Quantas empresas multinacionais saíram do Brasil?

Saída de empresas estrangeiras acontece por deficiências de infraestrutura e estagnação econômica, mesmo com o mercado consumidor de mais de 200 milhões

João Sorima Neto e Cássia Almeida

17/01/2021 - 04:30 / Atualizado em 18/01/2021 - 07:29

Quantas empresas multinacionais saíram do Brasil?
Fechamento das fabricas da Ford no Brasil. Trabalhadores protestam Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

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RIO e SÃO PAULO -  A decisão da Ford de não mais fabricar veículos no Brasil — a produção totalmente nacional vinha desde a década de 1950 — surpreendeu empregados e até o governo, mas não é caso isolado. Nos últimos três anos, pelo menos outras 14 companhias internacionais, da indústria ao varejo — também anunciaram o fim de atividades no país, segundo levantamento feito pelo GLOBO.

Em média, desde 2018, uma estrangeira desistiu do país num intervalo de menos de três meses.

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São empresas de diferentes setores, com estratégias globais distintas, mas que foram afetadas aqui por algo em comum: o ambiente de negócios, marcado pelo complexo sistema de impostos, incerteza jurídica, e a instabilidade política que afeta o câmbio e eleva juros e riscos.

Sem falar nas deficiências crônicas de infraestrutura e na estagnação da economia, que já tinha dificuldades de retomar o fôlego após a recessão iniciada em 2014 quando foi atravessada pela pandemia. As projeções indicam uma retração do PIB de 4,5% no ano passado.

As marcas globais que fecharam operações no Brasil

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Holcim

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Foto: Simone Marinho/Agência O Globo

A CSN acertou a compra de 100% da Holcim (ex-LafargeHolcim) em negócio avaliado em US$ 1,025 bilhão. Maior fabricante de cimento do mundo, o grupo franco-suíço havia anunciado em abril que deixaria o Brasil e previa vender seus ativos no país, que valeriam cerca de US$ 1,5 bilhão (o equivalente a R$ 8,35 bilhões).

Audi

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Foto: Olivier Matthys / Bloomberg

Montadora alemã deixou de produzir o A3 no Paraná, em dezembro de 2020. Cobra do governo créditos tributários do programa Inovar-Auto.

Kirin

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Foto: Tomohiro Ohsumi / Bloomberg

Depois de entrar no Brasil comprando a Schincariol, o grupo japonês vendeu sua cervejaria no país para a Heineken em feveriro de 2021. As perdas no Brasil levaram a matriz ao primeiro prejuízo de sua história. A empresa alegou que seria impossível um negócio “rentável e sustentável no longo prazo”.

Ford

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Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

A montadora americana decidiu fechar as três unidades no país, demitir 5 mil pessoas e vender aqui veículos produzidos na Argentina.

Lime

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Foto: FRANCOIS GUILLOT / AFP

Seis meses depois de desembarcar no Rio e em SP, a americana de aluguel de patinetes encerrou operação no Brasil em janeiro de 2020.

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Mercedes-Benz

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Foto: Andreas Gebert / Bloomberg

A empresa alemã deixou de fabricar carros no Brasil em dezembro de 2020 e só produzirá caminhões.

Kiabi

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Foto: Divulgação

Com duas lojas em SP, marca francesa de roupas do mesmo grupo de Decatlhon e da Leroy Merlin encerrará operação este mês para investir em mercados mais consolidados.

Sony

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Foto: Shizuo Kambayashi / AP

A fabricante japonesa de TVs e câmeras fecha em março a fábrica de Manaus, que foi vendida à brasileira Mondial. Diz que o “ambiente de mercado e a sustentabilidade dos negócios" a levaram a sair do Brasil.

Glovo

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Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

A empresa espanhola de entregas tirou seu app do Brasil em 2019, um ano depois de chegar ao país.

Roche

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Foto: Chris Ratcliffe / Bloomberg

Farmacêutica suíça anunciou, em 2020, o fechamento de sua fábrica com 440 funcionários no Rio em até cinco anos. Quer focar em produtos de alta complexidade.

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Nikon

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Foto: Keith Bedford / Bloomberg

A fabricante japonesa deixou de vender câmeras fotográficas no Brasil em 2018, em meio a uma reestruturação.

Eli Lilly

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Foto: Daniel Acker / Bloomberg

No país desde 1953, a farmacêutica americana informou em 2018 o fechamento da unidade de São Paulo, com cem funcionários, e a transferência da produção para Porto Rico em até três anos.

Walmart

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Foto: David Swanson / Bloomberg

O maior grupo varejista do mundo vendeu 80% de sua operação brasileira a um fundo de investimentos. A decisão, segundo a rede americana, foi parte de um ajuste global.

Fnac

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Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

A rede francesa vendeu as 12 lojas no Brasil à Livraria Cultura em meio à queda de vendas na recessão.

Lush

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Foto: Francesca Volpi / Bloomberg

A marca britânica de cosméticos fechou lojas e fábrica no Brasil em 2018 após quatro anos de prejuízo e se queixou de alta carga tributária, recessão e instabilidade política.

 

Todos esses fatores, que costumam ser resumidos na expressão Custo Brasil, têm reduzido o apelo que o país sempre exerceu por ser um grande mercado consumidor, dizem analistas. Hoje, uma população de mais de 200 milhões de pessoas pode ser atraente para vender produtos, mas não necessariamente para se produzir aqui. O PIB per capita caiu cerca de 9% desde 2014, o que significa redução no poder de compra dos brasileiros.

