Quais avanços no campo social podemos encontrar na Constituição de 1988?

Introdução

O presente trabalho se propõe analisar os avanços trazidos pela Constituição Brasileira de 1988 em termos de reconhecimento e garantia de direitos humanos fundamentais em especial, a possibilidade trazida pelo Texto Constitucional, por meio da chamada cláusula de abertura constitucional, de reconhecer que o rol destes direitos elencados no Documento Constitucional é meramente exemplificativo, o que faz com que os tratados de direitos humanos a que o Brasil faça a adequada adesão estendam as estruturas de proteção e reconhecimento de direitos, apontando hoje, inclusive, para a possibilidade de um diálogo entre Cortes, no caso O Poder Judiciário brasileiro e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no incremento de possibilidades protetivas no âmbito nacional e internacional, conforme se verá adiante.

Ainda que muitos estudiosos apontem que a Constituição de 1988 tenha entrado em vigor na contramão de movimentos em escala mundial, especialmente na perspectiva econômico-financeira, as melhorias por ela trazidas não deixaram de ocorrer. É certo que a globalização, singularmente na dimensão econômica neoliberal vigente no Brasil no período, chocava-se com um Texto Constitucional que fundava, pela primeira vez, o Estado Social e Democrático de Direito no Brasil. Não obstante, apesar do embate contínuo com os interesses do capitalismo financeiro mundial, é possível perceber avanços trazidos pela Constituição em termos de direitos humanos fundamentais.

A partir do exposto é que, para esta análise, lançou-se mão do método histórico-dialético a fim de perceber como as estruturas constitucionais, que em última análise são também estruturas de dimensão política, se desenvolveram em uma perspectiva de tensionamento, especialmente entre os valores liberdade e igualdade material, até o momento atual que aponta para o constitucionalismo contemporâneo, também conhecido como neoconstitucionalismo ou constitucionalismo de direitos, no qual se insere o Texto Constitucional brasileiro.

A Constituição de 1988 sem dúvida sofreu os fortes impactos da globalização em sua dimensão econômica neoliberal. É fato que os direitos de cunho social, econômico e culturais se fragilizaram em suas possibilidades de implementação, embora os esforços de uma doutrina constitucional emancipatória, que constrói uma argumentação jurídica no sentido da plena concreção de alguns destes direitos humanos fundamentais que se encontram estreitamente vinculados a existência digna da pessoa, tais quais o direito à educação e à saúde.

Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que a globalização contribuiu positivamente para um fortalecimento da esfera internacional protetiva dos direitos humanos e, ao menos neste aspecto, acabou por incentivar o alargamento e abertura dos Documentos Constitucionais, como a Constituição Federal de 1988, que passaram a abrigar dispositivos que estendem os catálogos internos de previsão de direitos também aos mais diversos dispositivos de previsão e proteção dos direitos humanos, ensejando assim a necessidade de construção de um diálogo produtivo entre as órbitas internas (constitucionais) e externas (sistemas internacionais de proteção) para a melhor defesa daqueles direitos.

A Constituição de 1988 inserida no constitucionalismo contemporâneo

Chama-se de Constitucionalismo o movimento de ordem teórica, cultural, política e jurídica que, em meados do século XVIII, vai desaguar na tomada de consciência de que os Estados devem passar a estar organizados por meio de Constituições escritas que instrumentalizem o princípio do governo limitado. A preocupação central dos primeiros Textos constitucionais escritos era, naquele momento, a de equilibrar Poder e Liberdade, traçando limites ao exercício do poder político do Estado e reconhecendo limites à atuação deste por meio dos direitos fundamentais de liberdade, (liberdade de política, liberdade de existência, liberdade econômica), do direito à vida e, também, à propriedade privada. Aqui, pela primeira vez, o homem, em sentido universal, aparecerá como sujeito de direitos. Conforme esclarece Fioravanti (2007, p. 86), é possível entender o constitucionalismo como o conjunto de doutrinas que se dedicaram a recuperar no horizonte da constituição dos modernos o aspecto de limite e garantia. Nesta perspectiva a constituição escrita instrumentalizaria a ideia hipotética de um antigo contrato social estabelecido pelos indivíduos para instituir uma lei por meio da qual fosse possível estabilizar a vida e as posses e criar condições para dar forma aos direitos individuais.

Neste contexto, de constitucionalismo moderno, ocorre a ascensão das primeiras Constituições escritas, que organizaram juridicamente a evolução do modelo liberal de Estado de Direito, após a derrocada dos regimes absolutistas. Estas primeiras Constituições escritas, como faz exemplo a Constituição Americana de 1787, estavam preocupadas, conforme já afirmado, em organizar um modelo de Estado com poderes limitados e neste aspecto passaram a adotar a teoria da separação de poderes e a preocupar-se em proteger os mais variados aspectos da liberdade individual, bem como da propriedade privada. O desenvolvimento do constitucionalismo moderno de cunho liberal estaria então vinculado ao desenvolvimento do positivismo jurídico e de um modelo político de Estado no qual se desenvolveu o liberalismo (político e econômico) instrumentalizados por uma racionalidade de cunho político formal.

