Qual foi o grande impacto para o Brasil com a chegada dos imigrantes?

1Aquele que não fosse nativo da terra brasileira e ousasse penetrar pelo interior desconhecido da Província de São Paulo antes da segunda metade do século XIX, necessitava dispor de um bom conhecimento do território ou lançar mão do aporte de um guia, em geral índio, grande conhecedor das trilhas que cruzavam as terras recobertas de mata virgem ou de cerrado, ou ainda lançar mão dos percursos dos rios navegáveis.

  • 1 Oliveira, Flávia A. M., Faces da Dominação da Terra (Jaú 1890-1910), Marília, Unesp-Marilia-Publica (...)

2A área correspondente ao atual município de Jaú, localizada no centro da então Província de São Paulo fazia parte dessa mata virgem – uma imensa floresta, parte da Mata Atlântica assentada em solo de terra roxa. Ali dominavam árvores frondosas, destacando-se entre elas: perobeiras, ipês, cedros, paus-d’alho, araruavas, figueiras brancas, jangadas, ceboleiras1. O rio Tietê banha as terras do município no seu lado oeste. Embora tenha sido apagada da memória local a presença de índios na região, há indícios comprovados através de restos arqueológicos, que mostram sua presença em terras do atual município.

3Até a década de 1840 esta área era considerada como terra desconhecida, depois, com o início da ocupação branca passou a ser denominada de sertão, um conceito elaborado pela geração dos literatos românticos dos meados do século XIX, que significava «área em que a civilização ainda não havia chegado».

4Os primeiros homens brancos a aportarem nessas terras, atribuídas como desconhecidas, foram chamados de pioneiros, ou seja, um conceito criado para denominar aqueles que abriam fronteiras. No caso de Jaú, os primeiros pioneiros a se fixarem na região foram principalmente homens oriundos de dois locais diferentes: paulistas, procedentes em grande parte dos municípios de ocupação mais antiga como Porto Feliz, Itu, Tietê e Piracicaba, e mineiros, principalmente das cidades de Pouso Alegre, Campanha, Alfenas, Baenpedi, Guaxupé e Caldas. Os paulistas, em geral, usaram o rio Tietê como via de penetração e os mineiros, fizeram um longo percurso por picadas que cortavam cerrados e florestas da Mata Atlântica.

  • 2 Teixeira, Sebastião. «Jahu em 1900». Editado pelo Correio do Jahu, 1900.

5Em geral, os chamados pioneiros registrados pela história local foram aqueles que, em seus locais de origem, já eram membros de famílias com posses, o que os permitiu fixarem-se nas terras apossadas dispondo da mão-de-obra escrava e recursos para iniciarem os primeiros empreendimentos. Como o primeiro texto sobre o passado de Jaú que chegou até nós foi elaborado em 19002, e teve como principal suporte a memória, as referências aos pioneiros restringiram-se àqueles que, na primeira ou segunda geração em terras jauenses tornaram-se vencedores. Porém quando se confronta essa versão, passando um pente fino, principalmente com fontes cartoriais como testamentos, inventários e processos cartoriais das mais diferentes ordens, encontram-se referências a muitos outros aventureiros que ousaram enfrentar as adversidades de uma região a ser desbravada, e que foram esquecidos em face da monumentalização da memória dos escolhidos para serem autores da construção da história local. Dessa forma, foi solapada a memória dos demais.

  • 3 Oliveira, Flávia A. M., Faces da Dominação da Terra, op. cit., p. 6.
  • 4 Idem.

6Importante destacar que o início da ocupação da região de Jaú deu-se no momento em que no Brasil havia um vácuo legal quanto à forma de aquisição de terras. Desde 1822 quando foi suspensa a doação de sesmarias por parte da Coroa Portuguesa, até 1850 quando foi promulgada a Lei de Terras, a posse tornou-se indiscriminada. Quando saiu a regulamentação dessa lei de terras em 1852, com objetivo de definir a propriedade privada da terra, ela estabeleceu que entre 1852 e 1854 todos aqueles que possuíssem terras fosse à forma de sesmarias, herança, compra, doação simples ou posse poderiam legalizá-la. Porém, só era permitido registrá-las desde que comprovassem a sua ocupação econômica efetiva3. Como a grande maioria dos pequenos posseiros era analfabeta e não teve acesso às informações a respeito da legalização das terras, deixaram de registrar suas posses. Por outro lado, as elites dispondo de recursos e conhecimentos, ao fazerem seus registros descreveram como suas, áreas imensas que muitas vezes incluíam as que já estavam ocupadas por pequenos posseiros ou mesmo por um grande proprietário. Por esta razão, frequentemente os registros se sobrepunham desencadeando litígios na justiça e embates que muitas vezes levavam a crimes4.

7Os primeiros pioneiros derrubaram densas florestas compostas de árvores centenárias para desenvolverem lavouras de subsistência ou a cana-de-açúcar e a pecuária suína para atender o mercado das áreas já incorporadas à grande lavoura cafeeira de exportação, principalmente com a produção de açúcar e aguardente, banha e carne salgada.

8Esses pioneiros logo sentiram a necessidade de disporem de um lugar onde pudessem concentrar o manejo do comércio e as práticas religiosas, ou seja, um núcleo populacional. Há informação que em 1848 já havia uma aglutinação de moradias e uma capela no lugar que, em 1853 declarou-se a existência oficial do povoado de Jaú.

9Para melhor facilitar a compreensão da vida econômica e social do município e do povoado e posteriormente da cidade de Jaú até os primeiros anos do século XX, é importante realçar dois momentos. O primeiro que se estendeu da década de 1840 até 1885. Dentro desses parâmetros destacou-se a chegada dos pioneiros, a fundação do povoado em 1853, o desenvolvimento da pecuária suína, das lavouras de subsistência bem como daquelas que atendiam o mercado regional e ainda uma incipiente lavoura cafeeira. O segundo momento compreendeu o período de 1885 e 1914. Entre os principais acontecimentos desse período estão: a implantação da lavoura comercial do café no município, o advento da ferrovia, fim da mão-de-obra escrava, a chegada em massa de imigrantes europeus, o rápido desenvolvimento da cidade, e ainda sua remodelação para se ajustar ao modelo de cidade burguesa de acordo com parâmetros europeus.

