3 5 13 23 35 49 98 106 114 121 129 131
Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro


Ao analisar esses dados, enfim exumados do esquecimento em que permaneceram por tanto tempo, a primeira conclus�o a que chegamos � que houve um crescimento cont�nuo do n�mero de engenhos por todo o per�odo estudado, conforme indica a Figura 1.  Esse incremento foi not�vel na d�cada de 1640, e pode, inclusive, ter tido in�cio no dec�nio anterior, pois, como j� explicado, � a partir dos anos quarenta que contamos com maior disponibilidade de informa��es.  Note-se, por outro lado, que o crescimento das moendas tamb�m ocorreu nas d�cadas que a historiografia considera como �de baixa do a��car� (p�s-1640) ou �de crise aguda� (1660 e 1670), o que nos leva a concluir, refor�ando o que j� disseram outros autores, que as teses que atrelam o desempenho das economias coloniais exclusivamente aos pre�os externos do a��car e que apregoam uma decad�ncia generalizada da agricultura canavieira na segunda metade do s�culo XVII precisam, efetivamente, ser melhor discutidas.
Figura 1
Engenhos de a��car em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro, por d�cadas - S�culos XVI e XVII


Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro

Se analisarmos o n�mero de moendas em funcionamento em cada d�cada, vemos tamb�m que os totais a que chegamos s�o bastante pr�ximos daqueles relatados por autores coevos.  Assim, as 35 moendas identificadas como unidades produtivas, ao final da terceira d�cada do s�culo XVII, se aproximam bastante dos 40 engenhos que Frei Vicente do Salvador afirmou estarem em funcionamento em 1627. [9]   A sintonia � ainda maior em rela��o aos totais apresentados por Antonil: apesar de n�o termos estendido a an�lise at� o s�culo XVIII, � muito prov�vel que os 131 engenhos que identificamos para a �ltima d�cada do s�culo XVII estejam inclu�dos nos 136 relatados pelo jesu�ta para 1711. [10]

Se desagregarmos os dados pelas oito �reas produtoras, constatamos, por outro lado, que sua participa��o no conjunto da capitania fluminense foi diferenciada n�o apenas em termos espaciais como temporais.  Para tanto, contamos com o aux�lio da Figura 2, que indica o comportamento de cada regi�o produtora em rela��o � tend�ncia geral da capitania, e da Figura 3, que mostra, de forma mais detalhada, o comportamento de cada regi�o produtora em rela��o �s demais.  Ao observarmos com aten��o esses gr�ficos, chegamos a duas conclus�es.  Em primeiro lugar, vemos que o crescimento ininterrupto do n�mero de engenhos da capitania n�o foi acompanhado por todas as regi�es produtoras, que tiveram seus pr�prios comportamentos atrav�s do tempo; todavia, como o crescimento de algumas �reas produtoras sempre superou o decr�scimo de participa��o de outras, o resultado final foi sempre positivo.

Figura 2
Engenhos de a��car em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro nos s�culos XVI e XVII, por d�cadas, segundo as �reas produtoras

Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro

Em segundo � e como era de se esperar - verifica-se uma rela��o direta entre a marcha do povoamento e o aparecimento de moendas.  Assim, at� a segunda d�cada do s�culo XVII, os engenhos se concentram nos arredores da cidade (lagoa Rodrigo de Freitas, Catumbi) ou em �reas produtoras bastante acess�veis a ela pela ba�a de Guanabara (Inha�ma/Ilha do Governador e Banda d�al�m).  Todavia, com a progress�o do povoamento e a melhoria das comunica��es por terra, as moendas n�o apenas crescem em n�mero como se interiorizam cada vez mais; s� ir�o surgir na �rea de Tapacur�/Cacerebu, a mais distante da cidade, a partir da d�cada de 1640.