As indústrias transnacionais, que atuam globalmente, dividem sua produção pelo mundo. Mas a parte mais avançada da tecnologia fica na matriz, observa Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV-SP:

— Se a economia de uma região não cresce e a demanda cai, a empresa encerra a produção ou deixa o país. Não adianta ter um mercado consumidor potencialmente grande se a economia não cresce.

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Antes de anunciar o fechamento de suas três fábricas remanescentes no Brasil, a Ford já tinha baixado as portas da emblemática unidade de São Bernardo do Campo (SP), em 2019, com o fim da produção de caminhões. Agora, vai vender aqui o que produz em países vizinhos, como a Argentina.

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No fim de 2020, a Mercedes-Benz anunciou que deixaria de produzir automóveis na fábrica de Iracemápolis (SP). A Sony decidiu fechar sua fábrica de televisores e câmeras em Manaus em março do ano passado. Vendeu a unidade para a fabricante brasileira de eletrodomésticos Mondial.

Falta inovação

Em 2018, outras duas japonesas desistiram do país. A Nikon, de equipamentos fotográficos, e a cervejaria Kirin, que vendeu sua operação para a Heineken. Nessa revoada também estão os laboratórios Roche, que vai fechar sua fábrica no Rio, e Eli Lilly, que deixou São Paulo.

 No varejo, grandes redes mundiais como Walmart e Fnac também se retiraram. A start-up americana Lime, de patinetes, foi embora em janeiro de 2020, seis meses após desembarcar aqui.

Os investimentos estrangeiros no Brasil caíram 48% entre o primeiro semestre de 2019 e o de 2020, quando somaram US$ 18 bilhões, segundo a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A pandemia impactou o fluxo, diz a Unctad, mas a baixa competitividade do país e a dificuldade de deslanchar privatizações também contaram.

A participação de estrangeiros na compra de empresas no Brasil, que já foi de 50,9% em 2015, caiu para 23,6% em 2020, mesmo com condições favoráveis, como o câmbio, segundo estudo da consultoria PwC.

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O Brasil vem deixando de atrair o interesse de grandes grupos estrangeiros, especialmente na indústria, por falta de competitividade e produtividade, o que é agravado pelo baixo investimento em inovação, diz o professor de Economia do Insper Otto Nogami:

— Nas últimas décadas, o governo não priorizou o investimento em pesquisa e desenvolvimento. Do ponto de vista dos custos, produtividade e competitividade são essenciais para atrair e manter empresas estrangeiras. Hoje, o enfoque é tecnologia. Se não há um ambiente para o desenvolvimento de tecnologia, as empresas saem ou nem vêm.

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Ele avalia que a instabilidade do real frente ao dólar, em boa parte atribuída à falta de sinais claros do governo sobre sua estratégia para controlar as contas públicas e avançar nas reformas estruturais, também é um fator que assusta o capital estrangeiro.

Impede que o investidor tenha previsibilidade, um quesito chave para as empresas. Portanto, não será surpresa se outras grandes estrangeiras saírem em breve, alerta Nogami.

Peso simbólico

A participação da indústria no PIB do país está próxima da de países desenvolvidos como EUA ou Alemanha, explica o gerente executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca. A diferença é que a queda dessa participação por aqui foi muito forte, especialmente na década de 1990, sem que o país tenha um setor de serviços tão desenvolvido, mais focado em tecnologia.

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Para Fonseca, a saída da Ford tem um peso mais simbólico do que de fato impacto no PIB:

— Outras empresas automobilísticas vão ocupar o lugar da Ford. O que preocupa é o fato de várias empresas estarem saindo do Brasil.

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Além do atraso na reforma tributária, a complexidade do sistema e mudanças constantes nas alíquotas de impostos também dificultam planejar investimentos aqui, observa Luis Carlos dos Santos, diretor da Mazars, uma consultoria empresarial.

No início deste ano, o governo de São Paulo aumentou a alíquota de ICMS para veículos novos de 12% para 13,33%. E o imposto subirá para 14,5% em abril.

— Se a empresa já trabalha com margem apertada, um aumento desse tamanho é uma pancada. Para um investidor estrangeiro é fonte de insegurança — diz Santos.

Quantas multinacionais saíram do Brasil?

Desde 2019, pelo menos 13 multinacionais de diversos setores deixaram o Brasil. Há três anos, a montadora Ford anunciou o encerramento de suas atividades na unidade de São Bernardo do Campo (SP).

Quantas empresas deixaram o Brasil?

Piqsels Ao todo, 581 mil empresas fecharam as portas entre 2019 e 2021, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quantas empresas fecharam por causa de Bolsonaro?

Desde 2011 até 2020, a indústria perdeu 9.579 empresas, ou 3,1% do total, aponta a Pesquisa Industrial Anual (PIA): Empresa e Produto 2020. Apenas entre o primeiro e o segundo ano de Bolsonaro (2019/2020), 2.865 empresas encerraram as atividades enquanto Guedes cortejava seus pares no mercado financeiro.

Quantas empresas fecharam no Brasil em 2022?

Pelos dados, mais de 600 mil empresas foram fechadas no Brasil entre maio e agosto de 2022. O movimento de fechamento de empresas já vinha acontecendo desde 2020 e não arrefeceu com a melhora no cenário da pandemia.