Como era o conceito de cidadania na Antiguidade e no tempo contemporâneo?

A noção de democracia demonstra a historicidade dos conceitos e das instituições políticas.

A discussão do termo democracia provoca uma interessante discussão entre os alunos em sala de aula. Ao estudar esse tema, os alunos se deparam com a idéia de que os atenienses são considerados os “pais da democracia”. Além disso, são taxados como fundadores de uma instituição política que hoje inspira os regimes políticos instalados na contemporaneidade.

No entanto, há o habitual costume de interpretar-se que Atenas tinha uma “democracia excludente”. Tal argumento se sustenta no fato das mulheres, estrangeiros e menores de 18 anos não terem direito à participação política. Esses grupos sociais, mesmo compondo a grande maioria da população, não votavam ou participavam das instituições representativas.

A questão da democracia excludente, a princípio, não estabelece algum tipo de incoerência histórica. No entanto, seria interessante indagar aos alunos como seria possível os atenienses se considerarem democráticos, sendo que apenas uma minoria poderia participar das decisões políticas. A simplicidade desta pergunta encobre uma dicotomia de idéias onde o aluno instintivamente considera que Atenas teria uma “falsa democracia” ou uma “democracia de mentira”.

Estabelecendo entre os alunos o “impasse” se Atenas era ou não uma democracia, o educador tem a oportunidade de investigar a origem da nossa idéia atual de democracia. Utilizando uma célebre frase do estadista norte-americano Abraham Lincoln, o professor pode oferecer uma visão mais atual de como entendemos o sistema democrático. Segundo essa personagem histórica, a democracia era o governo “do povo, pelo povo, para o povo."

Ao citar essa frase, pode-se questionar os alunos se a frase de Lincoln tem relação direta com a nossa noção de democracia. Perguntado se a afirmação de Lincoln estaria correta e pedindo uma justificativa para a opinião de cada aluno, a turma explicitaria o conceito de povo. Mas o que seria “povo”? Essa pode ser uma outra idéia a ser discutida com a sala.

Feita essa discussão podemos ver que em Atenas a idéia de que o povo e cidadania tinham uma grande diferença para os atenienses. Na Antigüidade, e isso pode ser demonstrado com alguns documentos, o cidadão deveria ter um conjunto de predicados muito mais específicos que os de hoje em dia. Dessa forma, não poderíamos falar que a democracia ateniense era excludente.

Na obra do filósofo ateniense Aristóteles, a democracia é definida como um governo constituído por homens livres. Dessa forma, o povo só era reconhecido em pessoas do sexo masculino que não fossem escravizados ou pertencentes a uma outra cultura. Atualmente, conforme visto na frase de Lincoln, a democracia enxerga que homens e mulheres têm o mesmo direito de participação e que nenhum tipo de diferença cultural ou religiosa impõe limites de participação política.

Para finalizar o conteúdo explanado, o professor pode utilizar alguns trechos da Constituição Brasileira, onde percebemos como a idéia de cidadão visa contemplar a maioria da nossa população. Dessa forma, o aluno terá condições de ver que a democracia ateniense não estava “errada” por utilizar de pressupostos e idéias diferentes da atualidade.

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Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola

Lilén Gomez | Setembro 2022
Professora de Filosofia

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A cidadania é entendida como o vínculo estabelecido entre um indivíduo e uma comunidade política, mediada por direitos e obrigações legais, de tal forma que cada membro pleno dessa comunidade tenha as mesmas oportunidades que os demais de tomar decisões sobre seu destino.

Diferentes correntes teóricas coincidem na caracterização da cidadania a partir de três dimensões: a identidade coletiva, de caráter nacional; a capacidade de participar na tomada de decisões institucionais e políticas; e o estatuto jurídico do vínculo pelo qual o indivíduo está unido ao grupo social. Atualmente, essa definição vem se transformando em decorrência do aumento das correntes teóricas cosmopolitas (associadas a uma concepção universalista de cidadania, que transcende as fronteiras nacionais) e do maior reconhecimento do multiculturalismo e da diversidade das sociedades, entre outros fatores que exaltam esta noção, à luz dos processos históricos mais recentes.

