Qual elemento subjetivo exigível para configuração do delito de receptação qualificada?

Decis�o Texto Integral:
Acordam em confer�ncia no Tribunal da Rela��o de Guimar�es.
Sec��o Penal

I – RELAT�RIO

No processo comum singular n.� 171/16.4PBGMR do Ju�zo Local Criminal de Guimar�es, Juiz 4, da comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos J. M. e A. R., com os demais sinais dos autos.A senten�a, proferida a 28 de mar�o de 2019 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:�Pelo exposto, julga-se a acusa��o, procedente, por provada e, consequentemente: Parte crime:
a) Condena-se o arguido J. M., como autor material, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.�, n.�1, 204.�, n.� 2, al. e) por refer�ncia ao artigo 202.�, al. d) todos do C�digo Penal, na pena de 02 (dois) anos 02 (dois) meses de pris�o efectiva.
b) Condena-se o arguido A. R., como autor material, de um crime de recepta��o p. e p. pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa � taxa de €5,50 (cinco euros e cinquenta c�ntimos).
c) Condena-se os arguidos, ainda, no pagamento de 04 UC�s de taxa de justi�a, e demais encargos do processo.
Notifique.
Proceda-se ao dep�sito da presente senten�a (art� 372�, n�5�, do CPP). *
Remeta, ap�s tr�nsito, boletim � D.S.I.C..�

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Inconformado, o arguido A. R. interp�s recurso, apresentando a competente motiva��o que remata com as seguintes conclus�es:�1. O arguido ora recorrente foi acusado e condenado pela pr�tica do crime de recepta��o previsto e punido pelo n.� 2 do artigo 231.� do CP;
2. O preenchimento deste tipo legal verifica-se, na sua vertente objetiva, com a aquisi��o ou recebimento, a qualquer t�tulo, de coisa que, em raz�o da sua qualidade e pre�o, bem como da condi��o de quem lhe oferece, gera uma suspeita razo�vel (ju�zo formulado pelo homem medianamente sagaz e diligente) de que prov�m de facto il�cito t�pico contra o patrim�nio, sem que o agente se assegure, de antem�o, da sua leg�tima proveni�ncia.
Em sede de elemento subjetivo, divergem os autores entre a configura��o deste tipo de crime como de dolo eventual OU negligente.
3. A jurisprud�ncia maiorit�ria dos tribunais superiores vem acolhendo a tese de que o crime de recepta��o � de natureza exclusivamente dolosa, sendo o tipo previsto no n� 2 de natureza dolosa eventual
- Nesse sentido, Ac�rd�o da Rela��o de Guimar�es de 2009.09.14 (proc. N.� 869/02.4PBGMR), Rela��o de Coimbra de 2005.04.27, da Rela��o do Porto de 2003.05.07, Rela��o de Lisboa de 2002.07.02, Rela��o do Porto de 2007.11.28, Rela��o de Lisboa de 2010.04.13 e da Rela��o do Porto de 2013.04.03 (proc. N.� 310/12.4TDPRT.P1),
Rela��o de �vora de 12.09.2017 (proc. N.� 252/15.1PBSTR.E1), entre outros.
4. Todavia, n�o foi este o sentido que o Tribunal recorrido interpretou a referida norma jur�dica, como se transcreve do enquadramento jur�dico-penal da douta senten�a:
“Por contraposi��o com a previs�o do crime de recepta��o dolosa do n� 1 do art. 231�, afigura-se que a utilidade da puni��o aut�noma do n� 2 s� encontra express�o se ai se integrar as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condi��o de quem oferece a coisa, o montante do pre�o proposto � exig�vel que o homem m�dio colocado na posi��o do agente averig�e da sua leg�tima proveni�ncia.” (negrito nosso),
5. N�o concordamos com tal interpreta��o normativa, porquanto o crime de recepta��o previsto e pun�vel pelo artigo 231�do CP � de natureza dolosa, sendo que no n.� 1 exige-se o dolo espec�fico e no n.� 2 prev�-se o il�cito cometido com dolo eventual,
6. Estatui o artigo 13.� do C�digo Penal que “S� � pun�vel o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, por neglig�ncia.”.
Ora, no caso do 231� n.� 2 do CP a sua puni��o a t�tulo de neglig�ncia n�o est� especialmente prevista em nenhuma norma,
7. Nulla poena sine lege, princ�pio segundo o qual s� s�o criminalmente pun�veis os comportamentos como tais definidos na lei,
8. O artigo 9�, n.� 3, do C�digo Civil, estatui que “Na fixa��o do sentido e alcance da lei, o int�rprete presumir� que o legislador consagrou as solu��es mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”,
9. Tendo em conta o grau acrescido de certeza e defini��o que deve ter a lei penal e o princ�pio hermen�utico de que o int�rprete deve presumir que o legislador se exprimiu “em termos adequados”, caso o legislador tivesse pretendido prever um tipo negligente no n.� 2 do artigo 231�, do C�digo Penal, t�-lo-ia afirmado de modo a n�o deixar d�vidas,
10.Acresce que, o dever de informa��o incumbido ao agente n�o � compat�vel com a configura��o negligente do tipo, nos casos em que aquele atua com neglig�ncia inconsciente. O dever de informa��o s� se coaduna com os casos em que o agente suspeita da proveni�ncia il�cita da coisa, pois s� a� se compreende que sobre ele impenda um especial dever de informa��o acerca dela, dever que n�o existe para o comum das transa��es comerciais,
11.Por conseguinte, em sede de elemento subjetivo, o agente, al�m de representar intelectualmente as demais circunst�ncias do elemento objetivo do tipo, representa, ainda, a possibilidade de os bens serem de proveni�ncia il�cita (t�pica contra o patrim�nio), conformando-se com essa possibilidade,
12.Pelo explanado, entendemos que o crime de recepta��o previsto no artigo 231.� n.� 2 do C�digo Penal cont�m um tipo doloso, n�o podendo o agente ser punido a t�tulo negligente, como ocorreu no caso em apre�o.
13.Os factos provados (em concreto os pontos 6, 9 e 10) n�o integram todos os elementos do crime de recepta��o previsto e pun�vel pelo artigo 231.� n� 2 do C�digo Penal, pelo qual o arguido foi condenado:
“6. O arguido A. R. integrou os objectos no seu patrim�nio, n�o obstante ter motivos para suspeitar da sua proveni�ncia il�cita, atento o valor reduzido pelo qual adquiriu os bens, quando comparado com o seu valor real, sendo do seu conhecimento esse mesmo valor, porquanto eram instrumentos que utilizava na sua profiss�o.”
“9. (…); e o arguido A. R. agiu livre e deliberadamente, com o prop�sito concretizado de fazer seus os objectos supra referenciados, adquirindo-os a um pre�o muito inferior ao seu valor de mercado, sem previamente se assegurar da sua proveni�ncia, n�o obstante ter raz�es para suspeitar da origem il�cita dos mesmos.”
“10. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”,
14.Os referidos factos dados como provados integram apenas a neglig�ncia inconsciente, faltam os factos que permitiriam integrar o dolo, mesmo na sua modalidade de dolo eventual;
15.Quer na douta acusa��o n�o est�o descritos esses factos, quer na douta senten�a n�o est�o provados tais factos referentes aos elementos subjetivos do crime em apre�o, nomeadamente o conhecimento, representa��o ou previs�o de todas as circunst�ncias da factualidade t�pica, a livre determina��o do agente e a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor,
16.“A falta de descri��o, na acusa��o, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que traduzem no conhecimento, representa��o ou previs�o de todas as circunst�ncias da factualidade t�pica, na livre determina��o do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, n�o pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.� do C�digo de Processo Penal.” – Vide AUJ n.� 1/2015 (publ. DR 18 s�rie I de 2015-01-27;
17. Por outro lado, tamb�m n�o ficou provado (nem como “n�o provado”, pois n�o veio descrito na acusa��o) que o arguido suspeitou que os bens advinham de facto il�cito t�pico contra o patrim�nio.
18.A letra da lei n�o deixa margem para d�vidas ao indicar no n�mero um do artigo 231� “a facto il�cito t�pico contra o patrim�nio” e ao indicar no n�mero dois que quem, sem previamente se ter assegurado da sua leg�tima proveni�ncia, adquirir ou receber… coisa que, pela sua qualidade ou pela condi��o de quem lhe oferece, ou pelo montante do pre�o proposto, “faz razoavelmente suspeitar que prov�m de facto il�cito t�pico contra o patrim�nio”,
19.O crime de recepta��o p. e p. pelo art. 231.� do CP n�o se basta com o conhecimento por parte do agente, caso da modalidade prevista no n�mero um, ou com a suspeita por parte do agente, caso da modalidade constante do n�mero dois, de que a coisa tem origem il�cita, sendo necess�rio que o agente tenha conhecimento ou suspeite, consoante os casos, que a coisa prov�m de um facto il�cito t�pico contra o patrim�nio,
