Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da Educação Básica

Resumo

Este artigo analisou elementos da Resolução CNE/CP n. 1, de 27 de outubro de 2020, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica, a partir da Pedagogia Histórico-Crítica, que se fundamenta no método Marxiano. Para a fundamentação teórica, utilizou-se estudos bibliográficos de Marx (2003), Mészáros (2005), Netto (2011), Duarte (2021), Martins (2010), Saviani (2021). Considerou-se que a BNC-Formação Continuada supervaloriza as pedagogias do “aprender a aprender”, que servem aos interesses dominantes, corroborando assim com a alienação dos indivíduos. Nessa perspectiva, é urgente se posicionar contra ideários que se colocam a favor de interesses de perpetuação da forma atual da sociedade. Se as concepções de formação continuada de professores direcionam-se ao esvaziamento de uma sólida formação, é necessário pensá-las de forma crítica.

Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da Educação Básica

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Como Citar

Jucilene de Souza Ruiz. (2022). Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica: Uma Análise Crítica. Revista GESTO-Debate, 6(01-24). Recuperado de https://periodicos.ufms.br/index.php/gestodebate/article/view/17184

Celi Nelza Zulke Taffarel
Professora Dra. Titular FACED/UFBA.
Produtividade Pesquisa CNPq.
Coordenadora ANFOPE REGIONAL NORDESTE.

Hoje, domingo, 24 de novembro de 2019, foi publicado na Folha de São Paulo página 19, um texto assinado pelo professor Dr. MOZART NEVES RAMOS, ex-reitor da UFPE, atual membro do Conselho Nacional de Educação, Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, relator do Parecer aprovado por unanimidade, no dia 7 de novembro de 2019, na reunião do Conselho Pleno CNE.

Professor Mozart argumenta no texto publicado pela FSP, que o tema da formação de professores da educação básica é estratégico porque a “formação do professor é determinante para a melhoria da qualidade da educação básica”. Argumenta que está em implementação em todas as escolas brasileiras a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que estabelece “10 competências gerais que os estudantes precisam desenvolver e para que tenham asseguradas o direito as aprendizagens essenciais” e que para isto acontecer “é imperativo inserir o tema formação profissional para a docência, a BNC – Formação no contexto das mudanças que a implementação da BNCC desencadeia na Educação básica”.

Argumenta, também, que o processo da aprovação da BNC-Formação iniciou em 2018 com um documento enviado pelo MEC, que “definiu as competências profissionais docente tendo por base três dimensões: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional … com um conjunto de competências especificas e suas correspondentes habilidades”. Menciona ainda, que a referência inicial foi a Resolução 02/2015 do próprio CNE.

Segue argumentando que “foram realizadas diversas reuniões públicas com os diferentes atores da sociedade vinculados à área da Educação”, e menciona, no sexto parágrafo, que as “matrizes de competências gerais e especificas e suas respectivas habilidades encaminhadas originalmente pelo MEC, foram amplamente discutidas, de modo que “pudessem assegurar ao futuro professor a capacidade de fazer com que seus estudantes desenvolvam as competências necessárias…”.

Defende no parágrafo 7 que o parecer e a resolução apontam estratégias para melhorar “a relação teoria e prática da formação docente e entre as instituições formadoras e as redes do ensino”.

No parágrafo 8 argumenta que o acompanhamento de um docente da instituição formadora e um professor experiente permitirá “o melhor aproveitamento da união entre teoria e prática e entre instituições formadoras e campo de atuação”.

No 9º parágrafo trata da modalidade EaD (Ensino a Distância) e o componente prático de 400 horas, vinculado ao estágio curricular, bem como, as 400 horas de prática como componente curricular serão integralmente presenciais. Conclui que, “parecer e resolução seguem para o MEC para a devida apreciação e homologação”.

Levando em conta o texto assinado pelo professor Mozart, vou demonstrar o que está silenciado, ocultado e invertido. Para tanto vou me valer dos estudos, investigações, debates, lutas dos profissionais da educação, sistematizadas nas propostas da ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação e, também, no manifesto da ANDIFES – através de seu COGRAD – Colégio de Pró-reitores de Graduação -, e do Manifesto intitulado “Contra a descaracterização da formação de professores”, assinado por mais de 30 entidades nacionais, em defesa da Resolução 02/2015 e posicionando-se contra o parecer e diretriz aprovada no CNE e encaminhada ao MEC para homologação.