Embora também possa se compreender o constitucionalismo como um movimento único, centrado na ideia de limites ao poder e garantia da livre autonomia do indivíduo é possível reconhecer, no entanto, a existência de diferentes nuances no seu desenvolvimento. Assim se poderia falar, além de um constitucionalismo moderno liberal, também em um constitucionalismo com nuança social. Especialmente a partir do fim da primeira Grande Guerra, o constitucionalismo paulatinamente irá alterar-se para abrigar novos direitos, os direitos sociais, econômicos e culturais demarcando os contornos de um modelo de Estado que, para além de preocupar-se com as liberdades- autonomia, começa a se preocupar com a ideia da igualdade material e com a busca da justiça social, se estabelecendo assim com características diferenciadas em relação ao modelo anterior. A Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição da República de Weimar de 1919 são símbolo do início destas mudanças. Não obstante, apenas ao fim da Segunda Grande Guerra é que as Constituições iniciam uma trajetória de centralidade e importância em relação ao seu papel no sistema jurídico. O fim da Segunda Guerra, marca também o período de desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos, este fato obviamente não ocorreu uma mera coincidência.

O papel desempenhado pelos Textos Constitucionais após a Segunda Grande Guerra, nos países de tradição continental como Alemanha, Itália, Espanha, Portugal etc., tem assumido uma função diferenciada. É possível afirmar que as Constituições do constitucionalismo liberal, que desempenhavam um papel de garante da liberdade estabelecendo, principalmente, mecanismos de contenção de poder e organização do Estado, foram paulatinamente substituídas por Constituições que, para além da função de equilibrar poder e liberdade, assumem também a possibilidade de funcionar de maneira não apenas a descrever, mas essencialmente a prescrever determinadas condutas, valores e políticas que necessariamente deverão ser realizadas e implementadas porque estatuídas por meio de princípios como normas jurídicas. A abertura das Constituições contemporâneas, por meio do abrigo de princípios normativos, coincide com um movimento de centralidade operado pelos ordenamentos constitucionais atuais em relação ao sistema jurídico. Não é incorreto afirmar que o papel de primazia ocupado pelas Constituições hoje, reserva, dentro do próprio Texto constitucional, um papel de centralidade em relação aos direitos fundamentais.

Neste diapasão não cabe mais pensar em constitucionalismo, ou no papel desempenhado pelas Constituições contemporâneas senão na perspectiva de que o próprio Direito se encontra comprometido com valores e opções políticas em um sentido emancipatório de realização das prerrogativas inerentes aos direitos fundamentais e à dignidade humana. É necessário entender que para definir ou conceituar o Direito, hoje, é preciso tomar em conta que este deve estar conceitualmente ligado à realização de determinados valores morais, no cumprimento de determinadas finalidades, que ultrapassam o valor segurança jurídica, sem, no entanto, desconhecê-lo. O Direito deve cumprir uma função emancipatória, estando comprometido com a realidade complexa da qual ele surge e para a qual ele retorna a fim de melhorá-la. A realidade normativa dos princípios, hoje elevados à categoria de princípios constitucionais, exige uma nova compreensão de sentido que se deve atribuir ao Direito. Os direitos humanos fundamentais em seu apelo às considerações morais e éticas constituem a própria concepção de Direito como sistema jurídico. Assim, consoante Carvalho Neto e Scotti (2011, p. 99), as afirmações de liberdade e igualdade, os direitos fundamentais, constituem a própria forma do Direito, que não pode comportar qualquer ordem ou conteúdo de legalidade que não guarde profunda conexão com a democracia.

As Constituições contemporâneas e o Direito como um todo, se encontram comprometidos com a realização de correção material e de justiça e assim não se pode, atualmente, compreender o constitucionalismo sem considerar a sua estreita ligação com a democracia e com a afirmação dos direitos humanos fundamentais1. Neste sentido, as Constituições contemporâneas, para além de estabelecer as regras do jogo político e a organização do Estado, estão comprometidas indissociavelmente para com o princípio da dignidade da pessoa humana. As Constituições se transformam em instrumentos de emancipação e transformação da sociedade em uma dimensão mais livre, justa e solidária.

Assim, os direitos humanos fundamentais encontram o seu lócus natural nas Constituições, e passam a ser abrigados em todas as suas gerações/dimensões e com um caráter inicial de universalidade. Esta característica de universalidade, no entanto, significa apenas e tão somente que estes direitos se dirigem a todos indistintamente, mas não toma o sentido de que sejam protegidos todos da mesma forma e num único padrão em relação às órbitas constitucionais dos Estados concretos e determinados, sem tomar atenção ao respeito às identidades culturais de cada Estado.

O constitucionalismo contemporâneo ou ainda constitucionalismo de direitos, demarca assim a completude da trajetória de centralidade das Constituições no sentido de ocuparem o lócus mais importante da ordem jurídica que, se inicia ao fim da segunda Grande Guerra, muito em função da perplexidade diante da subalternização da noção de dignidade da pessoa humana e das atrocidades perpetradas naquele contexto. As Constituições começam a abrigar os valores e opções políticas da comunidade por meio dos princípios que paulatinamente ganharão o reconhecimento de seu caráter normativo.

