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Cursar História parece algo bem simples à primeira vista. Você passou seus quatro ou cinco anos curtindo a quadra da faculdade, o bosque, as festas, as amizades e ocasionalmente em um momento de distração até uma aula ou outra. Pegou o canudo, bateu aquela foto com a família orgulhosa e finalmente é um historiador!
Pera… Você é um historiador?
Não…
Mas podem te chamar de professor de História!
Pera…
Podem?
A presença em sala de aula é a única diferença? Os dois fazem a mesma coisa ou não? Os papéis de ambos para a sociedade (ou para a escola) são os mesmos?
Pois é. A primeira vista é fácil definir as diferentes funções do professor de História e do historiador, onde atuam e qual seu papel no mundo, mas quando as questões apertam sempre ficam algumas dúvidas. Vamos falar um pouco sobre as diferenças de ambos e garantir as corretas apresentações de cada um.
Há muito, muito tempo atrás…
(Nem tanto tempo assim). Mas ao menos nos primeiros momentos da faculdade havia quase um consenso (entre os calouros) de que nós seríamos professores de História e não historiadores. A explicação era super lógica e simples: entramos em um curso de licenciatura em História.
Poderia ser assim mesmo: licenciatura = professor. Bacharel = historiador.
Mas não é bem assim que funciona, e aliás, “escrever” História e ensinar História também já não é uma distinção correta entre as funções dos dois. Hoje, um projeto de lei define claramente (nem tanto assim) quem é ou pode ser chamado de historiador, e claro, atribui à função de professor aqueles que de fato ensinam.
Vamos lá:
Projeto de Lei 4699/2012
Fonte: <//somosaredeestamosnarede.blogspot.com.br
Correndo desde 2012, em março de 2015 esse Projeto de Lei foi aprovado. Sem entrar na parte jurídica, que não é minha praia, esse carinha trata da regulamentação da profissão de historiador. Quem é, quem não é e quem pode ser.
Lembra da distinção bacharel/licenciado? Esse PL acabou com isso, segundo ele “Art.3º o exercício da profissão historiador, em todo território nacional, é privativo dos portadores de:
I – diploma de curso superior em História, expedido por instituição regular de ensino;
II – diploma de curso superior em História, expedido por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
III – diploma de mestrado ou doutorado em História, expedido por instituição regular de ensino superior, ou por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação.”
Ele não apenas define legalmente como historiador toda pessoa formada em ensino superior em História como “exclui” da profissão historiador toda pessoa que mesmo com experiência em pesquisa, produção, publicação e tudo o mais que acompanha esse processo não tenha diploma superior na área.
Não vamos entrar em discussão sobre o certo ou errado (já ouvi opiniões bem distintas), mas levando ao pé da letra, o que diriam por exemplo Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior sobre isso? (Artes, Direito, Economia…). Não são historiadores? Polêmico…
E sobre a função? Mesmo sendo só licenciado, basta produzir e não só reproduzir? Segue um trechinho da lei:
Art. 4º São atribuições dos historiadores:
I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos e ensino fundamental, médio e superior;
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História;
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;
IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica;
V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação;
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos, e trabalhos sobre temas históricos.
É isso aí. Praticamente não importa o que você faça, se tiver o canudo (licenciatura ou bacharel, mestrado ou doutorado) você é um historiador. E claro, ensinando, também é um professor de história!
Você está fugindo do tema… –“
Eu sei, prometi uma coisa e vendi outra.
Mas calma! Essa primeira parte é importante para não termos dúvidas sobre o que somos, fomos ou seremos (particularmente eu me considero um professor e não historiador).
Se legalmente está claro quem pode ser o que e as funções que quem deve desempenhar onde, agora vamos falar de verdade sobre os papeis dos historiadores/professores de história para a sociedade/escola.
Quem nunca se animou com aquelas aulas de História engraçadas e cativantes durante o nosso período escolar? Ou pior, teve um professor de História tão legal que se meteu a fazer faculdade de História pensando que ia ser um adulto tão legal quanto ele?
Sim, eu o culpo até hoje e guardarei rancor eternamente!
Mas além de condenar inocentes estudantes a ingressar na aventura do ensino, qual o papel real deles para a formação dos alunos?
Toda a fala aqui acaba soando um pouco política ou papo de PCN. Mas não é fácil fugir disso. A função do professor de História hoje é tanto (ou mais) social quanto didática. O currículo faz com quem sigamos um conteúdo específico. Tudo bem até aí, a gente acrescenta, corta, pula, volta, planta bananeira e quando não somos engessados seguimos com o que importa. É legal que os alunos saibam algumas datas, alguns eventos e alguns nomes importantes. Mas é muito mais legal que eles saibam o porquê dessa importância.