10Na primeira fase, as lavouras de subsistência consistiram principalmente na produção de feijão e milho. Entre as que atendiam o mercado regional, estavam a cana-de-açúcar, o fumo e o algodão. A criação de suínos foi também uma importante atividade nos inícios do município, não só para fornecer alimento para a subsistência, mas também para atender o mercado com o toucinho e carne salgados, bem como a banha. Sabe-se que era prática dos pioneiros criarem soltos os porcos para garantirem a posse da terra – quanto maior a área de terra ocupada pelas varas de porcos garantia-se a comprovação da ocupação econômica de uma extensão maior de suas posses no momento de registrarem a terra.

  • 5 Tablas, H.G.A., Pousada Alegre de Dois Córregos 1856-1980), São Paulo, Roswilha Kempt Editores, 198 (...)
  • 6 Correio do Jahu, n. 631, p. 1.

11Há informação referente ao início da ocupação de que varas de porcos eram conduzidas a pé até a cidade de São Vicente no litoral paulista, o que demandava quarenta dias para percorrerem picadas e estradas até aquele local5. Portanto, o mercado para os criadores de suínos não estava restrito à região de Jaú. Um levantamento realizado pela Câmara Municipal de Jaú em 1874 mostrou que o rebanho suíno no Município totalizava trinta mil cabeças, número expressivo para a época6.

  • 7 A lavoura canavieira em São Paulo teve inicio em meados do século XVIII e expandiu-se ocupando uma (...)

12Quanto à lavoura, o plantio da cana-de-açúcar esteve presente desde o início da ocupação do município. A época da chegada dos primeiros pioneiros, década de 1840, coincidiu com o pleno desenvolvimento da lavoura canavieira em São Paulo para a produção do açúcar7. A maior parte dos pioneiros de origem paulista era oriunda de municípios canavieiros. Aqueles que dispunham de maiores recursos, e com capital corporificado em escravos e conhecimento da técnica da produção do açúcar puderam derrubar áreas mais extensas de matas, plantarem a cana-de-açúcar e montar engenhos e alambiques. Contudo, não puderam integrar-se ao circuito exportador açucareiro devido à distância do porto de Santos e à precariedade das estradas que não passavam de simples picadas por onde transitavam as tropas de burros. A demora no transporte e a má condição da embalagem do produto faziam com que o açúcar umedecesse e azedasse.

  • 8 Teixeira, Sebastião, «Jahu em 1900», Jaú, Correio do Jahu, 1900. p. 104.
  • 9 Requerimentos enviados à Câmara Municipal de Jahu entre os anos de 1888 a 1891. Museu Municipal de (...)

13O fumo também foi um dos produtos que alcançou mercado regional. Sebastião Teixeira, memorialista local do início do século XX, informa que o fumo era plantado desde o início da ocupação econômica da região e continuou a ter um crescimento significativo até meados da década de 1880. Em 1877 a produção de fumo do município foi de 52.000 Kg8. Requerimento da Câmara Municipal de Jaú do ano de 1885 mostra que entre aqueles que pagaram impostos referente à produção de fumo à prefeitura, o montante foi de 87000 kg9, para a época bastante expressivo. O fumo produzido em Jaú ganhou fama pela sua qualidade, e por esta razão conquistou um mercado regional. Comerciantes de Bragança Paulista anunciavam em jornais locais disporem para venda o «famoso fumo de Jaú».

  • 10 Fernandes, José, Vultos e fatos da história de Jaú. Edição conjunta extraordinária do Correio da No (...)
  • 11 Lewkowicz, I., Aspectos dos pensamentos industriais têxteis paulista: 1919-1930. Dissertação de Mes (...)

14Na década de 1860 foi a lavoura do algodão que passou a ter certa importância em Jaú. Sebastião Teixeira, ao fazer um levantamento sobre os cinquenta anos da história do município em 1900, não mencionou a existência dessa lavoura. Provavelmente isso se deveu ao fato de ela ter praticamente desaparecido depois da década de 1870. Há indicação de sua existência numa publicação do ano de 1953, organizada por José Fernandes em comemoração aos cem anos de Jaú. Nela aparece um relato da história da família Pereira de Carvalho: informava que seu patriarca Domingos Pereira de Carvalho dizia ter possuído em sua fazenda um tear no qual se «teciam panos de algodão que plantava e recebia de terceiros»10. O algodão alcançou alguma importância em municípios do interior paulista na década de 1860 em face da guerra civil americana, que muito prejudicou a produção algodoeira do Sul dos Estados Unidos. Nessa época agricultores paulistas pensavam «no algodão como um produto que pudesse trazer os mesmos lucros que o café, ou até superior11».

15Importante destacar que até a década de 1870 quando o núcleo urbano estava para completar vinte anos de existência o município era considerado o limite da entrada para o sertão e vivia praticamente à margem da economia comercial. Não obstante, ainda que de forma incipiente, foi no decorrer dessa década que a produção de café do município, embora sem grande expressividade, começou a entrar no circuito comercial, o que deu ensejo ao primeiro surto de desenvolvimento econômico.

16O segundo momento da história do município, como foi visto, compreende o período delimitado pelos anos de 1885 a 1914. Ele foi assinalado por transformações profundas tanto no meio rural como no urbano. Importante destacar que tais mudanças estavam ocorrendo quase que concomitantemente em grande parte dos municípios do chamado oeste paulista, onde a ferrovia já havia chegado.