A função do Direito, principalmente, a função das Constituições, deixará de ser apenas a organização do Estado e passará a ter, como eixo estruturante, o reconhecimento e proteção dos direitos humanos fundamentais em todas as suas gerações/dimensões. O Direito, por intermédio do próprio Direito Constitucional, aparecerá comprometido com o único fim que lhe justifica a existência. Para além da segurança jurídica, o Direito estará comprometido com a pretensão de realização de justiça ou de correção material.

A dignidade da pessoa humana passa a ser o norte que conduza criação e instrumentalização das Constituições. A Constituição Brasileira de 1988 introduz o Brasil na perspectiva do constitucionalismo contemporâneo. O espaço de centralidade que os direitos ocupam no texto, chegando a ser reconhecidos como limites materiais às possibilidades de reforma da Constituição (art. 60, §4º, IV)2, apontam para a especial dignidade de reconhecimento normativo dos mesmos e indica a vinculação de todos os Poderes Instituídos no sentido de atuarem para concretizar a eficácia dos mesmos na realidade concreta.

A Constituição Brasileira de 1988 e o papel central reservado aos Direitos Humanos Fundamentais – A Constituição Cidadã

“Só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa. Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.”

(Trecho do discurso de Ulisses Guimarães na promulgação da Constituição Federal de 1988).

A adjetivação do caráter de cidadania à Constituição de 1988 encontra sentido na compreensão do próprio termo. Assim, para Pinski (2014, p. 9), “ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: e, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos”. No entanto, é necessário também ter direitos sociais, diz o autor, como direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde”. Nesse sentido, a cidadania só se completa pela efetiva soma de direitos civis, políticos e sociais. E isso se deu historicamente, ou seja, seu conceito se construiu ao longo de um processo histórico.

O sociólogo liberal inglês Thomas Humphrey Marshall (1977), em sua obra Cidadania, classe social e status, de 1949, é tido como um dos grandes ícones quando se trata do conceito de cidadania, mesmo que a ele atualmente caiba diversas críticas. Para esse autor a cidadania se desenvolveu primeiro na Inglaterra, tendo os ingleses primeiro conquistado os direitos civis no século XVIII, depois os políticos, no século XIX e os sociais, no século XX. Para ele, o Estado é o eixo central para a aquisição da cidadania.

No Brasil, segundo José Murilo de Carvalho (2008), a sequência de Marshall foi invertida, aqui primeiro vieram os direitos sociais, depois os políticos, e por último os civis. E podemos perceber que isso se reflete no curso das Constituições ao longo de nossa história, ainda que, em grande medida, só podemos aplicar o pensamento de Carvalho (2008) para o século XX, a partir da Revolução de 1930, quando para ele são “doados” pelo Estado os direitos sociais.

Em matéria de direitos políticos, a Constituição Federal de 1824, regulou-os, e concedeu a todos os homens com mais de 25 anos e uma renda mínima de 100 mil-réis, o direito de votar. As mulheres e os escravos estariam excluídos. Para Carvalho (2008, p. 30), o critério de renda não excluía a maioria das pessoas, já que grande parte da população ganhava mais de 100 mil-réis ao ano. E a lei ainda permitia que os analfabetos votassem. Segundo o autor, apesar de ser esta uma legislação liberal, o exercício do voto não se dava de maneira clara e tranquila e estava dominado por um jogo político de interesses de uma elite rural.

A partir de 1881 o voto tornou-se direto e a renda subiu para 200 mil-réis, e excluiu os analfabetos. Esse retrocesso perdurou mesmo depois de proclamada a República, pois só alterou excluindo o critério de renda mínima.

No período imperial não há como falar de direitos civis, pois a presença do instituto da escravidão não permite. No entanto, mesmo com a abolição em 1888 e a proclamação da República, a precariedade de direitos civis, políticos e sociais permanece.

A partir de 1930 houve uma ampliação dos direitos sociais, especialmente no que diz respeito a conquistas trabalhistas, que culminaram com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. Entre 1946 e 1964 foram mantidos os direitos sociais e garantidos a ampliação de direitos políticos, ainda que muitas ressalvas devem ser feitas em relação a essas questões.

Finalmente chegamos à Constituição de 1988, considerada a mais avançada em termos de direitos humanos fundamentais e por isso mesmo chamada de Constituição Cidadã. Para Carvalho (2008), esta Constituição ampliou os direitos políticos estabelecendo a universalidade do voto; ampliou os direitos sociais, mesmo com grandes resistências das imensas desigualdades existentes no país; e, restabeleceu os direitos civis, com destaque à liberdade de expressão e de imprensa.

Nesse sentido é que o presente estudo pretende, a partir da análise da fonte, a Constituição Federal de 1988, trazer para a reflexão especialmente os avanços percebidos em praticamente trinta anos de vigência do Texto Constitucional.

Os avanços trazidos pela Constituição de 1988 em termos de Direitos Humanos Fundamentais e o papel de centralidade que os mesmos ocupam no Texto Constitucional

Conforme já afirmado, o Brasil inaugura a fase contemporânea do desenvolvimento constitucional com a promulgação do Texto Constitucional de 1988. A Constituição brasileira de 1988 foi a primeira a proclamar o princípio normativo da dignidade humana, por intermédio do qual se deve interpretar e aplicar todo e qualquer direito fundamental nela previsto. O Texto Constitucional consagra a ideia de um Estado Constitucional e Democrático de Direito que tem por um dos seus objetivos, conforme o artigo terceiro da mesma em seu inciso I, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I)3.