Neste sentido vide Ac�rd�o da Rela��o de Guimar�es de 28-01-2019 (proc. 562/16.0GBVLN.G1); Ac�rd�o da Rela��o de Coimbra de 27-04-2005 (proc 1142/05).
20. Sucede que j� a douta acusa��o do Minist�rio P�blico n�o cont�m/descreve todos os elementos de facto que preenchem este tipo legal de crime.
21.� a acusa��o que delimita o objeto do processo e s�o os factos dela constantes imputados a um concreto arguido que fixam o campo delimitador dentro do qual se tem de mover a investiga��o do tribunal, a sua atividade cognitiva e decis�ria. Essa vincula��o tem�tica do tribunal consubstancia os princ�pios da identidade – segundo o qual o objeto do processo (os factos) deve manter-se o mesmo, desde a acusa��o ao tr�nsito em julgado da senten�a –, da unidade ou indivisibilidade – os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unit�ria e indivisivelmente – e da consun��o do objeto do processo penal – mesmo quando o objeto n�o tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, n�o pode renascer noutro processo) - Figueiredo Dias (“Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, p�g. 145),
22.Pelo que, se a conduta do arguido tal como imputada na acusa��o n�o � suscet�vel de preencher todos os elementos do tipo de crime de que o arguido vem acusado e n�o podendo tal omiss�o ser suprida em julgamento, sendo os factos constantes da acusa��o que fixam os limites da atividade cognitiva e decis�ria do Tribunal, impunha-se que a decis�o recorrida tivesse de ser a absolvi��o do arguido.
Neste sentido vide - Ac�rd�o do Supremo Tribunal de Justi�a n.� 1/2015, in Di�rio da Rep., 1�s�rie, de 27 janeiro de 2015; Ac�rd�o da Rela��o de Guimar�es de 28-01-2019 (proc. 562/16.0GBVLN.G1).SEM PRESCINDIR,23.O Tribunal a quo deu como provados os j� aqui citados factos elencados nos pontos 6, 9 e 10,
24.E formou a sua convic��o com base essencialmente no depoimento do ofendido , conforme decorre do texto da senten�a na motiva��o da decis�o de facto:“O arguido A. R. disse-lhe que estava arrependido e que tinha desconfiado.” - P�g. 10 da douta senten�a;
“(…) E apurou-se que o arguido A. R. suspeitou da proveni�ncia il�cita dos bens, tendo em conta o valor diminuto que por eles pagou, sendo certo que trabalhava na �rea e sabia os seus valores de mercado – ali�s logo o confessou ao ofendido quando por ele interpelado.” (negrito nosso) – P�g. 12 da douta senten�a:
“(…) tendo antes at� lhe dito que estava arrependido e tinha ficado desconfiado que os bens seriam furtados.” – P�g. 12 da douta senten�a;
25.Por�m, em momento algum do deu depoimento o ofendido afirma que o arguido A. R., quando por aquele interpelado, lhe confessou que tinha suspeitado da proveni�ncia il�cita dos bens,
26.O ofendido declarou que o arguido A. R. lhe disse que estava arrependido, mas desse seu expresso arrependimento quando toma conhecimento (pelo ofendido) do furto n�o se pode afirmar nem concluir que no momento dos factos tivesse o arguido desconfiado da proveni�ncia il�cita das coisas. Ali�s � uma decorr�ncia normal de uma pessoa de bem que ao acabar de saber pelo ofendido que as coisas tinham sido furtadas lhe transmite o seu arrependimento. Estranho seria se ap�s tomar conhecimento da sua proveni�ncia il�cita n�o se tivesse arrependido!
27.Das diversas vezes que o ofendido foi explicitamente questionado se o arguido lhe ter� dito que suspeitara da proveni�ncia il�cita dos bens, o ofendido nunca respondeu de forma categ�rica e afirmativa, limitou-se a dar a sua opini�o sobre se a situa��o era de desconfiar:
“Ele j� desconfiava, quando a esmola � pequena � de desconfiar, � assim o ditado, n�o �? A esmola foi pequena para as m�quinas todas que l� tinha. E ele andou na escola. J� � de desconfiar que aquilo tinha que ser roubado.” (19:13 a 20:55, ficheiro 20190124151958_5550174_2870588
“Exatamente, eu desconfiei que… falava-se.” – note-se que o ofendido fala na sua pr�pria pessoa (02:26, ficheiro 20190307111650_ 5550174_2870588)
28.Perante a falta ou clareza das respostas anteriores, o Merit�ssimo Juiz a quo persiste em questionar se o ofendido n�o teria perguntado ao arguido se tinha desconfiado que as m�quinas eram roubadas e responde o ofendido de forma perent�ria “claro que lhe perguntei” e que o arguido lhe ter� respondido que n�o sabia. (03:07, ficheiro 20190307111650_ 5550174_2870588),
29.Quanto �s concretas provas que imp�em decis�o diversa da recorrida e as que devem ser renovadas, face � aus�ncia de prova produzida requer-se a an�lise do depoimento do ofendido produzido em sede de audi�ncia de julgamento:
O depoimento prestado no dia 24-01.2019 pela testemunha/ofendido S. R. ficou registado no sistema integrado de grava��o digital, ficheiro 20190124151958_5550174_2870588, com a dura��o de 00:22:38,
E prestado no dia 07-03.2019 pela mesma testemunha/ofendido S. R. ficou registado no sistema integrado de grava��o digital, ficheiro 20190307111650_5550174_2870588 com a dura��o de 00:06:50.
As concretas passagens da impugna��o, transcritas na motiva��o deste recurso:
Depoimento prestado no dia 24-01-2019 atrav�s do sistema integrado de grava��o digital: 00:00 a 07:13
Depoimento prestado no dia 24-01-2019 atrav�s do sistema integrado de grava��o digital: 19:13 a 20:55
Depoimento prestado no dia 07-03-2019 atrav�s do sistema integrado de grava��o digital: 00:54 a 03:07
30.O Tribunal a quo errou na aprecia��o e valora��o da prova do depoimento prestado pelo ofendido, motivando a decis�o de facto com base em supostas asser��es por ele proferidas em audi�ncia, mas que aquele depoimento tais asser��es n�o se podem extrair ou concluir.
31.Na medida da pena o Tribunal a quo n�o aplicou a atenua��o especial prevista no n.� 2 do art. 206.� do C�digo Penal,
32.O Tribunal deu como provado que “O arguido A. R., no dia 22/2/2016, devolveu ao ofendido S R. todos os objetos que adquiria ao arguido J. M., perten�a do ofendido.” – Ponto 8,
33.Disp�e o n.� 3 al�nea a) do artigo 231.� que � correspondentemente aplic�vel o disposto no artigo 206.�, ambos do C�digo Penal,
34.Estatui o artigo 206.� n.� 3 do C.P.: “Quando a coisa ou o animal furtados ou ilegitimamente apropriados forem restitu�dos, ou tiver lugar a repara��o integral do preju�zo causado, sem dano ileg�timo de terceiro, at� ao in�cio da audi�ncia de julgamento em 1.� inst�ncia, a pena � especialmente atenuada.”,
35.Conforme disp�e o n.� 1 al. c) do art. 73.� do CP, sempre que houver lugar � atenua��o especial da pena, o limite da pena de multa � reduzido de um ter�o e o limite m�nimo reduzido ao m�nimo legal,
36.No caso de restitui��o ou repara��o integral a atenua��o especial da pena � obrigat�ria,
37.O Tribunal a quo condenou o arguido a uma pena de multa de cinquenta dias sem previamente levar em conta a nova moldura aplic�vel resultante da atenua��o especial da pena, que resultaria numa pena concreta inferior;
38.A medida concreta da pena aplicada ao arguido � excessiva, desproporcional e violadora dos princ�pios da culpa , da proporcionalidade, da necessidade da pena e est� desconforme com a dial�tica culpa/preven��o.
39.A douta senten�a violou o disposto nos artigos 231.� n.� 2 e 3 al. a), 13.�, 14.�, 15.�, 206.� n.� 2, 40.�, 71, 73 todos do C.P, artigos 283 n� 3 e 339 n� 4 CPP, artigo 9� n� 3 do CC e artigo 32� n� 5 CRP.�

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O recurso foi admitido para este Tribunal da Rela��o de Guimar�es, com o regime e efeitos adequados.
Na 1� inst�ncia, o Minist�rio P�blico respondeu ao recurso pugnando pela manuten��o da senten�a recorrida.
Nesta Rela��o, o Exmo Senhor Procurador–Geral adjunto emitiu douto e fundamentado parecer no sentido da proced�ncia do recurso, salientando a atipicidade dos factos apurados, que ter� de conduzir � absolvi��o do recorrente.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.�, n.� 2 do C�digo de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTA��OConforme � jurisprud�ncia assente, o �mbito do recurso delimita-se pelas conclus�es extra�das pelo recorrente a partir da respetiva motiva��o, sem preju�zo da tomada de posi��o sobre todas e quaisquer quest�es que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja poss�vel conhecer (1).

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1. Quest�es a decidirFace �s conclus�es extra�das pelo recorrente da motiva��o apresentada, as quest�es a decidir s�o:

A.

a condena��o a t�tulo negligente pelo crime de receta��o previsto e pun�vel pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal, n�o obstante a sua natureza dolosa;
B. insufici�ncia da mat�ria f�tica apurada para a condena��o;
C. impugna��o de determinados pontos da mat�ria de facto provada, por erro de julgamento;
D. atenua��o especial da pena e sua medida concreta.