17O ano de 1885 foi marcado por uma inflexão no perfil das lavouras no município. Com aproximação da ferrovia e a certeza da chegada dos trilhos em Jaú, o que se efetivou em 1887, o barateamento do transporte e a ascensão dos preços internacionais do café, levaram os agricultores a investirem pesadamente na lavoura cafeeira e simultaneamente, abandonarem o plantio da cana-de-açúcar e do fumo, embora nas áreas de terras mais arenosas continuou-se a plantar cana e produzir açúcar. Todavia as terras das antigas lavouras cafeeiras não eram suficientes para a demanda dos novos plantios do café e para tanto, fazendeiros passaram a derrubar vastas áreas de mata virgem onde predominava a terra roxa para poderem expandir a lavora cafeeira. Cafeicultores de outras regiões também compraram terras no município para plantar café.

18Como em outros municípios cafeeiros a disponibilidade da mão-de-obra escrava não atendia a demanda do ritmo de expansão dessa lavoura. Com a suspensão do tráfico negreiro em 1850, sabia-se que o fim da escravidão era uma questão de tempo, e para suprir a necessidade de mão-de-obra fazendeiros paulistas passaram a ampliarem seus plantéis, contando com a compra de escravos das regiões canavieiras decadentes do nordeste brasileiro. A demanda da mão-de-obra era muito maior do que a disponibilidade de escravos. Por outro lado, embora a entrada de imigrantes europeus para trabalhar nas fazendas de café se fazia presente desde a década de 1850, a forma dos contratos de trabalho até então vigentes não era um atrativo para esses imigrantes, uma vez que as despesas da viagem e gastos antes de receberem os primeiros salários faziam com que iniciassem a vida no novo mundo já endividados e com perspectivas quase nulas de conseguirem saldar dívidas assumidas. Diante desse impasse os cafeicultores fizeram pressão para solucionar esse problema, no que foram atendidos em 1886, quando o governo Imperial decidiu subsidiar a imigração européia. Efetivou-se uma política de imigração e implantou-se uma forma de contrato de trabalho que definia uma parceria entre fazendeiro e colono, o que permitiu que se abrissem as portas para a grande imigração européia.

19Em Jaú preponderou de longe a presença de imigrantes italianos seguida de espanhóis e portugueses. Franceses e alemães também chegaram ao município, porém em número muito pouco expressivo. A expansão cafeeira, a chegada da ferrovia e a entrada em massa de imigrantes, embora tenham alterado as relações sócio-econômicas e o aspecto físico do campo, foi na cidade que as transformações ocorreram não só de forma profunda, mas também acelerada.

20A riqueza proporcionada pelo café, em grande parte investida no núcleo urbano, transformou o perfil da cidade. Nos inícios do século XX Jaú era uma cidade moderna. Foi na prática de alteração do aspecto físico da cidade que o trabalho dos imigrantes italianos teve um papel preponderante. Enquanto o capital para esse intento advinha de investimentos diretos ou indiretos dos grandes fazendeiros de café, a mão-de-obra era quase que hegemonicamente composta de imigrantes italianos.

21Para melhor caracterizar essas transformações dentro dos parâmetros aqui propostos é preciso acompanhar as mudanças que ocorreram no núcleo urbano de Jaú desde sua fundação até a primeira década do século XX.

  • 12 Godoy, Joaquim Floriano de. A Província de São Paulo. Trabalho estatístico, histórico e noticioso d (...)

22Há informações que indicam que quando da fundação do povoado em 1853 o mesmo foi arruado seguindo-se o rigor da geometria na composição das quadras, e que tal trabalho foi executado por um dos fundadores, o Capitão José Ribeiro de Camargo. Embora as quadras cumprissem a idéia de uma urbanização organizada de acordo com uma geometria precisa, o povoado apresentava uma configuração que lembrava mais o rural que urbano: o conjunto das rústicas edificações construídas em madeira ou taipa, em geral compostas de um ou dois cômodos, estava espaçadamente distribuído por duas ruas transversais e duas colaterais nem sempre seguindo o arruamento. O rio Jaú ainda não dividia a cidade uma vez que toda ela estava ainda compelida à margem esquerda do mesmo. Dados de 1870 apontam que o município todo contava com quatro mil almas, sendo que no povoado a população não chegava a mil pessoas12.

23Pelo fato do café só tomar corpo no município em meados da década de 1880, momento em que o imigrante europeu, preponderantemente italiano, começou a chegar maciçamente no interior paulista, o número de escravos não chegou a ser tão expressivo em Jaú. Em 1872 os escravos registrados no município somavam 906, sendo 496 homens e 410 mulheres e dessa data até a abolição seu crescimento foi pouco significativo, pois em 1888 o total de escravos foi de 852 homens e 532 mulheres.

  • 13 Barbosa, Alberto Gomes, O Commercio do Jahu, anno VII, n. 635, 30/9/1914, p. 2.

24O memorialista Alberto Barbosa, que entre 1914 e 1917 semanalmente publicava no jornal local um artigo a respeito do passado da cidade, deixou registrado uma imagem do que era aquele aglomerado urbano antes de 1884. Afirmava que depois da fundação do núcleo, quando foi derrubado o mato e mal destocados os troncos das árvores que atravancavam o que seriam as vias públicas, nenhum benefício e nenhum reparo de certa importância haviam sido realizados nessas ruas até 1884. Sem definição das calçadas, uma vez que sequer havia guias de sarjetas, no espaço incerto das ruas abriam-se grandes sulcos escavados pelas águas pluviais, de modo que era preciso ter todo cuidado em transitá-las. Ademais, até 1883 a iluminação pública não existia. Quando ocorria de noite algum divertimento (soirée dançante ou cavalinhos) «viam-se pelas ruas, como vaga-lumes, lanternas de luz mortiça, conduzidas pelo pajem ou mucama de estimação para alumiar sinhô velho e às sinhás moças»13.