(Ninguém disse que é fácil).
Isso não é feito passando informações para que os jovens acertem questões de múltipla escolha. Isso é feito quando o lado historiador encontra o professor dentro da sala de aula. Quando conseguimos trabalhar os conceitos pedidos no Currículo e que podem ser entendidos pelos alunos. O sujeito histórico, o agente de mudanças, indivíduos, grupos ou classes sociais. O entendimento do cotidiano e aquele link com o passado, a mudança que ocorreu e que ocorre porque alguém, alguns ou muitos assumem esse papel (do sujeito histórico) e iniciam as mudanças.
Aquele velho discurso sobre a educação ser a principal ferramenta de mudança está batidíssimo, e também está corretíssimo também. Nunca foi tão necessário. A nossa sociedade não anda nos seus melhores dias. Aquele exemplo que devia vir de cima, só vem como mau exemplo. Que aulas melhores que a de História para que os alunos se localizem? Qual o papel dele nessa sociedade? A qual grupo ele pertence? Existe diferenciação? Que relação há entre ele, sua comunidade, sua cidade, seu país? Ele é valorizado, reconhecido? Ele se vê representado? Se inspira nas pessoas certas?
Esse tipo de consciência crítica é moldada quando eles são instigados a pensar, mas pensar de verdade, escrever sobre, ler sobre, ouvir sobre, e não apenas assinalar uma resposta sobre. Os professores de exatas (por exemplo) também tem a função de criar um cidadão crítico, porém temos de reconhecer que é mais difícil fazê-lo entre funções e fórmulas do que entre discursos sociais ou textos históricos. É papel do professor de História não trabalhar com coisas antigas, mas tratar a História como ela é (ontem e muito, mas muito principalmente hoje). Buscar isso: um aluno crítico, capaz de se defender de preconceito, opressão ou exploração, capaz de identificar o injusto e fazer algo sobre isso é uma realização muito maior para um professor do que fazê-lo decorar a data da Independência do Brasil.
Como li em algum lugar (não me lembro mesmo). Buscamos criar um aluno livre, que se torne um cidadão livre e quem sabe, com alguma sorte e com muitos desses, tenhamos uma sociedade livre. Tornar os jovens em agentes de mudança (para a melhor) é parte do papel do professor de História.
E o historiador?
Fonte: <//historiadorpensante.blogspot.com.br
No Art.4º falamos sobre as funções do historiador. E não sobrou muito mesmo. Mas e o historiador dentro da sala de aula? É só o professor? Ali em cima um sábio e atraente homem =) falou que dentro da sala de aula ambos devem se encontrar. E como trabalharão juntos?
O professor deve ser o instigador, ok. Ao historiador junto dele cabe o lado técnico. É ele quem deve buscar a melhor informação e a melhor forma de passa-la. É o lado historiador que vai se especializar, atualizar, comparar e escolher o melhor material. Ser crítico e saber separar ou melhorar tudo o que “vem de cima” para que chegue da melhor forma para as salas. Cabe ao historiador pensar a História pronta que ele recebe e pensar se apenas repassa-la é o suficiente. Não tentar tornar o aluno em um historiador, mas ao menos mostra-lo o caminho para a construção do saber dele.
Fora da sala de aula, o papel é semelhante. Se o tempo de contar apenas a história dos grandes feitos e homens já passou, até a história do tio pipoqueiro da praça merece ser vista de forma real, sem distorções, compreendida e transmitida com o máximo de imparcialidade e legitimidade (o que nunca é fácil). Que mal pode haver em quando puder também tornar alguns adultos livres?
E quem concorda?
Confesso que apesar de ler os PCN, conhecer esse PL e vez ou outra tocar no assunto com colegas, nunca prestei atenção de fato na discussão que isso gerou. Encontrei muitos fóruns em que as discussões entre quem defende a separação ou não de quem é considerado historiador ficaram acaloradas.
Independente do documento que vai classifica-lo assim perante a lei, acho que podemos sim encontrar a prática do historiador fora dos documentos das instituições de ensino. Adultos livres… Ou algo parecido com isso.
E você? Concorda com essa divisão?
Acha que o professor e o historiador estão muito distantes, principalmente dentro da sala de aula?
Compartilhe sua opinião e boa sorte nas suas provas!
Referências:
//www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/470458-CCJ-APROVA-PROJETO-QUE-REGULAMENTA-PROFISSAO-DE-HISTORIADOR.html//www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=559424//www.eeh2010.anpuh-rs.org.br/resources/anais/9/1279222823_ARQUIVO_laisa_nogueira_ANPUH.pdf//www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1038347//soprahistoriar.blogspot.com.br/2015/08/para-que-continuemos-na-luta-19-de.html>