Figura 3
Engenhos de a��car em funcionamento na Capitania do Rio de Janeiro nos s�culos XVI e XVII, por d�cadas, segundo as �reas produtora


Fonte: Base de dados da Linha de Pesquisa de Geografia Hist�rica do Rio de Janeiro

Entre as �reas produtoras, Iraj�/Meriti constituiu, sem d�vida alguma, a maior zona a�ucareira da capitania no s�culo XVII, seguida de perto pela Banda d�Al�m.  Com efeito, a concentra��o de engenhos nessas duas �reas produtoras se afirma desde a d�cada de 1630.  Observe-se, por outro lado, que o crescimento de moendas ocorreu a� de forma constante.  Ao final do s�culo XVII, localizavam-se em Iraj�/Meriti e na Banda d�Al�m mais da metade dos engenhos fluminenses, a primeira concentrando 38 dos 131 engenhos em funcionamento (29% do total) enquanto que a Banda d�Al�m congregava outras 30 moendas (22,9%).  Note-se, por outro lado, que duas �reas produtoras perderam import�ncia durante o per�odo estudado.  A primeira foram os arredores da cidade, que concentravam boa parte das moendas nos primeiros tempos da capitania, mas que viram essa participa��o declinar sistematicamente a partir da terceira d�cada do s�culo XVII.  A outra foi a �rea produtora de Guagua�u/Guapimirim, que apresentou movimento ascendente at� a d�cada de 1660, declinando a partir da�, tudo indicando que, se alguma �rea foi seriamente afetada pelas turbul�ncias econ�micas da segunda metade do s�culo XVII, certamente foi esta.


Considera��es finais

� imprescind�vel que sejam realizados maiores esfor�os de pesquisa sobre o Rio de Janeiro do s�culo XVII.  Embora a documenta��o ainda existente seja reduzida, em compara��o �quela do s�culo XVIII, � certo que ela n�o foi explorada o suficiente e que ainda pode revelar muitos segredos sobre o processo hist�rico de forma��o da sociedade e do territ�rio fluminense.  Isso exige, entretanto, que o investimento em pesquisa de base, isto �, em pesquisa que vai direto �s fontes prim�rias, seja intensificado.  Trata-se de esfor�o consider�vel, n�o apenas pelo que significa em tempo alocado � coleta de dados, mas tamb�m no que concerne � reuni�o ordenada dessas informa��es, que est�o hoje dispersas por diversas fontes documentais e precisam ser relacionadas umas com as outras para que possam fornecer as respostas que buscamos.

Com este trabalho, esperamos ter contribu�do para preencher algumas das lacunas que ainda existem sobre o Rio de Janeiro seiscentista.  Sustentados por uma rica base de dados, que demandou mais de uma d�cada para ser conclu�da, logramos ir al�m da mera cita��o dos quantitativos de moendas, fornecidos por Frei Vicente do Salvador e por Antonil, e conseguimos reconstituir o not�vel processo de crescimento de engenhos que teve lugar na capitania durante o s�culo XVII.  Fomos capazes tamb�m de identificar onde e quando esse processo se materializou no espa�o.  Todavia, muitas outras quest�es desse antigo mundo dos engenhos ainda restam para ser discutidas e exigem esfor�os adicionais de investiga��o.

Ao apresentar detalhadamente a metodologia utilizada para a constru��o da base de dados que logramos produzir, que ser� publicada em breve sob a forma de instrumento de pesquisa, acreditamos ter tamb�m oferecido os elementos que venham a permitir o seu futuro aprimoramento, que depender�, entretanto, da continuidade do esfor�o de levantamento de fontes prim�rias e de sua correta interpreta��o.


Notas

[1] Trabalho realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient�fico e Tecnol�gico (CNPq) e da Funda��o Carlos Chagas Filho do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

[2] Sabe-se que, at� 1644, n�o havia obrigatoriedade de escrita cont�bil, pois data daquele ano a carta em que o provedor da fazenda do Rio de Janeiro, Francisco da Costa Barros, sugeriu � Coroa que obrigasse os senhores de engenho a �ter livro de assentamento da produ��o, com folhas numeradas e assinadas, para maior controle da arrecada��o dos d�zimos�.  N�o sabemos, entretanto, quando essa pr�tica efetivamente se iniciou. Cf. AHU-RJ, Caixa 2, N� 42.

[3] A tese de que as realidades econ�micas da col�nia n�o devem ser explicadas exclusivamente pelas conjunturas externas vem sendo defendida j� h� algum tempo por Fragoso e por Florentino.  Ver Fragoso, 1992; Fragoso e Florentino, 1993; Florentino, 1991.

[4] Ver, entre outras contribui��es: Bicalho, 1997; Soares, 1997; Cavalcanti, 1997; Almeida, 2000.