25O memorialista Sebastião Teixeira também deixou registrada uma idéia a respeito do aspecto das ruas de Jaú antes do calçamento iniciado em 1900:

  • 14 Teixeira, Sebastião, «Jahu em 1900», Jaú, Correio do Jahu, 1900, p. 33, 34.

Como o solo da cidade compõe-se de terra roxa, as ruas em dias de chuva formam enormes lamaçais, que dificultam extraordinariamente o trânsito; em dias secos, aqueles transforma-as (sic) em grandes nuvens de um pó finíssimo e vermelho, que a (sic) menor agitação levantam-se nuvens densas, que elevando-se ao telhado mais alto, vicia o ambiente, tinge os prédios com cor vermelha, asfixia os vegetais, entranha-se por todos os nossos poros e órgãos respiratórios, dá à cidade um aspecto feio. No período de transformação de lama para o pó não é menos incomodo o solo de terra roxa: uma infinita quantidade de torrões se forma, que incomoda sobremaneira as pisadas14.

26A poeira era um incômodo para a população. Dificultava qualquer tentativa de os representantes das elites se apresentarem nos espaços públicos com elegância. Foi preciso esperar até o ano de 1910 quando foi inaugurado o calçamento da área central da cidade para que vestuários requintados pudessem ser exibidos publicamente pelas elites. Não foi por acaso que a famosa Casa Alemã de São Paulo, que comercializava modernos modelos de roupas masculinas, femininas e infantis, abriu uma filial em Jaú no ano seguinte ao calçamento.

27A população que vivia na cidade na primeira fase de seu crescimento era composta em sua maioria por aventureiros sem recursos e pequenos comerciantes que se lançavam nas bocas de sertão na esperança de construírem uma vida melhor. Entre eles estavam imigrantes de origem portuguesa. Os fazendeiros, homens com mais recursos, de modo geral, até a década de 1890 moravam em suas fazendas. Uma vasculhada em processos de crimes do período anterior à década de 1880 e é possível perceber a presença no espaço urbano de um número significativo de prostitutas, pessoas que praticavam pequenos furtos, escravos e ex-escravos, trabalhadores braçais que aceitavam qualquer tipo de serviço e comerciantes a circularem pelo núcleo urbano. Os comerciantes, embora em pequeno número, pode-se dizer que formavam duas categorias. A primeira era constituída por aqueles que se estabeleceram com um pouco mais de recursos e que conseguiam abrir um estabelecimento que oferecia uma quantidade maior e mais variada de mercadorias. Quando novos núcleos foram abertos além de Jaú, como Bariri, Bica de Pedra esses comerciantes atuaram também no atacado com a função de intermediarem as vendas entre os comerciantes estabelecidos nesses novos núcleos e os atacadistas da capital.

  • 15 Processo do Tribunal do Júri. Museu Municipal de Jaú, réu Firmino Alves de Castro, 1882.

28A segunda categoria era formada por aqueles que quase sem recursos improvisavam um local com parcas mercadorias na espera de melhorar suas condições de vida. Muitos desses comerciantes contando com a possibilidade de crescerem junto com a região lançavam-se nas frentes de expansão sem recursos. A miserabilidade de um desses comerciantes pode ser avaliada através de informação constante em documento de 1882. Trata-se do caso Firmino Alves de Castro que nessa data, quando jogava bilhar no estabelecimento de Delfino do Nascimento Alvim, foi por ele maltratado e expulso do recinto por estar descalço, já que o regulamento da casa proibia que pessoa descalça brincasse no bilhar. Logo depois desse fato foi aberto o processo de falência de seu estabelecimento comercial, no qual aparece nomeado um insignificante rol de mercadorias disponíveis para a venda15.

29O primeiro surto de desenvolvimento da lavoura cafeeira deu-se ainda no início da década de 1870 e refletiu diretamente na expansão do povoado. Tanto que no ano de 1871 a Câmara Municipal buscou novos parâmetros para a ordenação do espaço urbano, com a aprovação de seu primeiro Código de Posturas. Embora ele não seja tão importante para avaliar quais eram as preocupações específicas das autoridades locais em relação ao que deveria ser normatizado, uma vez que os conteúdos desses códigos eram cópias de outros mais antigos aplicados em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, ele não deixa de ser importante indicador de que a aristocracia local tinha em seus horizontes parâmetros do que seria a modernização da cidade. Entre os itens que constavam nesse código estava a proibição de animais circularem pelo espaço urbano, especificamente vacas leiteiras, porcos, patos e galinhas. A proibição refletia a realidade do cotidiano: a presença desses animais domésticos que circulavam pelas ruas.

  • 16 Atas da Câmara Municipal de Jaú de 23/2/1873 a 27/1/1878. Museu Municipal de Jaú.
  • 17 Requerimentos à Câmara Municipal de Jaú de 1870-1891. Museu Municipal de Jaú.
  • 18 Ofícios e Circulares enviados à Câmara Municipal de Jaú entre 1866 a 1872. Museu Municipal de Jaú.

30Ao observarem-se as Atas da Câmara Municipal no decorrer da década de 1870 verifica-se a constante preocupação dos agentes públicos em melhorar as condições do conjunto arquitetônico da então vila, e ao mesmo tempo, a precariedade que se apresentava. Entre elas estavam: reparos na cadeia pública que estava sem forro e sem caixilhos nas janelas; a Igreja que «estava por acabar-se»; pedido para que «os proprietários de imóveis construíssem seus muros»; «conserto das portas e janelas da casa da câmara e assim como não deixe tirar as suas mobílias como tem acontecido» e para que «não se arruíne antes do tempo, como se vê na frente da mesma, só com o barreiro e nada mais... assim como tem as folhas da porta principal toda encostada de um lado por terem se quebrado as suas fixas»; «que se ordene a demarcação de um terreno para o estabelecimento do Matadouro Público»16. Em Requerimento enviado à Câmara Municipal no ano de 1873 aparece a indicação para que se «execute a lei acerca dos formigueiros existentes nesta vila»17. O caráter rural daquele meio urbano fica patente com informação que consta de um ofício enviado à Câmara em 9/1/1872, e que aparece nos seguintes termos: «Os abaixo assinados hoje pelo Código de Posturas estão sujeitos a pagarem a quantia de cinco mil réis anual se quiserem conservar dentro dessa vila suas vacas leiteiras»18.