Com isto quero demonstrar que a elaboração intelectual do professor Mozart é uma elaboração a partir do ponto de vista da classe dominante, empresarial, capitalista. Visa com isto difundir tal ponto de vista como sendo o ponto de vista e a opinião de todas as classes sociais, de toda a sociedade. Visa construir um consenso. Para tanto oculta, silencia e inverte, ou seja, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas últimas em efeitos.

Com sua visão idealista, formal, veiculada na imprensa burguesa, contribui para a alienação e suas formas, a saber social, econômica e intelectual. Contribui para firmar a ideologia da classe dominante, através do ocultamente, silenciamento e inversão. Contribui para firmar os valores, propostas políticas da classe empresarial no campo da Educação no Brasil.

Ao demonstrar o que o professor Mozart, silencia, oculta e inverte, procedendo assim ideologicamente a favor dos empresários da educação, os capitalistas, os fundamentalistas, os obscurantistas que atualmente são hegemônicos no CNE, pretendo defender o que temos de mais avançado de diretriz para formação de profissionais da Educação Básica, a Resolução CNE 02/2015, ponto fundamental da resistência ativa e que necessita ser implementada, consolidada, nas Instituições de Ensino Superior responsáveis pela formação docente.

Para constatarmos a composição atual do CNE, e suas tendências, vamos nos valer do trabalho de Olinda Evangelista, Leticia Fiera e Mauro Titton, intitulado “Diretrizes para formação docente é aprovada na calada do dia: Mais mercado”.

No referido texto, ao responder à pergunta sobre quem escreveu a proposta, os autores levantaram os nomes e as relações com a esfera privada dos membros do CNE. Ao responder à questão sobre que organizações sustentam a proposta, os autores identificaram os vínculos institucionais da Comissão Bicameral com movimentos empresariais, com as organizações do mercado privado das escolas superiores. Denunciam os autores que 19 Aparelhos Privados de Hegemonia estão presentes na Comissão do CNE. Destes, seis são associações representativas dos interesses das escolas privadas. Nestas Redes estão expressas relações sociais, relações de classe, a classe burguesa. São frações da burguesia que através do CNE e de seus principais conselheiros, buscam construir um consenso, consenso este que atualmente se alia com aqueles que pregam o ódio, a violência como política para manter a hegemonia capitalista no país.

O CNE, que hoje tem um perfil composto por empresários da educação, priorizando o setor privado, e vem aprovando normativas que fortalecem a educação a distância, a formação aligeirada, o rebaixamento teórico na formação dos profissionais da educação. No próximo ano, haverá recomposição do CNE com a nomeação de novos membros, e tememos que ao grupo empresarial se juntem conselheiros de perfil fundamentalista com concepções a-cientificas, acríticas e a-históricas.

O Governo Bolsonaro, que completou onze meses, juntamente com seus aliados conseguiu desmontar uma política educacional para formação de profissionais da Educação, construída em mais de 40 anos de luta.

Os ataques a educação durante os governos Temer e início do Governo Bolsonaro estão sendo exaustivamente denunciados através de entidades cientificas, sindicais, Fóruns e Frentes políticas. Para exemplificar podemos mencionar a CNTE, o ANDES-SN, o Fórum Nacional Popular de Educação. As denúncias do desmonte da educação pública, estão presentes em documentos e nos eventos e seus relatórios.

Estes documentos e eventos denunciam os organismos articuladores dos ataques, tanto organismos internacionais como FMI, Banco Mundial, quanto organismos internos.

Infelizmente, a estes organismos soma-se o CNE – Conselho Nacional de Educação. No dia 7 de novembro, o CNE aprovou Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica, desconsiderando completamente as críticas e proposições encaminhadas de forma veemente e reiterada pelas entidades do campo da Educação como ANPED, ANFOPE, ANPAE, ABdC, CEDES e FORUMDIR, que compõem o FNPE, entre tantas outras entidades representativas.

O Professor Mozart Neves em seu texto silenciou sobre o fato de que a Comissão Bicameral de formação de Professores ignorou, secundarizou, desprezou uma concepção importante construída pelo movimento dos educadores ao longo dos últimos 40 anos de luta, em defesa de uma política nacional de formação e valorização dos profissionais da educação. Silenciou, portanto, sobre a própria história do CNE em defesa da educação no Brasil. Silenciou sobre o encaminhamento da maior entidade de educação do nosso país a ANPED que denunciou “A Formação Formatada” na lógica do capital.