Assim, a Constituição brasileira de 1988, ao introduzir o Brasil no Constitucionalismo contemporâneo, será uma das mais avançadas Constituições existentes em termos de reconhecimento e garantia de direitos. Não por outro motivo, ao ser promulgada em 05 de outubro de 1988, foi denominada de Constituição Cidadã, por Ulisses Guimarães, então presidente do Congresso Constituinte.

O Texto Constitucional acolhe com centralidade e significativamente, uma gama extensa de direitos humanos fundamentais, sob a égide do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Direitos humanos fundamentais abrigados na qualidade de direitos de defesa, essencialmente direitos de liberdade, participação política, e as respectivas garantias individuais e coletivas (habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular, habeas data, etc.), e também direitos prestacionais que se reconhecem como direitos sociais, econômicos e culturais e direitos difusos, como a proteção ambiental, prevista expressamente pela primeira vez no artigo 2254 do atual Texto.

Neste diapasão seria importante remarcar que a Constituição de 1988 determinou, pela primeira vez na história constitucional brasileira, a criação normativa para a proteção dos direitos do consumidor (CF, art. 5º, XXXII) e assim, em 1990 nasce o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90.

Os direitos dos trabalhadores (CF, art. 7º), os direitos de nacionalidade (CF, art. 12), os direitos políticos (CF, art. 14), entre vários outros, ocupam posição de destaque no Texto sendo que todos os direitos nele previstos são considerados limites materiais à possibilidade de sua reforma e, portanto, não podem ser eliminados por uma reforma constitucional (CF, art. 60, §4º, IV – cláusulas pétreas).

A Constituição de 1988 fez avançar também a doutrina constitucionalista, visto que a doutrina tradicional firmou posição no reconhecimento de que apenas os direitos fundamentais de defesa (essencialmente direitos de liberdade), por terem aplicação direta e imediata, gerariam verdadeiros direitos subjetivos capazes de colocar o indivíduo na posição de sindicar perante o Poder Judiciário a reparação de sua eventual violação. No caso dos direitos sociais prestacionais, a doutrina tradicional insistia em afirmar a ausência da sua eficácia quanto a uma aplicação direta e imediata, fazendo com que deles não resultasse possibilidade de reconhecimento de verdadeiro direito subjetivo capaz de levar o sujeito a bater às portas do Judiciário exigindo o cumprimento da contraprestação faltante por parte do Poder Público. No entanto, hoje a visão mais avançada do neoconstitucionalismo entende que não há mais que se falar na categoria de normas meramente programáticas (sem eficácia de gerar um direito público subjetivo) em relação aos direitos prestacionais. Ao contrário, estes também instituídos por meio de norma princípio, exigem um desenvolvimento e atuação do legislador e do administrador no sentido de sua implementação concreta. É o modelo prescritivo de Constituição.

Na perspectiva do constitucionalismo contemporâneo, na qual se insere o Texto de 1988, todo e qualquer direito fundamental estabelece uma posição jurídica fundamental, se constituindo ao mesmo tempo de dimensões positivas e de defesa. Ainda em tempo, é bom esclarecer-se que a tradicional argumentação de que os direitos fundamentais sociais, por implicarem geralmente um custo (uma dotação orçamentária) para a sua concreção, estariam sempre na dependência de uma análise da conjuntura econômico-financeira do Estado e que, consequentemente, não haveria legitimidade do Judiciário no sentido de determinar a sua execução compulsória pelos Poderes Públicos, se enfraquece paulatinamente. Este tipo de argumentação levou a doutrina tradicional a elaborar o conceito da “reserva do possível” em termos de restrita possibilidade de efetivação de muitos daqueles direitos, portanto, engessando-os. O princípio da reserva do possível carrega a ideia de que em situações de crise econômico-financeira, se justificaria o corte nas políticas públicas que visam implementar os direitos sociais (geralmente portadores de um “custo” para sua concreção). Hoje já se compreende que todo e qualquer direito fundamental implica em um “custo” (neste sentido a própria liberdade de locomoção), e a nova visão dos direitos fundamentais na perspectiva atual, faz aparecer o conceito de “mínimo vital” (SARLET, 2004). Em outras palavras, existirão determinados direitos fundamentais prestacionais ligados diretamente à ideia de mínimo existencial, que por sua vez está vinculada à noção de dignidade da pessoa humana. Assim, quando aquela contraprestação for considerada essencial para a realização da existência digna, não há que se falar em custo, o Estado tem obrigação de arcar com a contraprestação e o Judiciário tem papel relevante ao intermediar tal concreção.