  • 19 Oliveira, Flávia A. M.,Impasse no Novo Mundo; imigrantes italianos na conquista de um espaço social (...)

31A aproximação da ferrovia, que em 1876 chegou com seus trilhos até a cidade de Rio Claro, pôs a região de Jaú mais perto de Santos, o porto exportador, embora as tropas de burro e carros de bois que transportavam o café ainda necessitassem percorrer mais de 150 quilômetros até à cidade de Rio Claro. Essa aproximação permitiu uma maior circulação de mercadoria e pessoas. Fez com que o núcleo urbano passasse a ter um maior atrativo, inclusive para imigrantes europeus.Tanto que já em 1872 encontravam-se radicados em Jaú alguns imigrantes italianos oriundos do sul da Itália exercendo atividade no pequeno comércio19.

32Contudo, o que veio alavancar importantes transformações tanto na área rural como na urbana foi a chegada da ferrovia na cidade que se efetivou em 1887. Em 1885 era certo para os fazendeiros jauenses que a ferrovia lançaria seus trilhos até aquele município, o que os fez mudarem o perfil de suas lavouras. Foi visto que número expressivo de fazendeiros que até então produziam o fumo e cana-de-açúcar substituiu essas lavouras pelo café. Por outro lado as derrubadas de áreas florestais foram aceleradas e substituídas por novos e imensos cafezais.

  • 20 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo pelo Presidente da Província (...)

33Reflexo da política imigratória efetivada a partir de 1886 foi sentida de imediato em Jaú. No Relatório do Presidente da Província de 1887, referente ao ano anterior, consta o encaminhamento de vinte e cinco imigrantes para Jaú, sendo todos italianos20. Depois desta data houve um fluxo contínuo e ascendente de imigrantes italianos para este município.

  • 21 Fernandes, J. (org.), «Vultos da História de Jahu: capital da terra roxa (1853-1953)», São Paulo, e (...)
  • 22 Milliet, S., Roteiro do café e outros ensaios, São Paulo, Hucitec/ Pró-Memória Instituto Nacional d (...)
  • 23 Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente da Província de S. Paulo pela Comissão Central de Est (...)

34A valorização do café no mercado internacional, a entrada em massa de imigrantes e a chegada da ferrovia em Jaú ocorreram praticamente no mesmo momento – entre 1885 e 1887 –, o que causou um impacto na vida econômica, social e cultural do município e da cidade. A população do município que em 1872 era de 7.512 habitantes21 passou para 18.341 pessoas em 188622. O Relatório do Presidente da Província de 188823 apresentou um levantamento da vida comercial da cidade, e confere que naquele momento havia vinte e sete lojas de fazendas, cinquenta e cinco armazéns de líquidos e comestíveis, um de licores, um de toucinho e queijos, um botequim, duas hospedarias, quatro padarias, cinco açougues, quatro farmácias, uma ourivesaria, duas fábricas de cerveja, uma máquina de beneficiar café.

35As mudanças ocorridas na cidade entre os anos de 1885-1887 deram-se de forma tão perceptíveis que o memorialista Sebastião Teixeira ao se referir a esse período estabeleceu o ano de 1887 como um marco cronológico na história local. Sua justificativa aparece nos seguintes termos:

  • 24 Teixeira, Sebastião, «Jahu em 1900», Jaú, Correio do Jahu, 1900, p. 119.

...a pequena vila de 1887 estendeu-se por quase todos os lados, sendo em 1891 de fato e de direito uma grande cidade... A três fatores diversos deve Jaú o seu crescimento... à estrada de ferro, que aproximou-se dos centros mais populosos onde pode haurir os indispensáveis elementos de progresso e civilização; deve à abundante produção e à alta do preço do café, que aumentaram-lhe a fortuna, base da prosperidade; deve-se finalmente, à imigração estrangeira, que aumentou-lhe a população e contribuiu para a expansão da riqueza24.

36Não resta dúvida que os três fatores mencionados provocaram mudanças profundas, no entanto é preciso dimensionar o sentido das transformações na vida da cidade.

37A acelerada expansão cafeeira inseriu Jaú no mercado internacional o que desencadeou um acúmulo de riquezas sem precedentes, e por sua vez permitiu investimentos públicos e privados no âmbito da cidade. O antigo núcleo composto de habitações, em sua maior parte construídas de taipa ou madeira que lembrava mais o aspecto rural que urbano foi profundamente transformado ao longo das décadas de 1890 e das duas primeiras do século XX. No final da década de dez do século XX a cidade exibia um perfil moderno composto por conjunto arquitetônico que seguia modelos europeus, e infra-estrutura de uma cidade burguesa moderna com iluminação elétrica tanto pública como privada, rede de água, calçamento e telefone, jardim público a gosto europeu.

38É inquestionável que o grande motor das transformações foi o capital gerado pela economia cafeeira, porém quando direcionamos a análise para os agentes sociais que atuaram com seu trabalho na mudança de rumo da cidade, levando em conta a própria cronologia estabelecida por Sebastião Teixeira no seu livro «Jahu em 1900», ou seja, em 1886 é impossível desprezar o importante papel que imigrantes europeus, preponderantemente italianos, tiveram nesse processo.

