Durante a Primeira República os movimentos de Canudos e do Contestado

Canudos (1870-97), na região do sertão baiano, e Contestado (1912-16), na área limite entre os estados de Paraná e Santa Catarina, são os dois exemplos mais notáveis de movimentos de caráter religioso e social que incomodaram as autoridades locais, religiosas e federais na República Velha.

CANUDOS

O movimento de Canudos foi liderado pelo beato Antônio Conselheiro e retirou temporariamente o sossego dos coronéis que tiveram sua hegemonia colocada em xeque por um líder religioso que não se submetia às ordens das autoridades locais. Os membros do clero católico também se sentiram prejudicados ao verem o crescimento de um movimento de discurso cristão que não estava subordinado à hierarquia católica. O Conselheiro atacava aberta e publicamente o regime republicano, acusando o novo sistema de ter desvirtuado a religião ao instituir a separação do Estado em relação à Igreja e de ter criado no país a figura do casamento civil.

Os pobres sertanejos, abandonados pelo governo e vitimados pela seca e pela exploração dos latifundiários locais, eram seduzidos pelo discurso de Conselheiro, que pregava a existência de um mundo melhor. O desafio contra o sistema republicano foi respondido com quatro expedições militares que envolveram cerca de dez mil soldados e modernos armamentos Krupp de fabricação alemã, contra os sertanejos. Além do escritor brasileiro Euclides da Cunha, que publicou o célebre Os Sertões, sobre a guerra de Canudos, o escritor peruano Mario Vargas Llosa descreveria em A Guerra do Fim do Mundo o cenário apocalíptico de matança na região.

Durante a Primeira República os movimentos de Canudos e do Contestado

CONTESTADO

O movimento do Contestado, que recebeu este nome por ter ocorrido em uma área contestada entre os governos do Paraná e de Santa Catarina, apresentou os mesmos sintomas e reações repressivas por parte do governo republicano. Os beatos João Maria e José Maria advogavam o retorno de D. Sebastião, monarca português desaparecido na batalha do Alcácer-Quibir em 1578, como o sinal de que os caboclos deveriam aguardar um mundo melhor. A repressão se fez sentir em proporções parecidas com o episódio de Canudos, mas, desta vez, contando com o emprego de aeronaves contra os caboclos do contestado.

É interessante estudar como estes movimentos eram tratados pelos seus contemporâneos, recebendo, através dos órgãos de imprensa, denominações pejorativas e acusatórias, que os qualificavam como “fanáticos” ameaçadores da ordem republicana. A finalidade de designar os movimentos sociais e religiosos meramente como “movimentos de fanáticos” era desqualificar os envolvidos na revolta, ressaltando a importância de eliminar focos que, de modo fantasioso, eram tratados como “monarquistas” ou ameaçadores à ordem republicana.

CANGAÇO

No rastro dos movimentos sertanejos desta época, verificamos o florescimento de uma manifestação chamada de “banditismo social” ou, como é mais conhecido, cangaço. Os cangaceiros eram indivíduos que viviam à margem da lei e da autoridade no interior nordestino, região pobre em que o poder público somente se fazia presente através do coronelismo. O chamado “rei do cangaço”, Lampião, vivia de ousadas ações de assaltos, saques e venda de proteção para coronéis locais que não gozavam de uma força de jagunços que pudesse fazer frente aos cangaceiros. O cinema brasileiro homenageou Lampião no belo Baile Perfumado, com trilha sonora do compositor pernambucano Chico Science.

As tropas volantes do governo, apelidadas de “macacos” pelos cangaceiros, enfrentaram os bandos de Lampião, Corisco e outros famosos cangaceiros até meados da década de 1940, quando o cangaço foi totalmente desarticulado. A violência, contudo, vinha de ambas as partes. Não era incomum as forças do governo exibirem publicamente os cadáveres e as cabeças decepadas dos cangaceiros em praça pública, inclusive sendo este o destino de Lampião e Maria Bonita.

Durante a Primeira República os movimentos de Canudos e do Contestado

REVOLTAS DA VACINA E DA CHIBATA

No Rio de Janeiro, capital da República, o movimento social esteve associado com o projeto da elite brasileira de tornar a cidade uma nova Paris. Há um século a capital da República enfrentava uma série de epidemias e moléstias que ameaçavam a vida da população e desafiavam o poder público.

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Em 15 de novembro de 1902, Francisco Rodrigues Alves tomou posse da presidência, iniciando uma série de medidas para a modernização do Distrito Federal, tido então como “túmulo de estrangeiros”. O presidente, apelidado de “soneca”, nomou o engenheiro Pereira Passos para a prefeitura do Rio de Janeiro e o médico Oswaldo Cruz para a diretoria de Saúde Pública, o equivalente a uma pasta ministerial.