Ao mesmo tempo, ao longo da história, o conceito de cidadania vem se expandindo, partindo de sociedades em que mulheres, estrangeiros e escravos não eram considerados cidadãos, como ocorria na antiguidade.

O conceito de cidadania na antiguidade clássica

A ideia de cidadania remonta à antiguidade clássica: desde as suas origens, era uma noção ligada ao conceito de democracia, no contexto da polis grega. Sob o modelo da democracia ateniense, o povo (demos) intervinha diretamente nos assuntos públicos, por meio da participação dos cidadãos em órgãos públicos, como assembleias e tribunais. Deve-se notar que apenas homens adultos livres, pertencentes às classes altas, eram considerados cidadãos.

Durante vários anos —especialmente no tempo de Péricles—, a democracia em Atenas foi radicalizada, tendendo a uma identificação entre o Estado e os cidadãos, de tal forma que a Assembleia Popular assumiu as funções dos três poderes, o Executivo, Legislativo e Judiciário.

No campo da filosofia, Aristóteles estabeleceu uma ideia fundacional de cidadania, ao definir o ser humano como um animal político, ou seja, cuja vida está entrelaçada com o futuro da comunidade a que pertence. O cidadão, nesse sentido, é definido por sua participação na administração da justiça e no governo de sua comunidade. Ao mesmo tempo, como contrapartida, são reconhecidos os direitos de cidadania (voz e voto nas assembleias, participação em atividades religiosas, proteção da lei, direitos de propriedade, entre outros) e obrigações (defesa da comunidade, pagamento de impostos, etc.).

Em linhas gerais, as características da cidadania grega foram mantidas sob o modelo de Roma. No entanto, esta foi estendida aos estrangeiros de territórios conquistados, embora com certas restrições (por exemplo, eles não podiam participar de decisões públicas).

Cidadania na Idade Média

Após a queda de Roma, na época medieval, a cidadania perdeu sua relevância como elemento estruturante da vida pública da comunidade, paralelamente à queda da democracia como sistema de governo, que foi substituída por sistemas de governo mais de cima para baixo. A ordem hierárquica imposta pela Igreja Católica contrariava a ideia de cidadania, na medida em que o poder eclesiástico se confundia com o poder político.

Cidadania e democracia moderna

Com o renascimento da democracia, por volta do século XVIII, a cidadania torna-se novamente relevante, resultando em um conceito decisivo no surgimento do republicanismo e do liberalismo. Junto com as Revoluções Burguesas, o sistema jurídico das sociedades ocidentais se transforma como consequência do desenvolvimento das forças produtivas que, para aprofundar a acumulação capitalista, requer uma reestruturação do trabalho. Assim, o proletariado surge como uma classe social composta por trabalhadores livres, que se integram à sociedade civil como parte da cidadania. Com a Revolução Francesa, é ditada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), na qual se conformam os direitos civis universais, como os conhecemos hoje.

Ao longo dos séculos XX e XXI, houve uma série de extensões em três áreas do direito: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais e econômicos (por exemplo, o reconhecimento do direito ao sufrágio feminino). As referidas modificações são dinâmicas, o que implica que a noção de cidadania permanece aberta a transformações, conforme as demandas sociais pela ampliação dos direitos, bem como, ao contrário, é suscetível à restrição destes últimos sob governos autoritários.

Artigo de: Lilén Gomez. Professora de Filosofia, com desempenho em ensino e pesquisa em áreas da Filosofia Contemporânea.

Referencia autoral (APA): Gomez, L.. (Setembro 2022). Conceito de Cidadania. Editora Conceitos. Em //conceitos.com/cidadania/. São Paulo, Brasil.

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Qual era o conceito de cidadania na antiguidade?

A origem da palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade. Na Grécia antiga, considerava-se cidadão aquele nascido em terras gregas. Em Roma a palavra cidadania era usada para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer.

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