39Estes imigrantes já marcavam sua presença na cidade no início de década de 1870, que como vimos, foi quando o município teve um insipiente desenvolvimento cafeeiro. De forma geral eram de origem urbana, do sul da Itália e que se lançaram no novo continente sem família e com algum pecúlio para fazer a América e retornarem à terra natal. Em geral se dedicaram ao comércio. Todavia, número significativo deles nunca mais voltou para a pátria de origem.

  • 25 Museu Municipal de Jaú. Processo do tribunal do Júri de Jaú, caixa n. 16, réu João Castelli, 1882.
  • 26 Idem, caixa n. 23, réu Antonio Ribeiro do Amaral, 1887.
  • 27 Almanach da Província de São Paulo: Administrativo, Comercial e Industrial para o ano de 1888. São (...)

40Como a rua que concentrava o comércio em Jaú nesse primeiro momento foi a das Flores (hoje marechal Bittencourt), foi nela que a maior parte desses italianos se estabeleceu com seus pontos comerciais. Entre eles, Antonio Miraglia abriu em 1875 a «Loja do Caçador». No ano seguinte também ali se instalou, com uma casa de ferragens, Michele Peccioli; em 1881, André Castelli estabeleceu-se com uma casa de comércio; e Pedro Nardini, com uma de armarinhos25. Em 1887, Damásio Peccioli abriu uma padaria26. O Almanach da Província de São Paulo de 1888, ao apresentar um panorama da vida sócio-econômica da cidade, indicou que nesse ano havia em Jaú vinte e sete estabelecimentos comerciais, e, dentre eles, seis pertenciam a imigrantes italianos, sendo que apenas um deles estava com seu estabelecimento fora da Rua das Flores27.

41Os imigrantes italianos que chegaram a partir de 1886, dentro da chamada grande imigração, ao contrário da primeira leva que eram em geral do sul e de origem urbana, provinham do norte da Itália, eram de origem campesina, e em maior número da região vêneta. Outra característica é que chegavam acompanhados de toda família. Embora esses imigrantes, pelo contrato estabelecido para obterem a passagem gratuita, fossem encaminhados para o meio rural para trabalharem nas fazendas de café, muitos deles detentores de um ofício, arrumavam meios de permanecerem nas cidades onde viam maior oportunidade de vencerem na vida ou, logo que podiam, fugiam das fazendas para tentarem a vida no meio urbano. Sabiam que o meio urbano oferecia maior chance de viverem melhor. Com esse fluxo imigratório a cidade deu um salto demográfico.

42Por outro lado a chegada da ferrovia com a instalação da Estação nos altos da cidade entre as ruas Major Prado e Edgard Ferraz provocou um rearranjo do espaço urbano ao deslocar o centro comercial da Rua das Flores para a Rua Amaral Gurgel, Major Prado e Largo do Teatro. Contudo, mais do que as transformações do aspecto físico da cidade foram as transformações do teor das relações sociais que impactou as formas das vidas dos jauenses, uma vez que novas práticas culturais trazidas pelos imigrantes foram postas em ação naquele meio com destaque à música e alimentação. Uma nova dinâmica de distanciamentos e aproximações se fez presente principalmente em face da heterogeneidade de relações sociais que se davam, não só entre imigrantes e a sociedade local, mas também entre os próprios imigrantes.

43Embora a chegada de imigrantes portugueses também fosse significativa, não causava tanto estranhamento na sociedade local já que estes imigrantes compartilhavam de certa forma da mesma língua e da mesma cultura. Tanto que o memorialista Alberto Gomes Barbosa, português que chegou a Jaú em 1884, integrou-se tão bem em meio às elites jauenses que se via como parte dela. Quem lê um de seus artigos publicado no jornal local em 1916, se não dispor da informação de sua origem lusitana, acreditará que aquele texto foi escrito por um jauense nato, pois ao se referir às formas de viver na cidade trinta anos atrás, a partir do momento que escrevia, demonstrava uma resistência à chegada dos imigrantes na cidade. Afirmava que a presença de estrangeiros naquele meio urbano pôs fim a uma sociedade harmoniosa. O retroceder de trinta anos a que ele se refere corresponde exatamente a 1886, ano que marcou a entrada em massa de imigrantes europeus, preponderantemente italianos. O trecho referido é o seguinte:

  • 28 Commercio de Jahu, anno IX, n. 988, 5/9/1916, p. 2.

Incontestavelmente o Jaú de 30 anos era mais divertido, mais comunicativo, mais social em fim, do que hoje (...). A pequena população era quase toda nacional. Os estrangeiros eram portugueses, poucos italianos e um ou outro pertencente a diferente nacionalidade. Por isso as famílias brasileiras visitavam-se animadas vezes e agrupavam-se mais, havendo, portanto maior sociabilidade28.

44O incômodo provocado pela presença de imigrantes e principalmente de italianos, decorreu não só das diferenças marcadas pela língua e cultura, mas igualmente pela sua presença maciça no espaço urbano. A entrada em massa de italianos na cidade provocou um impacto na sociedade local que passou a ver seus valores e costumes serem acuados por outras formas de vida. Porém, embora não deixassem de exprimir desconfortos expressos em várias instâncias do social, necessitavam aceitar os forasteiros, uma vez que deles dependiam para atender seus projetos de modernização da cidade. A mão-de-obra especializada desses imigrantes era fundamental, pois entre eles havia arquitetos, engenheiros, pedreiros, pintores, marceneiros, carpinteiros, marmoristas, serralheiros, vidraceiros para erguer prédios públicos e privados de acordo com padrões europeus.