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2. Factos ProvadosSegue-se a enumera��o dos factos provados e n�o provados, constantes da senten�a recorrida.�1. Factos Provados:
Da discuss�o da causa e produ��o da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decis�o da causa:
1. No in�cio do ano de 2016, na Rua …, em …, Guimar�es, S R. tinha duas casas em (re)constru��o e uma j� constru�da, onde morava o arguido J. M. com a sua m�e.
2. Em dia n�o concretamente apurado, mas situado entre o dia 18 e 19 de Fevereiro de 2016, o arguido J. M., dirigiu-se � arrecada��o de uma das casas em reconstru��o, na referida Rua …, n.� …, em …, Guimar�es, onde o mesmo sabia que o respectivo dono, S R., guardava, fechadas � chave, diversas ferramentas de constru��o civil.
3. A� chegado, o arguido, munido de objecto n�o concretamente apurado estroncou a fechadura da porta e acedeu ao interior da arrecada��o de onde retirou e fez seus os seguintes objectos:
1 - um martelo pneum�tico, de marca Hilt, no valor de €1000,00 (mil euros);
2 – uma m�quina de furar, da marca Hilt, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros);
3 - uma rebarbadora, marca Bosh, no valor de €60,00 (sessenta euros);
4 - uma motosserra, marca Husqvarna, no valor de €100,00 (cem euros);
5 - m�quina de lavar � press�o, no valor de cerca de €1.000,00 (mil euros);
6- uma m�quina de cortar madeira, marca Skil, no valor de cerca de €100,00 (cem euros);
7 – uma m�quina de cortar madeira, de marca Hitachi, no valor de €60,00 (sessenta euros).
4. Posteriormente, em data n�o concretamente apurada entre o dia 18 e 19 de Fevereiro de 2017, o arguido J. M. dirigiu-se a uma obra de constru��o de um edif�cio nas proximidades, em …, onde se encontrava a trabalhar o arguido A. R., e abordou-o, informando-o de que tinha os referidos bens para venda.
5. Aceitando a transac��o, o arguido A. R., acompanhou o arguido J. M. ao pr�dio onde este vive, e onde se encontra a arrecada��o do ofendido, comprou ao arguido J. M. os referidos objectos, acima descritos, mais concretamente um martelo pneum�tico, de marca Hilt, uma m�quina de furar, da marca Hilt, uma rebarbadora, marca Bosh, uma motosserra, marca Husqvarna, uma m�quina de lavar � press�o, e uma das m�quinas de cortar madeira, de marca n�o apurada, e ajudou-o a coloc�-los na sua carrinha, pagando-lhe o valor global de €100,00 (cem euros).
6. O arguido A. R. integrou os objectos no seu patrim�nio, n�o obstante ter motivos para suspeitar da sua proveni�ncia il�cita, atento o valor reduzido pelo qual adquiriu os bens, quando comparado com o seu valor real, sendo do seu conhecimento esse mesmo valor, porquanto eram instrumentos que utilizava na sua profiss�o.
7. No dia 20 de Fevereiro de 2016, o arguido J. M., depois de confrontado por S. R. sobre o paradeiro dos objectos, foi colocar novamente na arrecada��o do ofendido, sorrateiramente, uma das m�quinas de cortar madeira supra descritas.
8. O arguido A. R., no dia 22/2/2016, devolveu ao ofendido S R. todos os objectos que adquirira ao arguido J. M., perten�a do ofendido.
9. Ao actuarem pela forma acima descrita: o arguido J. M., agiu livre e conscientemente com o prop�sito de se introduzir no interior de um espa�o fechado com chave, destinado a arrecada��o, pertencente a S. R., a fim de se apoderar de objectos com valor venal que de resto logrou concretizar no montante global de cerca de €2.470,00 (dois mil quatrocentos e setenta euros), bem sabendo que os mesmos n�o lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono; e o arguido A. R. agiu livre e deliberadamente, com o prop�sito concretizado de fazer seus os objectos supra referenciados, adquirindo-os a um pre�o muito inferior ao seu valor de mercado, sem previamente se assegurar da sua proveni�ncia, n�o obstante ter raz�es para suspeitar da origem il�cita dos mesmos.
10. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
11.O arguido J. M. pediu desculpa ao ofendido e admitiu parcialmente os factos.
12.O arguido J. M. encontra-se preso h� cerca de 3 meses no E.P. de Guimar�es.
13.O arguido J. M. integra um grupo familiar de etnia cigana e o seu processo de socializa��o decorreu no contexto normativo desta comunidade.
14.O progenitor dele faleceu quando ele tinha apenas um ano de idade, tendo tido como figura de refer�ncia masculina o companheiro da progenitora.
15.A din�mica familiar foi pautada por instabilidade ao n�vel do relacionamento, condi��es habitacionais e laborais, e pela pris�o da progenitora e do padrasto.
16.Aos catorze anos de idade foi sujeito a uma medida tutelar de internamento que cumpriu no Centro Educativo, onde permaneceu at� aos 18 anos. O seu percurso institucional foi pautado por instabilidade, com registo de v�rias fugas.
17.Apos a sa�da da institui��o, iniciou um relacionamento marital, do qual resultou um descendente, tendo ido viver com a fam�lia da companheira.
18.Regista um internamento de cerca de dois meses no Hospital …, no Porto, na sequ�ncia de quadro depressivo grave, ap�s o qual passou a ser acompanhado em regime ambulat�rio.
19.Acompanhava a fam�lia na venda ambulante, em feiras e mercados no norte do pa�s.
20.Envolveu-se no consumo de estupefacientes.
21.Em contexto prisional foi-lhe diagnosticada esquizofrenia, com necessidade de tratamento quando em liberdade.
22. Ap�s ter sido restitu�do � liberdade, em 2013, reintegrou o agregado da progenitora, tendo em 2014 iniciado rela��o com uma companheira, e ido viver para junto da fam�lia dela, mas em 2015, voltou ao agregado da progenitora, at� a nova reclus�o.
23.Em 2017 foi atribu�do ao seu agregado uma habita��o social, e obteve uma pens�o de invalidez no montante de €260,00.
24.Em reclus�o, encontra-se a frequentar curso de educa��o e forma��o B2+3 que lhe permitir� obter equival�ncia o 9� ano.
25.Tem mantido um comportamento adequado �s regras da institui��o.
26.Adopta capacidade de an�lise reflexiva e critica relativamente ao seu percurso de vida.
27.O arguido A. R. trabalhou na constru��o civil at� 2014.
28.Reside com a esposa, que trabalha como empregada dom�stica.
29.Habitam a t�tulo gratuito numa casa da filha, que reside na Su��a.
30.N�o det�m rendimento fixo, vivendo de economias e com a ajuda dos descendentes.
31.O arguido A. R. padece desde 2018 de doen�a do foro oncol�gico.
32.Det�m imagem social positiva.
33.O arguido A. R. n�o tem antecedentes criminais.
34.O arguido J. M. tem antecedentes criminais:
1 crime de condu��o de ve�culo sem habilita��o legal, praticado em 13.05.2005, condenado em 25.05.2005, na pena de 80 dias � taxa de €1,5;
1 crime de roubo, 1 crime de furto qualificado, 1 crime de ofensa � integridade f�sica grave qualificada, praticados em 23.04.2003, condenado em 15.02.2005, na pena de 4 anos e 2 meses de pris�o efectiva;
1 crime de condu��o sem habilita��o legal, praticado em 02.07.2008, condenado em 10.07.2006, na pena de 150 dias de multa � taxa de €3,00;
1 crime de condu��o sem habilita��o legal, praticado em 28.09.2005, condenado em 04.10.2007, na pena de 140 dias de multa � taxa de €3,00;
1 crime de roubo, praticado em 30.04.2015, condenado em 13.03.2008, na pena de 1 ano e 10 meses de pris�o, suspensa com regime de prova;
1 crime de ofensa � integridade f�sica qualificada, praticado em 09.02.2007, condenado em 05.02.2009, na pena de 9 meses de pris�o efectiva;
1 crime de aproveitamento de obra contrafeita, praticado em29.10.2006, condenado em 28.05.2009, condenado na pena 160 dias de multa � taxa de €2,50 e 3 meses de pris�o, substitu�dos por 90 dias de multa;
1 crime de viol�ncia depois da subtrac��o, praticado em 02.04.2003, condenado em 11.05.2005, na pena de 7 meses de pris�o, suspensa por 1 ano;
1 crime de roubo, praticado em 08.08.2015, condenado em 02.05.2017, na pena de 3 anos de pris�o efectiva.