A perspectiva do constitucionalismo contemporâneo, adotada pela atual Constituição brasileira, ainda nos leva à compreensão de que a centralidade assumida pelos direitos fundamentais na Constituição exige uma interpretação diferenciada dos mesmos. Assim, noções como a de eficácia privada ou horizontal destes direitos (no sentido de que geram eficácia e portanto também vinculam os indivíduos nas relações interprivadas restringindo a autonomia de vontades), a proibição do retrocesso social (na perspectiva que as conquistas sociais alcançadas por meio destes direitos não podem ser passíveis de retrogradação), a maximização ou efetividade, a restringibilidade excepcional (os direitos humanos fundamentais se interpretam extensivamente, estendendo sempre a sua proteção, enquanto as restrições a estes direitos se interpretam restritivamente), e a projeção positiva (a necessidade de políticas públicas ou privadas que atuam a implementação destes direitos e cujo um dos exemplos são as chamadas ações afirmativas), são características que devem ser tomadas em conta na compreensão, interpretação e aplicação daqueles direitos (ROTHENBURG, 2000, p. 150). O Poder Judiciário neste aspecto tem cumprido um papel primordial. Hoje bastante demandado, em função mesmo da tomada de consciência de cidadania de boa parte da população brasileira, tem dado algumas demonstrações de sua atuação no sentido de promover e tornar eficaz os direitos previstos no Texto.

É de se singularizar, no entanto, que os avanço nascidos das previsões normativas constitucionais operam verdadeira revolução principalmente em relação ao caráter pedagógico das Constituições, ou seja, a promoção de um processo de mudança de mentalidade da população que paulatinamente começa a se perceber como sujeito de direitos, inclusive oponíveis ao Estado, depois de mais de 20 anos de retrocesso do período ditatorial. Embora ainda exista uma trilha longa a ser construída em termos de concreção dos direitos previstos, os caminhos começaram a ser trilhados.

Dificuldades e Perspectivas da Constituição de 1988 em um Mundo Globalizado

A Constituição de 1988 entra em vigor em um momento de transformações singulares no mundo, com consequências nos mais diversos aspectos da vida individual, política e social. Há mais de três décadas, o mundo vivencia um momento de grandes transformações econômicas, culturais, sociais e políticas. O fenômeno da globalização em todos os seus aspectos, mas principalmente no seu aspecto econômico, acompanhado pela adoção, na maioria dos países, de políticas neoliberais, tem trazido grandes alterações nos contornos do Estado e nas relações de trabalho e de produção, apenas para citar alguns setores, gerando, também, a necessidade de transformação e reação à perversa e revitalizada lógica da hegemonia do mercado ou soberania do capital financeiro.

Conforme constantemente reafirmado, a partir da segunda crise internacional do petróleo em 1979, recessões sucessivas, aumento do déficit fiscal e do nível de desemprego, o esgotamento das políticas sociais tradicionais e a perda da competitividade internacional, induzem a uma crise global do Estado de Bem-Estar. Com impulso de políticas públicas dos mais diversos cunhos ideológicos, o Estado passa por uma crise que leva a um profundo questionamento das suas estruturas. Privatização e desregulamentação passam a ser, como bem observa Puceiro (1996, p. 105), “aspectos centrais de uma mudança global que envolve governos, ideologias e estilos de gestão administrativa com relativa autonomia em função das condições concretas de cada país.”

A crise do Estado intervencionista e assistencial, a partir da década de 70, vai produzir em vinte anos, um mundo completamente transformado. Compõe essa grande transformação, na visão de Capella, uma mundialização “desigual” das relações sociais, e uma nova revolução industrial, a terceira. Esta terceira revolução industrial consiste no emprego de novos materiais de origem química ou bioquímica, na introdução generalizada da informática na produção e no consumo privado e na adoção de novas formas de desenvolvimento do processo econômico. Comenta o autor de Fruta Prohibida, em relação à mundialização:

La mundialización es ya un hecho; se ha materializado en muy pocos años. Deja de haber fronteras para los flujos financieros, de bienes y de servicios, y estos flujos son incesantes. Se establece también la globalización de las comunicaciones, tanto en el sentido de la circulación mundial de los contenidos de conciencia como, más básicamente, en el de la eliminación de reductos inmunes a la acción social externa. La mundialización, significa ante todo interdependencia. La acción social se entrelaza globalmente y las consecuencias de la intervención humana resultan crecientemente distantes y laberínticas. La mundialización impone una nueva estructuración del espacio y de las distancias, por una parte, y del tiempo, por otra. Ciertos procesos son ahora, paradójicamente, simultáneos en todos los rincones del planeta: en todos producen efectos a la vez.

La mundialización es “deforme”, o desigual; no uniforme. El “sistema-mundo” – por emplear una expresión de I. Wallerstein – tiene un “núcleo” tripolar en el “norte”, constituido por Japón, la Unión Europea y los Estados Unidos, y un “sur” o periferia de países escasamente desarrollados. Se ha creado una nueva bipolaridad. El “norte” cuenta con un entorno semiperiférico que intenta aproximar-se a su nivel de desarrollo, y la periferia del “sur” es lo que se ha llamado a veces un “escenario externo”: países no solo de miseria sino de miseria atroz y en aumento (CAPELLA, 1997, p. 240).

Neste sentido, a ideia de globalização pressupõe a existência de uma economia sem fronteiras. Foi na década de 80 que o fenômeno da globalização começou a ser mais singularmente tratado por sociólogos, cientistas políticos, filósofos e juristas. As transformações ocorridas nessa época são muito visíveis, uma nova ordem mundial se estabelece e os Estados mostram-se, como bem observa Arnaud (1999, p. 1), cada vez menos capazes de controlar suas economias e suas moedas. A ideia de soberania, própria do Estado moderno territorializado, se esvazia paulatinamente em um cenário no qual prevalece a ideia de interdependência e no qual aparecem novos soberanos privados supra estatais.