45Além disso, os imigrantes passaram a oferecer os mais variados serviços à população como ourives, relojoeiros, sapateiros, fotógrafos, funileiros, alfaiates, modistas, barbeiros etc. Até serviços mais simples como poceiro e empalhador de cadeiras foram supridos por esses imigrantes. A implantação de um setor comercial diferenciado foi outra inovação introduzida por imigrantes italianos como armazéns que punham à disposição da população local, vinhos, licores, queijos, embutidos variados, azeites de origem européia; padarias antes inexistentes passaram a dispor, além dos pães, dos mais variados confeitos; restaurantes que não se limitavam a oferecer só o arroz e feijão. Hotéis dos mais variados padrões foram abertos para atender a nova demanda de hóspedes. Profissionais altamente especializados também se fixaram na cidade como farmacêuticos, médicos, dentistas, músicos, agrimensores, técnicos em diferentes serviços, professores, advogados, etc.

46Assim os habitantes de Jaú, principalmente setores das elites, puderam construir seus ricos palacetes, mobiliá-los com móveis de qualidades e de acordo com padrões europeus, vestirem-se com roupas de talhos modernos, terem à disposição os mais variados profissionais para proporcionar luxo e requinte.

47A presença dos imigrantes italianos no espaço da cidade no primeiro decênio do século XX era inquestionável. Além de possuírem residência e casas comerciais em todo espaço urbano mais antigo, quando a área da margem direita do rio Jaú foi incorporada ao perímetro urbano da cidade em 1889 passou a ser preponderantemente um espaço italiano. Tanto que a rua principal dessa nova área urbana passou a ser popularmente denominada como Rua da Polenta, uma referência à culinária italiana.

  • 29 Commercio do Jahu, anno 3, n. 294, 13/5/1911, p. 4 e anno 3, n. 391, 3/5/1911, p. 4.
  • 30 Embora não haja nenhuma menção à nacionalidade dos proprietários em questão, foi possível identific (...)
  • 31 Almanack do Jahu para o ano de 1902, p. 9.
  • 32 Commercio do Jahu, anno 3, n. 410, 3/7/1912, p. 1.

48Uma notificação da prefeitura municipal publicada no ano de 1911 no Jornal o Commercio do Jahu permite uma outra avaliação da presença de imigrantes italianos em Jaú. Tal notificação trazia a relação dos proprietários com imóveis na área urbana, o montante dos respectivos impostos a serem pagos, bem como o valor daqueles imóveis. Por essa relação foi possível levantar não só o total de imigrantes italianos proprietários de imóveis, mas ainda as ruas com maior concentração de italianos proprietários29. Nesse sentido, a ruas que se destacavam foram a Marechal Bittencourt (antiga Flores) e a Amaral Gurgel (antiga Commercio)30. Na primeira, do total de 82 imóveis existentes, 27 pertenciam a italianos, e na segunda, dos 94, 54 eram italianos. Todavia, há de se levar em conta que esses números ainda não expressam a real presença de italianos na cidade, uma vez que parcela expressiva deles morava em casas de aluguel, como os que residiam na Rua da Polenta. Importante destacar que o montante de habitantes da cidade no perímetro urbano que no ano somava 5.20031, em 1912 passou para 16 mil habitantes32. Portanto, nesse período em termos demográficos, a cidade triplicou de tamanho e a contribuição de imigrantes italianos para esse crescimento é inquestionável.

  • 33 O Correio do Jahu, anno 7, n. 616, 14/8/1902, p. 2.

49Há outra fonte de informação que igualmente mostra a incontestável expressividade do imigrante italiano em Jaú. Trata-se de dados estatísticos publicados no Correio do Jahu em 1902, que apresentam um panorama do número de nascimentos ocorridos no município entre os meses de abril e junho daquele ano33: filhos de brasileiros somaram cento e dez; de italianos, cento e noventa e sete; de espanhóis, dezoito; e de portugueses, onze. Portanto, o número de nascimentos entre italianos foi superior à soma do total das outras nacionalidades, incluindo a brasileira.

  • 34 Commercio do Jahu, anno 2, n. 183, 22/5/1910, p. 1.

50Há que se notar ainda que o fluxo de imigrantes que chegava à cidade era tão grande que desencadeou, na primeira década do século XX, o estrangulamento da oferta de moradia. Em 1910, um cronista ao fazer um comentário a respeito da cidade de Jaú, dizia: «Jaú vai se tornando uma cidade inabitável... Há grande falta de prédios de aluguel, e isto afasta muitas famílias que poderiam mudar para cá...»34. O principal desdobramento dessa restrita oferta de imóveis para alugar somada à pobreza da maioria dos imigrantes que se estabeleciam na cidade foi o aparecimento de número expressivo de cortiços, mesmo na área central, a mais nobre da cidade.

  • 35 Anno 7, n. 552, 2/1/1902, ao n. 617, 17/8/1902.

51Quanto ao setor comercial nos primeiros anos do século XX, imigrantes italianos de longe se sobressaíram. Para se ter uma idéia da presença marcante nesse setor, levantamos no jornal local O Correio do Jahu35 o número de comerciantes fixados em apenas um quarteirão da Rua Amaral Gurgel, o compreendido entre as ruas Marechal Bittencourt e Rua Edgar Ferraz no ano de 1902. Lá estavam: «Relojoaria», de Rocco Campiglia; «Relojoaria e Ourivesaria», de Caetano Orecchio; «Ao Guaray», de Attilio A. Depetris; «Sapataria da Onça», de Caetano Alegro; «Estúdio Fotográfico», dos irmãos Cantarelli; Funilaria, de José Rossi; «Casa Helênica», de José Attanasio; «Pensão e Casa de Negócio», de Inocêncio Marchesan; «Alfaiataria», de José Romano; «A Pêndula Européia», de Pachoal Senise e «Casa de Câmbio» de Domingos Peccioli.