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2. Factos N�o Provados:a. O aludido em 2), foi pelas 20.00 horas do dia 17 de Fevereiro de 2016.
b. Na posse dos cinco primeiros descritos objectos, o arguido J. M. dirigiu-se a uma obra de constru��o de um edif�cio nas proximidades, em …, onde se encontrava a trabalhar o arguido A. R., e abordou-o, apresentando-lhe os referidos bens para venda.
c. A m�quina de furar, da marca Hilt, tinha o valor de €250,00; a rebarbadora, tinha o valor de €75,00; a motosserra tinha o valor de €400,00; a m�quina de cortar Skil, tinha o valor de €100,00; a m�quina de lavar � press�o, no valor de cerca de €1.100,00; e a m�quina de cortar Hitachi, tinha o valor de €180,00. E tinham o valor global de 3.155,00 (tr�s mil cento e cinquenta e cinco euros).
d. O arguido J. M., depois de confrontado por S. R. sobre o paradeiro dos objectos, foi colocar novamente na arrecada��o do ofendido, sorrateiramente, duas m�quinas de cortar madeira.
e. O arguido J. M. disse ao arguido A. R. que tinha um assunto grave a resolver com a sua m�e no hospital, e que precisava de dinheiro, e que tinha as m�quinas para vender.
f. E foi por isso que o arguido A. R. aceitou emprestar €100,00 ao arguido J. M., e ficou com as m�quinas a t�tulo de cau��o.
g. O arguido A. R. disse ao arguido J. M. que lhe devolvia as m�quinas at� 4� feira, para ele lhe devolver nessa altura o dinheiro.
Da discuss�o da causa e produ��o da prova n�o vieram a resultar outros factos n�o provados com interesse para a boa decis�o da causa.�

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3. APRECIA��O DO RECURSOO recorrente A. R. insurge-se com a sua condena��o como autor material de um crime de receta��o, p. e p. pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal, desde logo – e para al�m do mais – por entender que a pr�pria mat�ria f�tica considerada apurada n�o preenche os elementos t�picos subjetivos daquele crime.
Tal quest�o, pela sua prejudicialidade relativamente �s demais suscitadas no recurso, ser� naturalmente conhecida em primeiro lugar.
O crime de receta��o encontra-se previsto nos n.�s 1 e 2 do artigo 231.� do C�digo Penal em duas modalidades distintas.
O n� 1 reporta-se a quem �com inten��o de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa ou animal que foi obtido por outrem mediante facto il�cito t�pico contra o patrim�nio, a receber em penhor, a adquirir por qualquer t�tulo, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse�.
J� na segunda modalidade, a do n.� 2, prev�-se a conduta de quem �sem previamente se ter assegurado da sua leg�tima proveni�ncia, adquirir ou receber, a qualquer t�tulo, coisa ou animal que, pela sua qualidade ou pela condi��o de quem lhe oferece, ou pelo montante do pre�o proposto, faz razoavelmente suspeitar que prov�m de facto il�cito t�pico contra o patrim�nio�.
Elemento comum �s duas modalidades �, como vemos, a origem da coisa ou animal objeto do crime de receta��o, que ter� necessariamente de provir de facto il�cito t�pico contra o patrim�nio.
N�o basta, assim, que essa coisa ou animal tenha simplesmente origem em qualquer tipo de facto il�cito ou at� mesmo criminoso, como acontece, por exemplo – e entre outras situa��es – quando provenha de crimes de contrabando, de fraude no transporte de mercadorias ou de introdu��o fraudulenta no consumo, ps. e ps., respetivamente, pelos artigos 92.� a 94�, 95.� e 96.� do Regime Geral das Infra��es Tribut�rias (2) (RGIT); quando provenha de um crime de descaminho p. e p. pelo artigo 355.� do C�digo Penal; ou, simplesmente, quando a coisa ou animal provenha de um il�cito civil ou administrativo.
� necess�rio que a conduta do autor do facto referencial �preencha o tipo de il�cito (objetivo e subjetivo) de um crime patrimonial. As concretas condi��es em que o facto referencial foi praticado (v.g., a identidade do agente e da v�tima, o local e o modo de obten��o da coisa, etc.) s�o irrelevantes e, por isso n�o carecem de ser provadas. O mesmo se diga da concreta subsun��o jur�dica do facto (v.g., � irrelevante determinar se o facto referencial constituiu um furto ou um abuso de confian�a, desde que seja certo que integra necessariamente um desses crimes)� (3).
N�o � pois por acaso que o crime de receta��o se encontra inserido no T�TULO II do C�digo Penal, denominado �Dos crimes contra o patrim�nio�, concretamente no seu Cap�tulo IV �Dos crimes contra direitos patrimoniais�. Para a perfei��o do tipo de receta��o a coisa ou animal t�m de provir – reitere-se – de il�cito t�pico contra o patrim�nio.
O recetador tem sempre de atuar com a inten��o de obter vantagem na perpetua��o de uma situa��o anti-jur�dica patrimonial (4).
A distin��o entre os casos dos n.�s 1 e 2 do artigo 231.� est� apenas ao n�vel dos elementos t�picos subjetivos: enquanto no primeiro se exige o conhecimento efetivo pelo agente de que a coisa ou animal prov�m de um facto il�cito t�pico contra o patrim�nio (dolo espec�fico); na segunda modalidade, do n.� 2, j� � suficiente que o agente admita que a coisa ou animal prov�m de facto il�cito t�pico contra o patrim�nio (dolo eventual).
Revertendo agora diretamente aos presentes autos, verifica-se que na senten�a recorrida consta como provado que o arguido/recorrente A. R. tinha �motivos para suspeitar da …proveni�ncia il�cita� dos objetos que comprou (ponto 6 dos Factos Provados) e que os adquiriu �sem previamente se assegurar da sua proveni�ncia, n�o obstante ter raz�es para suspeitar da origem il�cita dos mesmos� (Ponto 9, parte final, dos Factos Provados).
Contudo, em momento algum do elenco dos factos provados � feita a mais leve refer�ncia a que o recorrente, para al�m de admitir que as coisas que comprou provinham de facto il�cito, admitisse tamb�m que tal facto il�cito era contra o patrim�nio.
Temos pois de concluir que a factualidade considerada como apurada na senten�a recorrida n�o preenche todos os elementos t�picos do crime de receta��o p. e p. pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal, revelando uma conduta criminalmente at�pica.
Contudo, se recuarmos ao final do inqu�rito, verificamos que essa falha prov�m j� da acusa��o p�blica, em que o Minist�rio P�blico adotou neste particular uma mera formula��o reportada � �proveni�ncia il�cita� ou �origem il�cita� dos objetos, sem nunca referir a admiss�o pelo respetivo agente de que as coisas que comprou provinham n�o s� de facto il�cito, mas que esse facto il�cito era contra o patrim�nio.
A conduta do recorrente j� nos termos descritos na acusa��o n�o integrava um comportamento tipificado pela lei como crime de receta��o, sendo, inclusive, absolutamente in�cua em termos jur�dico-penais.
Tendo o processo seguido para julgamento sem ter havido instru��o, o que deveria ter acontecido era a rejei��o dessa parte da acusa��o (referente ao arguido A. R.) n�o s� por ser nula, mas tamb�m por ser manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.�, n.�s 2, al�nea a) e 3, al�nea b) do C�digo de Processo Penal.
S� que tal n�o aconteceu e, nestas circunst�ncias, chegados � fase da audi�ncia com uma acusa��o onde � descrita uma conduta at�pica, n�o h� mecanismo legal que permita integrar no objeto deste processo factos novosque, juntamente com os descritos na pe�a acusat�ria, permitam considerar a conduta do arguido como t�pica.
N�o se pode sequer considerar aqui a possibilidade de utiliza��o do mecanismo da altera��o dos factos, previsto nos artigos 358� e 359� do C�digo de Processo Penal, sob pena de se desvirtuar tal instituto, usando-o indevidamente para justificar uma introdu��o de factos novos em julgamento, como forma de suprir a nulidade de uma acusa��o, que foi indevidamente recebida pelo juiz.
Repare-se que nos termos da defini��o legal do artigo 1�, al. f) do C�digo de Processo Penal, altera��o substancial dos factos � “aquela que tiver por efeito a imputa��o ao arguido de um crime diverso ou a agrava��o dos limites m�ximos das san��es aplic�veis”. E, in casu, seria necess�rio acrescentar elementos constitutivos do pr�prio tipo subjetivo, com potencialidade para transformar uma conduta jur�dico-penalmente in�cua numa conduta t�pica, o que configura uma altera��o substancial dos factos.
Mas, aqui, nem mesmo a figura jur�dica da altera��o substancial dos factos se mostra adequada ao caso, na medida em que a integra��o dos factos novos n�o implica a imputa��o de crime diverso, implica � que uma conduta at�pica, sem relev�ncia jur�dico criminal, se transforme em conduta t�pica, ou seja, numa conduta criminosa. E, como resulta diretamente do disposto nos artigos 1�, al�nea f), 358� e 359� do C�digo de Processo Penal, o mecanismo legal da altera��o substancial e n�o substancial dos factos situa-se num outro plano, tendo sempre como pressuposto que na acusa��o, ou na pron�ncia, se encontram devidamente descritos factos integradores de um tipo de crime.
Assim, chegados � fase da audi�ncia com uma acusa��o onde � descrita uma conduta at�pica, n�o h� mecanismo legal que permita reparar essa verdadeira anomalia do processo, sob pena de viola��o da pr�pria garantia constitucional consagrada no artigo 32.�, n.� 5, da Constitui��o da Rep�blica Portuguesa, produzindo decis�o nula, nos termos do artigo 379.�, n.� 1, al. b), do C�digo de Processo Penal.
Neste contexto legal e processual, tendo em conta que a factualidade considerada apurada na senten�a recorrida relativamente ao arguido A. R. n�o preenche todos os elementos t�picos do crime de receta��o p. e p. pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal, pelo qual foi condenado, revelando antes uma conduta criminalmente at�pica, outra solu��o n�o resta sen�o absolv�-lo, revogando a senten�a em conformidade.
Procedendo o recurso por esta via e ficando prejudicado o conhecimento de todas as outras quest�es suscitadas.