[5] No Brasil, o levantamento foi realizado, sobretudo, no Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Instituto Hist�rico e Geogr�fico Brasileiro, Arquivo da C�ria Metropolitana do Rio de Janeiro, Arquivo do Mosteiro de S�o Bento do Rio de Janeiro, Arquivo da Santa Casa da Miseric�rdia do Rio de Janeiro, Arquivo P�blico do Estado do Rio de Janeiro e Arquivo P�blico do Estado de S�o Paulo.  Em Portugal, o levantamento foi realizado no Arquivo Hist�rico Ultramarino e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.  A consulta no Vaticano limitou-se ao Archivum Romanum Societatis Iesu (Companhia de Jesus).

[6] Ao final do s�culo XVII, o Rio de Janeiro possu�a quatro of�cios de notas.  Dos livros cartoriais que ainda existem, 39 pertenceram ao 1� Of�cio (mas tr�s deles est�o hoje completamente destru�dos), um livro pertenceu ao 3� Of�cio e os cinco restantes foram originalmente produzidos pelo 4� Of�cio.  Nenhum livro do 2� Of�cio, anterior ao s�culo XVIII, logrou chegar aos nossos dias.  Alguns dos livros do 1� Of�cio foram transcritos, no in�cio do s�culo XX, por pale�grafos do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, que fizeram extratos sum�rios das escrituras neles contidas.

[8] Utilizamos como base cartogr�fica de an�lise o territ�rio da capitania que efetivamente existiu no s�culo XVII, isto �, exclu�das as �reas que foram incorporadas � capitania de Cabo Frio depois da cria��o dessa �ltima.

[9] Identificamos, na realidade, 36 engenhos em funcionamento na d�cada de 1620-1630.  Todavia, exclu�mos desse total o engenho erguido nessa d�cada por Martim de S� em Mangaratiba, que sabemos ter estado em produ��o, pelo menos, at� 1645, por estar ele claramente inserido na capitania vicentina, e n�o na do Rio de Janeiro.  Cf. AHU-RJ, Caixa 2, N� 57.  Note-se, por outro lado, que os totais identificados para a d�cada de 1650 indicam a exist�ncia de um n�mero de engenhos bem maior do que as moendas relatadas por Joost Vrisbeger von Cassel, soldado holand�s que fora enviado ao Rio de Janeiro depois da conven��o celebrada em 26/1/1654, que p�s fim ao dom�nio holand�s.  Ao voltar � Holanda, prestou um depoimento em 10/5/1655, ocasi�o em que afirmou ter residido  �no engenho de Antonio Verbados (sic), coronel das ordenan�as�, que n�o conseguimos identificar, e que havia nas redondezas do Rio �67 f�bricas de a��car�.  Cf. Fazenda, 1924, p. 379.

Fontes Prim�rias

AHU-RJ � Arquivo Hist�rico Ultramarino de Lisboa.  Avulsos do Rio de Janeiro.  Caixa 2, N� 42; N� 57.

AN, 1ON � Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.  Cart�rio do 1� Of�cio de Notas do Rio de Janeiro, Livros N� 62, N� 81.

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� Copyright Mauricio de Almeida Abreu, 2006
� Copyright Scripta Nova, 2006
 

ABREU, M. de A. Mauricio de Almeida Abreu.  Um quebra cabeça (quase) resolvido: os engenhos da capitania do Rio de Janeiro, séculos XVI e XVII. Scripta Nova. Revista electr�nica de geograf�a y ciencias sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, n�m. 218 (32). <//www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-32.htm> [ISSN: 1138-9788]

Quantos engenhos havia na colônia por volta de 1600?

No final do século XVII, já existiam cerca de 500 engenhos no Brasil, sobretudo na região nordeste.

Qual foi o primeiro engenho de açúcar no Brasil?

Em 1516, foi construído no litoral pernambucano o primeiro engenho de açúcar de que se tem notícia no Brasil, mais precisamente na Feitoria de Itamaracá, confiada ao administrador colonial Pero Capico — o primeiro "Governador das Partes do Brasil".

Em qual porção do território o cultivo de cana

No início, as regiões açucareiras mais importantes eram Bahia, Pernambuco, São Paulo e uma parte do Rio de Janeiro, local que tinha produtores secundários da área de Campos, região do baixo vale do Rio Paraíba do Sul.

Quais foram as duas principais regiões produtoras de açúcar no Brasil do século XVI?

O Brasil foi o maior produtor de açúcar do mundo nos séculos XVI e XVII. As principais regiões açucareiras eram, a princípio, Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Posteriormente, a Paraíba também adentrou nesse seleto grupo, e, na altura das Invasões Holandesas, teria quase duas dezenas de engenhos.

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