Dificuldades: a Constituição de 1988 impactada pela globalização econômica neoliberal

Neste aspecto, a Constituição de 1988 sofreu com os impactos negativos e perversos de uma globalização neoliberal visto que esta Constituição aponta para a construção de um Estado Social e Democrático de Direito, o que pode ser depreendido da interpretação do seu artigo 1º e incisos (Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político), especialmente o inciso IV que estabelece como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, combinado com o artigo 170, que ao tratar dos princípios que orientam a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre inciativa, com o objetivo de assegurar a todos existência digna, elenca entre outros, os princípio da propriedade privada e o princípio da função social da propriedade (art. 170, II e III), a defesa do consumidor (art. 170, V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI), a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego (art. 170, VII e VIII). Some-se a isto a previsão dos direitos sociais prestacionais (Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição). E ainda, no art. 7º os direitos dos trabalhadores.

Boa parte destes dispositivos terão vários desenvolvimentos em itens específicos ao longo do Texto. Assim, as previsões constitucionais avançaram transformações significativas, mas encontraram obstáculos variados ao seu desenvolvimento e implementação. A seara dos direitos sociais é exemplo característico de que uma globalização desigual tende a transformar direitos em mercadorias intercambiáveis no mercado. Neste sentido se comentou supra o desenvolvimento de uma doutrina constitucional avançada que trabalha pelo reconhecimento da plena eficácia normativa daqueles direitos.

Perspectivas: abertura da Constituição Brasileira de 1988 ao Direito Internacional dos Direitos Humanos

Nesta perspectiva a globalização também produziu, na seara dos direitos humanos, fenômenos bastante positivos, alcançados também pelo Texto de 1988. As características de humanização do Direito internacional, bem como do seu fortalecimento nos últimos tempos e das transformações promovidas pelo constitucionalismo contemporâneo, apontam para a convergência na realização de um objetivo comum, ou seja, prevenir a violência e proteger a pessoa como um valor em si. É a relevância do valor dignidade humana para ambos os ordenamentos (interno e internacional). A interação e harmonização entre estes ordenamentos é cada vez mais reconhecida como essencial e plenamente realizável.

Arnaud (1999, p. 12), destacando a dimensão positiva da globalização, entende que a palavra “globalização” é portadora de um significado próprio. O seu sentido comum é que ela representa a ideia de uma tomada de consciência de que a maioria dos problemas deste começo de século não mais podem ser tratados apenas pelos Estados, singularmente considerados, sem passar pela referência a vínculos que unem diferentes partes do globo terrestre. Isto se evidencia em questões tocantes ao clima, ao meio ambiente, às comunicações em geral, às transformações no campo financeiro e econômico e especialmente ao campo dos direitos humanos.

Assim, Arnaud afirma ser possível falar em globalização quando certas condições são preenchidas, tais como as mudanças nos modelos de produção com a atividade econômica podendo transferir parte das operações de trabalho e financeiras de um país para outro fazendo emergir uma nova divisão do trabalho; o desenvolvimento do mercado de capitais com um livre fluxo de investimentos; a expansão crescente das multinacionais atuando em redes; um ajuste estrutural que reduz a atuação do Estado e implica em privatizações e na aplicação de políticas neoliberais na dimensão econômica, mas também quando se observa:

– Uma tendência generalizada, em todo o mundo à democratização, à proteção dos direitos humanos, a um renovado interesse pelo Estado de direito. O vínculo político com o que precede, está na preferência das economias liberais por Estados não-dirigistas, que se preocupam em desenvolver constituições e corpos de direito que assegurem o respeito da democracia e dos direitos humanos, e reforcem o poder dos juízes.

– O aparecimento de atores supranacionais e transnacionais promovendo esta democracia e esta proteção aos direitos humanos. Nunca as Organizações não Governamentais foram tão fortes […] (ARNAUD, 1999, p. 13-14).

No mesmo sentido Häberle reconhece os préstimos positivos da globalização em relação ao avanço de um constitucionalismo em escala universal,

A ‘globalização desempenha aqui, por uma vez, o seu papel positivo, por mais elevados que possam ser, quanto ao resto, os seus custos e perigos (p. ex., a nivelação da multiplicidade cultural por força dos mercados mundiais). Ela transporta os direitos fundamentais, a rule of law, a democracia e a separação dos poderes, e também os standards sociais. A visão do mundo do Estado constitucional, por que se perguntava em 1997, torna-se constitucional (HÄBERLE, 2006, p. 8).

Nota-se que o desenvolvimento da globalização, apesar dos mais variados efeitos que aprofundaram e aprofundam as desigualdades em nível mundial, especialmente se considerarmos que hoje, mais do que anteriormente, a pessoa não está suficientemente protegida apenas a partir da ordem jurídica interna constitucional, por mais que o constitucionalismo contemporâneo tenha avançado no sentido de se tornar um constitucionalismo de direitos, em uma perspectiva emancipatória de se compreender as Constituições, em sua maioria, vinculadas ao respeito do princípio da dignidade da pessoa humana. Desde o fim da Segunda Grande Guerra e especialmente no contexto atual, mediante também aos efeitos negativos da globalização, a submissão dos Estados às ordens protetivas internacionais, seja na dimensão de proteção universal ou regional, nunca foram tão necessárias.