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III. DECIS�OPelo exposto, acordam as ju�zas desta sec��o do Tribunal da Rela��o de Guimar�es em conceder provimento ao recurso do arguido A. R. e, em consequ�ncia,_____________________________________
. revogar a senten�a recorrida na parte em que condena o arguido A. R., como autor material, de um crime de receta��o p. e p. pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa � taxa de €5,50 (cinco euros e cinquenta c�ntimos); bem como no pagamento de 04 UC�s de taxa de justi�a e demais encargos do processo.
. absolvendo-se o arguido A. R. da pr�tica de um crime de receta��o p. e p. pelo artigo 231.�, n.� 2 do C�digo Penal.
Sem tributa��o.
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Guimar�es, 9 de dezembro de 2019
(Elaborado e revisto pela relatora)


F�tima Furtado
Maria Jos� Matos
(Assinado digitalmente)

1

. Cfr. artigo 412�, n� 1 do C�digo de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2� edi��o, Editorial Verbo, 2000, p�g. 335, V.
2. Lei n.� 15/2001, de 05 de junho, na sua atual redac��o.
3. Coment�rio conimbricense, tomo II, p�g. 487.
4. Cfr. neste sentido Maia Gon�alves, C�digo Penal Portugu�s Anotado, anot. Ao artigo 231.�.

O que caracteriza a receptação qualificada?

Receptação Qualificada § 3º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

Qual a materialidade do crime de receptação?

MATERIALIDADE DO CRIME DE RECEPTAÇÃO NÃO COMPROVADA. PRÉVIA CIÊNCIA DA ORIGEM ILÍCITA DOS BENS NÃO DEMONSTRADA. AUSENTE DESPROPORÇÃO DESCOMUNAL ENTRE O VALOR REAL E O VALOR PAGO PELOS OBJETOS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

Como é classificado o crime de receptação?

A receptação, delito dos mais importantes do título dos crimes contra o patrimônio, está descrita no art. 180 do Código Penal e subdivide-se em dolosa e culposa. A receptação dolosa, por sua vez, possui as seguintes figuras: simples, que pode ser própria (caput, 1a parte) ou imprópria (caput, 2a parte)

Quem é o sujeito ativo da receptação qualificada?

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de receptação. O autor, coautor, partícipe do crime antecedente responde apenas por este e não pelo crime acessório.