Durante a Primeira República os movimentos de Canudos e do Contestado

Pereira Passos, que testemunhara a abertura dos boulevares parisienses por Eugene Haussmann, iniciou sua gestão alterando o panorama do centro da cidade: as ruelas cederam espaço para as grandes avenidas, dentre as quais a Central (atual Rio Branco), o que justificaria os epítetos de “prefeito do Bota-abaixo” e “Haussmann dos trópicos”.

Oswaldo Cruz ingressara na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro com a surpreendente idade de quinze anos. Em 1900, foi indicado por Émile Roux, chefe do prestigioso Instituto Pasteur, ao presidente Campos Salles, para o Instituto Soroterápico de Manguinhos. Seu precoce talento despontou para as autoridades ao exterminar a peste bubônica em Santos, o que lhe rendeu a direção de Manguinhos ainda com trinta anos.

Como diretor de Saúde Pública, apresentou ao presidente Rodrigues Alves a estratégia cubana para erradicar o vetor da febre amarela: eliminação do mosquito transmissor, através da inspeção dos imóveis na cidade, tratamento adequado dos doentes em hospitais e aplicação de vacina em massa.

Contudo, os cerca de 2.500 mata-mosquitos que iniciaram o combate contra o inseto enfrentaram um inimigo mais resistente: a própria população do Rio de Janeiro. A requisição de força policial para acompanhar os agentes de saúde era fato corriqueiro.

O decreto de junho de 1904, que instituiu a vacinação obrigatória, era rotulado de draconiano e abusivo pelos opositores. O governo não lançou mão de campanhas publicitárias ou de recursos para o esclarecimento da questão. Rui Barbosa, o ícone dos bacharéis de Direito, em extenso libelo no Senado, afirmou que “assim como o direito veda ao poder humano invadir-nos a consciência, assim lhe veda transpor-nos a epiderme”.

A honra da família também era colocada em xeque: como o homem do início do século XX poderia tolerar que o poder público, amparado na lei, invadisse seu foro íntimo, colocando em risco o que havia de mais sagrado em seu lar? A ingerência de estranhos no ambiente privado ameaçaria a boa reputação das esposas e moças de família. Um contemporâneo reclamou que “a messalina entrega-se a quem quer, mas a virgem, a esposa e a filha terão que desnudar braços e colos para os agentes da vacina”?

Os seguidores do positivismo ortodoxo, reunidos no Apostolado, denominaram pejorativamente a política de Oswaldo Cruz como “depotismo sanitário”, pois atentava contra a teoria microbiana de Comte e interferia na esfera de saúde pública, estritamente limitada ao poder espiritual. O Centro das Classes Operárias e os cadetes da Escola Militar, numa inusitada confluência de opiniões, também se manifestaram contra o decreto. Uma “Liga contra a Vacina Obrigatória” chegou a ser constituída e advogava resistência “até mesmo à bala”.

Em novembro de 1904, as manifestações contra a vacinação se transformaram em ameaça à ordem social e até mesmo em rumor de golpe de Estado. O presidente impõe estado de sítio e as comemorações de 15 de novembro são canceladas. O governo, entretanto, apela para uma tática eficaz: a exigência do atestado de vacinação para praticamente tudo – matrículas em escola, emprego, hospedagem, viagem, casamento, voto –, obrigando o cidadão comum a se submeter aos desígnios da higiene pública. No final, a febre amarela, a varíola e a peste bubônica foram erradicadas do Rio de Janeiro, apesar da população.

Durante a Primeira República os movimentos de Canudos e do Contestado

Ainda na capital, em 1910, durante a presidência do marechal Hermes da Fonseca, estourou a revolta dos marinheiros da Armada, denominada de Revolta da Chibata. A Armada brasileira, apesar de ser uma das mais modernas do mundo na época, mantinha um arcaico código de disciplina que remontava à época do Império e previa castigos corporais como forma de punir faltas e infrações. A terrível chibata, que feria e humilhava os marujos, foi a gota d‘água para uma revolta que quebrou o que há de mais sagrado entre os militares, a hierarquia. O motim causou a morte de oficiais que resistiram aos marujos e colocou o governo Hermes da Fonseca sob a mira dos poderosos canhões dos navios da Armada.

O líder do movimento, João Cândido, apelidado de “almirante negro”, deixou bem claro às autoridades que o movimento não tinha finalidade política e que os marujos reivindicavam apenas a revogação dos castigos previstos pelo Código de Disciplina e uma anistia que atendesse aos revoltosos. Rui Barbosa foi o responsável pela feitura do anteprojeto de lei que o Congresso aprovou, extinguindo os castigos corporais e prevendo a anistia pedida. Os revoltosos, após entregarem os navios, contudo, foram presos pelo governo que os puniu severamente. A maior parte dos envolvidos na revolta foi enviada para a Ilha das Cobras, Acre ou Fernando de Noronha, onde acabariam morrendo. Ironicamente, João Cândido, líder dos revoltosos, sobreviveria para contar posteriormente sua versão dos fatos.