Silenciou sobre as denúncias e reivindicações da ANFOPE que reuniu mais de 1000 participantes, em um evento realizado, no período de 16 a 19 de setembro em Salvador, em conjunto com o FORUMDIR, o FORPIBID, o FORPAFOR, manifestas na Carta de Salvador. A Carta de Salvador expressa as denúncias da destruição da educação pública e apresenta demandas e reivindicações do campo da educação no que diz respeito a formação de professores.

Os argumentos do professor Mozart induzem a uma inversão sobre a qualidade da educação básica, colocando nos ombros dos professores a responsabilidade pela aprendizagem, quando sabemos que isto depende de um conjunto de fatores onde pesam: os investimentos públicos, o financiamento público, as condições objetivas, a situação socioeconômica cultural das famílias, o acesso as tecnologias, as carreiras, os salários, e materiais didáticos, a gestão e administração democrática, inclusiva, participativa das escolas. Preferiu enfatizar a responsabilidade do professor silenciando sobre todas as medidas (EC 95/16, a reforma trabalhista, da previdência, as PEC em andamento –Emergencial, Fundos Públicos, Pacto Federativo, a Reforma da Previdência, Tributária, Sindical, as Privatizações, entre outras) que estão sendo adotadas, e que destroem serviços públicos, aprisionam a escola, limitam severamente a atuação dos profissionais da Educação e transferem recursos públicos para o setor privado.

Professor Mozart Neves silenciou sobre os exemplos exaltados para justificar as medidas adotadas no campo educacional no Brasil. Conforme denúncia a professora Helena de Freitas, o CNE oculta que estão sendo levados em conta exemplos fracassados no mundo todo e que estão a gerar revoltas populares com o modelo privatista do Chile, laboratório das políticas neoliberais na América Latina nos tempos pós-ditadura Pinochet. Preferiu levar em conta as experiências da Austrália, berço das políticas neoliberais juntamente com a Inglaterra na era Thatcher, nos anos 90. Desconsiderou os 40 anos de luta dos profissionais da Educação em defesa da educação básica, comprometida com a formação integral das novas gerações.

O Professor Mozart, desconsiderou a necessidade histórica de uma política global de formação, que contemple a formação inicial e continuada, as condições de trabalho, o salário digno e a carreira, sintonizada com as demandas do processo de trabalho pedagógico e as demandas formativas da infância, da juventude e dos adultos. Desconsiderou que é imprescindível a formação inicial e continuada em Universidades, conforme defendem a ANFOPE e o FORUMDIR, para elevar esta formação, visto que é nas universidades onde se materializa a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

É na Universidade onde se exercita a autonomia pedagógica, didática. É na Universidade onde estão localizados os Centro de Educação que são responsáveis pela pesquisa cientifica, acadêmica para produzir conhecimentos na área das ciências da educação e das ciências pedagógicas. É na universidade onde a formação não está desarticulada de um projeto histórico de sociedade que busca a superação da desigualdade, da discriminação, da opressão, da violência e da miséria que toma grande parte de nossas crianças na escola pública.

Com esta aprovação no CNE, a caminho da homologação no MEC, foram ocultadas inúmeras manifestações do campo acadêmico, que denunciam a inadequação das propostas atuais, combatidas em todo o país.

Professor Mozart silenciou, ainda, sobre a Resolução 02/2015, em vigor e em fase de implementação pelas IES de todo o país, que levou anos para ser construída e aprovada e foi desconsiderada frontalmente, apesar de ser mencionada.

O CNE está assim, contribuindo com a degradação de uma profissão. Está assim, colaborando com as demais medidas que já estão sendo utilizadas para destruir a educação pública no Brasil. Esta medida soma-se a todas as outras que pairam sobre os Estados e Municípios, e aprisionam as Escolas na teia privatista, meritocracia, individualismo, competitivismo da política neoliberal, como são: a “escola sem partido”, o denuncismo, as reformas, a BNCC, o sistema de voucher, as avaliações censitários, a militarização, as OS – organizações sociais – para gestar a escola, os cortes orçamentários, os baixos investimentos em educação, a piora das condições de trabalho, contratos precários, carreiras desestruturadas, sem ascensão funcional, sem direito a licença para capacitação ou valorização em função de estudos. Enfim, somam-se medidas que terão consequências catastróficas para a Educação do povo brasileiro.