52Importante atentar para o fato de que, quando do início da chegada em massa de imigrantes italianos, a estrutura urbana de Jaú ainda não havia passado pela remodelação de caráter burguês que visou estabelecer uma divisão diferenciada do espaço urbano. Embora desde os inícios da década de 1890 as elites jauenses já vinham efetuando intervenções no espaço urbano, com vistas a construírem a cidade de acordo com parâmetros europeus, foi só a partir de 1908, com a elaboração e implementação de um novo código de posturas que foi efetivado um espaço aristocrático concentrado principalmente nas Ruas Major Prado e Edgard Ferraz. Portanto, imigrantes que se fixaram na cidade em período anterior à remodelação urbana, mesmo com minguados recursos, puderam alugar, comprar ou mesmo construir suas moradias nos quarteirões centrais da cidade.

53Pelas especificidades de morar na cidade, o convívio de imigrantes com representantes da sociedade local foi inexorável. Como já foi visto na avaliação de Alberto Barbosa acima citada, a chegada em massa de imigrantes na cidade incomodou a sociedade local. Contudo os estranhamentos foram mútuos e conflitos emergiam pelos mais diferentes motivos. Certamente, a maior aversão para um europeu foi compartilhar o mesmo espaço com negros e mulatos, não só pela cor, mas também pelos hábitos culturais africanos. Somava-se a isso, o preconceito em relação ao ex-escravo resultante do escravismo inerente à própria sociedade branca de origem brasileira, que prontamente o imigrante assimilou.

54Apesar da chegada em massa de imigrantes à cidade ter provocado reações negativas na sociedade hospedeira, a necessidade dos mais diferentes serviços que os imigrantes disponibilizavam, permitiu que fossem absorvidos por todos os poros daquela sociedade. Além disso, as relações de vizinhança e os contatos do dia-a-dia faziam que, aos poucos, as distâncias sociais e culturais entre imigrantes e a sociedade que os abrigava fossem sendo amainadas, e desse modo, com o fluir do tempo, o forasteiro deixou de ser estranho.

55Casamentos interétnicos, ao conduzirem imigrantes italianos para o interior de famílias brasileiras levam os cônjuges a exporem entre si, com maior visibilidade, seus valores e costumes, a saber, suas diferenças, e por outro lado, o convívio diário criava um espaço para as trocas culturais, configurando-se em um dos principais vetores de transformação da sociedade acolhedora. A inclusão de imigrantes italianos em famílias brasileiras por meio de casamentos, até mesmo em meio às elites, não foi incomum nesse primeiro momento da chegada de imigrantes italianos. A documentação disponível como testamentos, inventários e jornais apontam para esse fato.

56Outro fator que facilitou a simbiose das bases culturais de segmentos imigrantes e a sociedade hospedeira foi a alimentação, uma vez que, se os imigrantes italianos foram obrigados a adotarem o arroz feijão em face da maior oferta e preço mais acessível desses produtos, segmentos da sociedade hospedeira foi sendo conquistada pelos novos sabores de pratos trazidos do velho continente. Com hortas nos fundos dos quintais os italianos plantavam verduras até então desconhecidas pela sociedade local como a chicória, a berinjela, a beterraba, a alcachofra, o rabanete, etc. Alguns imigrantes fizeram dessas hortas o seu ganha pão: saiam pelas ruas com cestas vendendo suas hortaliças.

  • 36 Commercio do Jahu, anno IV, n. 670, 19/08/1914, p. 2.

57A conquista do paladar também se deu numa outra ponta: com a sofisticação de costumes através de segmentos mais diferenciados da sociedade local. Em 1914 um italiano abriu um restaurante denominado «Bar Itália» que passou a ser um espaço de integração entre as elites locais e italianos vencedores. Articulista do jornal local destacava este ponto como «sendo um estabelecimento na altura do progresso local e que conta inúmeros “reserveés” (sic) completamente isolados, próprios para exmas famílias, e servidas por pessoas práticas e escrupulosas»36. Há informação que nesse bar era servida a pizza napolitana.

58Para finalizar podemos dizer que a chegada do imigrante italiano e a simbiose desencadeada com sociedade hospedeira filtrou matrizes culturais construídas historicamente por ambos segmentos e criou uma dinâmica em que as diferenças foram sendo mediadas. As fronteiras que a princípio delimitavam as duas comunidades, tornaram-se movediças e a doação e recepção de formas culturais foram configurando uma nova sociedade. E embora a documentação consultada não mencione em nenhum momento a chegada dos imigrantes italianos como uma invasão, uma vez que a fixação deles na cidade foi um processo que durou praticamente cinquenta anos. Porém, pela expressividade numérica e transformações que provocaram na sociedade hospedeira, bem como pela reação negativa que seus representantes manifestaram ao longo do período, fica patente o sentimento de perda do controle das bases culturais da comunidade original. Por estas razões, certamente, sem usarem a expressão, o sentimento que esta sociedade sentiu com a chegada em massa de imigrantes italiano foi de uma invasão.

Qual foi o impacto para o Brasil com a chegada dos imigrantes?

Em pouco tempo, a grande demanda por escravos acabou os transformando em uma mercadoria de alto valor que encurtava o lucro dos cafeicultores. Dessa forma, o emprego da mão de obra imigrante europeia se transformou na alternativa mais barata e viável.

Quais foram as consequências com a chegada dos imigrantes?

Isso gera o chamado subemprego, trabalho mal remunerado e muitas vezes situações perigosas de trabalho e faz crescer a insatisfação da população local, que se sente prejudicada nesse processo que tem como característica o aumento do desemprego entre brasileiros.

O que os imigrantes recebiam de incentivo para vir para o Brasil?

O governo brasileiro pagava a passagem dos imigrantes em navios a vapor, lhes prometia salários e casas, algo que não era cumprido. Os estrangeiros receberam incentivos, como a propriedade da terra e cidadania. Foi assim que surgiram na região sul cidades como Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves.

Como os imigrantes contribuíram para o povoamento do Brasil?

A criação das colônias estimulou o trabalho rural. Deve-se aos imigrantes a implantação de novas e melhores técnicas agrícolas, como a rotação de culturas, assim como o hábito de consumir mais legumes e verduras. A influência cultural do imigrante também é notável.