O Texto de 1988 consagrou na interpretação do disposto no seu artigo 4º e incisos (Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não-intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político), no art. 7º do Ato das Disposições constitucionais Transitórias (Art. 7º O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos) e especialmente no seu artigo 5º, §2º, o que se identifica como uma abertura da Constituição ao Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Especificamente a chamada “cláusula de abertura” (art. 5º, §2º) estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem “outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Assim, se estende o rol de direitos fundamentais para alcançar, com a força da proteção constitucional e supralegal, também os tratados de direitos humanos que o Brasil seja signatário.

Esta previsão gerou uma polêmica na doutrina jurídica no sentido de se entender com que grau de hierarquia um tratado de direitos humanos adentra a órbita jurídica brasileira.

As posições mais destacadas foram de duas ordens: A primeira seria reconhecer a natureza constitucional destes tratados de direitos humanos que adentram, conforme o trâmite comum, previsto na Constituição, para a recepção de qualquer tratado e a outra seria reconhecer-lhes a natureza de lei ordinária infraconstitucional (Posição adotada pelo STF até 2008). Como se percebe, houve grande resistência por parte do STF (Supremo Tribunal Federal) em reconhecer a natureza hierárquica constitucional aos tratados de direitos humanos. Assim, em 2004 foi feita uma emenda constitucional (emenda constitucional 45 de 2004) que introduziu o §3º ao artigo 5º da Constituição. Este dispõe que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Esta alteração, no entanto, ao não mencionar nada em relação a como ficariam os tratados de direitos humanos já ingressados na ordem jurídica no período anterior a 2004, acabou por fazer com que o STF passasse a reconhecer a existência de dois tipos de tratados de direitos humanos após a emenda citada, a chamada Teoria do duplo Estatuto.

Assim o STF revisou seu posicionamento anterior e no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, referente à prisão civil por dívida do depositário infiel, sustentou que os tratados internacionais de direitos humanos que não forem aprovados pelo rito estabelecido no §3º do artigo 5º, terão reconhecida sua natureza supralegal. Neste sentido, estarão hierarquicamente abaixo da Constituição, mas serão superiores a todas as demais leis existentes.

Nesta perspectiva hoje é possível ao Poder Judiciário exercer o chamado controle de convencionalidade das leis, ou seja, a legislação brasileira deve, para ser válida, manter harmonia e compatibilidade não apenas com os dispositivos constitucionais expressos, mas também para com os tratados de direitos humanos que o Brasil faça parte.

Com relação aos tratados que adentrem a órbita jurídica interna pelo rito especial do artigo 5º, §3º, estes (o exemplo é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, sendo promulgada pelo Decreto Presidencial nº 6.949, de 25 de agosto de 2009) tem reconhecida a sua hierarquia constitucional, passando a integrar o chamado Bloco de Constitucionalidade Restrito (RAMOS, 2014, p. 274). A ideia de bloco de constitucionalidade aponta para o reconhecimento de normas de hierarquia constitucional existentes fora da própria Constituição. Para além de estarem de acordo com os valores e opções políticas traçadas pela Constituição de 1988, as leis deverão também passar por um exame de harmonia e adequação em relação aos valores éticos protetivos da pessoa humana previstos na ordem internacional por meio dos tratados de direitos humanos cujo Brasil tenha feito adesão.

É importante lembrar que o Brasil, com a entrada em vigor da Constituição de 1988 e em função dos dispositivos citados, ratificou Pactos internacionais de Direitos Civis e Políticos e Pactos Internacionais de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais bem como as Convenções sobre a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nas palavras de Carvalho Ramos (2014, p. 349),

Desde então o Brasil celebrou todos os mais relevantes instrumentos internacionais, de proteção aos direitos humanos, tendo reconhecido, em 1998, a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, (Corte IDH), e em 2002 a Jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

Não obstante este grande avanço que vai sendo construindo, especialmente após a entrada em vigor da Constituição de 1988, muito ainda falta para consolidar este caminho. O Brasil, por intermédio do Poder Judiciário, neste plano ainda assume uma posição conservadora, visto que permanece uma resistência em se aceitar os efeitos da submissão do Estado brasileiro aos Sistemas Internacionais Protetivos de Direitos Humanos, exemplo disso foi a posição do STF em relação à sentença da Corte Interamericana no caso Gomes Lund vs. Brasil. Embora o caso tenha contribuído fortemente para o debate da Justiça de Transição no Brasil, visto que a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu, conforme explica Ceia (2013, p. 133),

o direito de reparação das vítimas, o direito à justiça com a determinação de responsabilizar os violadores de direitos humanos e a consagração do direito à verdade e à memória, promovendo a conscientização quanto à verdade sobre as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar, como também à ilegitimidade dessas práticas, de forma a evitar sua repetição.