Com esta aprovação o CNE aprovou de fato a reforma empresarial no campo da formação de professores, reforma que veio sendo detida pela luta ferrenha travada pelos profissionais de educação que, desde o ano de 2003, vem enfrentando o que foi retomado em 2012, em especial pelas forças privatistas organizados em torno do Movimento Todos pela Educação e no Movimento pela Base, hegemonizados pelos empresários da Educação. Tais setores construíram e aprovaram a BNCC, e estão agora implementando esta proposta empresarial em todos os estados brasileiros, consolidando o currículo obrigatório e padronizado, que rebaixa a capacidade teórica dos estudantes. Querem mais os empresários, querem aprisionar os profissionais da Educação com esta proposta de diretriz, descaracterizar e rebaixar sua formação, e assim comprometer a formação das crianças e jovens brasileiros.

Estamos frente a um retrocesso sem precedentes na história educacional brasileira, principalmente se considerarmos as demais medidas provisórias, portarias, resoluções e emendas constitucionais que estão em curso, e as quais devemos resistir.

Estamos sim, combatendo este alinhamento da formação de professores à BNCC, tal como se apresenta no Parecer do CNE, porque isto representa um retrocesso na concepção de formação, com a retomada de proposições derrotadas na década de 1990, pós-LDB, conforme denúncia a professora Helena Freitas, tais como:

  1. rebaixamento na formação teórica dos profissionais da educação;
  2. a desconsideração do que educadores construíram através da ANFOPE sobre o conceito de base comum nacional, conceito este construído pelo movimento dos educadores em luta pela formação de professores desde a década de 70, e que agrega um conjunto de princípios orientadores da organização dos percursos formativos em todas as licenciaturas, e na pedagogia, e contemplados nas DCNs 2015, aprovada pelo CNE e assumida pelas IES desde 2015.
  3. porque secundariza as IES formadoras publicas dos processos de formação continuada, bem como sua entrega preferencial a organizações sociais e fundações empresariais;
  4. porque esta regressão leva a formação a uma concepção de formação continuada de caráter técnico -instrumental, reduzindo o professor a um “prático”, que circunscreve sua formação contínua “alinhada” exclusivamente à BNCC.
  5. porque vai ocorrer desestruturação de carreiras dos profissionais de Educação.

O combate ao empresariamento da Educação, denunciado pelo professor Luís Carlos de Freitas, pode se dar com a resistência ativa a tais políticas, conforme apresentado a título sugestivo, nas páginas 139 a 144 do livro.

O Combate exige também, a participação efetiva, de todos e todas nesta guerra hibrida, nesta guerra de posição, de forma a enfrentarmos e combatermos incansavelmente a tática do silenciamento, ocultamento e inversão que visa construir um consenso em torno do abominável que é a destruição da educação pública, sua privatização e mercadorização. Isto não interessa a classe trabalhadora, pois são interesses da classe burguesa, dominante, e interessa tão somente aos rentistas, capitalistas, imperialistas.

Pela não homologação do parecer e proposta de resolução aprovada no dia 7 de novembro pelo CNE a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica. Pelo apoio e defesa da implementação da Resolução 02/2015, defendida por mais de 20 entidades do campo da ciência, educação e centrais sindicais e construída em mais de 10 anos de debates e formulações conforme demonstra o professor Luís Dourado15 em seu texto intitulado “Diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e continuada dos profissionais da Educação Básica: Concepções e desafios.

Salvador, 24 de novembro de 2019

O que diz a BNC sobre a formação de professores?

Na expressão de Curado Silva (2020, p. 104), a BNC-Formação é a ferramenta para “formar professores para ensinar a BNCC”, ou seja, é a estratégia para tornar viável o modelo de escola, educação e formação que o capitalismo contemporâneo projeta.

O que é a Base Nacional Comum Curricular para educação básica?

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.

O que muda com a base nacional de formação dos professores?

Quais são as principais mudanças que eles propõem? Eles se pautam por uma visão de como deve ser o trabalho docente, com forte ênfase na sua atuação em sala de aula — ou seja, na prática —, baseando-se em três competências centrais: conhecimento profissional, prática profissional e engajamento profissional.

O que diz a BNCC sobre a formação continuada de professores?

A formação inicial de professores deixa lacunas para o exercício da prática pedagógica e a BNCC traz mudanças signifi- cativas na prática de ensino. Para que a formação seja mais efetiva, é importante identificar essas lacunas na sua rede, para priorizar o conteúdo a partir do que é mais grave e urgente.