Assim, ainda que o Poder Executivo tenha demonstrado vontade política de rever a sua dívida histórica para com as vítimas, em relação à necessidade de investigar os fatos ocorridos para o cabível processo penal na punição dos responsáveis, o Estado brasileiro, por intermédio de sua mais alta Corte (STF), proferiu um acordão histórico no sentido negativo. O acórdão do STF na ADPF 153, representou a oposição da Corte Brasileira em estabelecer a devida responsabilização e punição dos violadores dos mais variados direitos humanos sob a alegação frágil da recepção e, portanto, validade da Lei de Anistia Brasileira (Lei 6683/79) frente a Constituição, contrariando assim a decisão tomada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Considerações finais

Segundo Carlos Fico (2015, p. 127) muitos críticos consideram a Constituição Federal de 1988 muito extensa e detalhista, justamente por tentar conciliar interesses de grupos tão heterogêneos que formaram a Assembleia Constituinte em 1986. Por outro lado, foi considerada em muitos de seus pontos uma legislação avançada.

Para Schwarcz e Starling (2015, p. 406), a Constituição Federal de 1988 “nasceu velha em seus capítulos sobre o sistema eleitoral e em sua ânsia de regular as minúcias da vida social”. Dessa maneira é que as autoras afirmam que apresenta ranços em alguns pontos, como ao conservar intocada a estrutura agrária, ou ao permitir que as Forças Armadas tivessem autonomia suficiente para definir seus interesses. Quanto aos avanços que poderiam ter alcançado em relação aos direitos sociais, apesar de todas as discussões, não se aceitou mexer na jornada de trabalho pois rejeito a proposta para que fosse de 40 horas semanais, contra as 44 horas semanais que acabou sendo aprovada. Apesar de estender o direito de voto aos analfabetos, os manteve inelegíveis. Assim é que,

Ela é moderna nos direitos, sensível às minorias políticas, avançada nas questões ambientais, empenhada em prever meios e instrumentos constitucionais e legais para a participação popular e direitos, e determinada a limitar o poder do Estado sobre o cidadão e a exigir políticas públicas voltadas para enfrentar os problemas mais graves da população (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 406).

A história política brasileira assistiu nesses últimos duzentos anos a formação de seis Assembleias Constituintes. Isso é muito mais do que a maioria dos países do mundo já vivenciaram. Disso há muitas críticas, especialmente daqueles que não veem em nenhuma delas qualquer sentido ou ganho. No que se discorda com aval da iminente pesquisadora Ângela de Castro Gomes (1991, p. 12) que defende a riqueza que esses momentos propiciam à história de um país, pois para ela, “na medida que, por força da revisão do regime anterior, a constituinte recupera para o registro no presente uma série de acontecimentos e reflexões passados, desvendando-os e atualizando-os para o público”.

Assim é que podemos entender que, apesar de todas as dificuldades e possíveis avanços, o caminho percorrido pelos direitos humanos fundamentais se estabeleceu e ainda se estabelece na construção de uma trajetória de luta por reconhecimento, identidade, visibilidade e emancipação de pessoas e grupos. Estes direitos formam atualmente o horizonte de compreensão dos sistemas jurídicos democrático-constitucionais e do discurso político e social no qual tencionam diferentes posições e interesses em conflito, a fim de dar um mínimo de instrumentalidade e concreção aos mesmos. Nesta perspectiva, se percebe a sua especial trajetória de centralidade e importância conquistada ao longo do tempo, ao encontrarem o seu lócus natural nas constituições contemporâneas.

A Constituição de 1988 dá aos direitos humanos fundamentais especial reconhecimento e relevância protetiva. São os mesmos previstos no sistema normativo mais importante do país, gozam de uma especial proteção como cernes fixos da Constituição e, portanto, limites materiais às possibilidades de alterações constitucionais. O seu amplo reconhecimento no Texto em conjunto com a perspectiva protetiva internacional, aumentam as possibilidades de construção da cidadania, visto que são todos instrumentos para a emancipação da pessoa em sua perspectiva individual e coletiva de existência digna.

Obviamente é preciso ter a noção de que direitos humanos são, antes de mais nada, espaços de luta por visibilidade, reconhecimento e emancipação. O fato da consideração normativo-constitucional é apenas o início do caminho para a efetiva realização das conquistas previstas. A luta é incessante, a previsão constitucional é instrumento e o cenário conservador do início deste novo século não é favorável à realização de boa parte das conquistas estabelecidas. Ainda assim, a luta seria mais difícil sem o instrumental emancipatório estabelecido na Constituição de 1988. Neste sentido, o balanço dos avanços trazidos será sempre positivo.

Quais foram os principais avanços sociais da Constituição de 1988?

Garantia de direitos trabalhistas, como seguro-desemprego, abono de férias, jornada semanal de 44 horas, direito à greve e a liberdade sindical; Igualdade de gêneros e fomento ao trabalho feminino, com reconhecimento de seus direitos individuais e sociais.

Quais foram os avanços que a Constituição de 1988 trouxe para o Brasil?

Conquistas da Constituição de 1988 A Constituição também garante o direito de liberdade de imprensa e atribui a defesa do meio ambiente e da família como dever do Estado. Além disso, a Constituição assegura aos indígenas os direitos de preservação de sua cultura e de demarcação de seus territórios.

O que diz a Constituição Federal de 1988 sobre a participação social?

Constituição de 88: a participação social como base e defesa da democracia. “Construir uma sociedade livre, justa e solidária”; “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade e quaisquer outras formas de discriminação”; “reduzir desigualdades sociais e garantir o desenvolvimento nacional” ...