O ser humano é o mesmo em todo lugar

Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. 
Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XIII, nº 772, 15 de enero de 2008


O UNIVERSO DO HOMEM SOCIAL E O LUGAR DA REALIDADE OBJETIVA: UM DIÁLOGO ENTRE PIERRE TEILHARD DE CHARDIN E MILTON SANTOS


Cilene Gomes
Docente Pesquisadora do Programa de P�s-Gradua��o em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(Bolsista DCR - CNPQ/FAPERN)
Docente do Programa de P�s-Gradua��o em Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Vale do Para�ba
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O universo do homem social e o lugar da realidade objetiva: Um diálogo entre Pierre Teilhard de Chardin e Milton Santos (Resumo)

Uma quest�o a respeito de nosso tempo que merece aten��o reporta-se � condi��o do homem alienado. Sem a adequada consci�ncia da dimens�o evolutiva, social e cultural do espa�o que lhe cabe � vida em comum, prossegue no curso da hist�ria produzindo um modo de vida destitu�do de preocupa��es teleol�gicas e, portanto, desvirtuado dos processos de personaliza��o e socializa��o que condiz � sua natureza humana e estatura de homem integral e cidad�o. A quest�o da constitui��o e transforma��o da subjetividade da pessoa humana est� no cerne do problema de remodela��o da sociedade, nas suas inst�ncias econ�mica, pol�tica e cultural e na contextura de seu espa�o. Nesse sentido, torna-se de fundamental interesse contribuir para uma reflex�o profunda sobre a quest�o e traz�-la ao debate p�blico. Para isso, not�veis s�o os horizontes entreabertos pelo di�logo entre a vis�o fenomenol�gico-cient�fica de Pierre Teilhard de Chardin e o m�todo da totalidade do ge�grafo Milton Santos.����

Palavras-chave: aliena��o, personaliza��o, socializa��o, remodela��o s�cio-espacial, cidadania.


El universo del hombre social y el lugar de la realidad objetiva: un di�logo entre Pierre Teilhard de Chardin y Milton Santos ( Resumen)

Un tema de nuestro tiempo que merece atenci�n es el que dice con respecto a la condici�n del hombre alienado. Sin la adecuada conciencia de la dimensi�n evolutiva, social y cultural del espacio que le cabe a la vida en com�n, la historia continua produciendo un modo de vida desprovisto de preocupaciones teleol�gicas y, por tanto, desvirtuado de los procesos de personalizaci�n y socializaci�n inherente a su condici�n humana y estatura de hombre integral y ciudadano. El asunto de la constituci�n y transformaci�n de la subjetividad de la persona humana est� en el centro del problema de la remodelaci�n de la sociedad, en sus instancias econ�mica, pol�tica y cultural y en la contextura de su espacio. En este sentido, es de fundamental inter�s reflexionar profundamente sobre este tema a fin de incorporarlo al debate p�blico. Para ello son notables los horizontes entreabiertos por el di�logo entre la visi�n fenomenol�gico-cient�fica de Pierre Teilhard de Chardin y el m�todo de la totalidad del ge�grafo Milton Santos.

Palabras clave: alienaci�n, personalizaci�n, socializaci�n, remodelaci�n socio-espacial, ciudadan�a.


The social man's universe and the place of the objective reality: a dialogue between Pierre Teilhard de Chardin and Milton Santos (Abstract)

One subject regarding our time that deserves attention reports the alienated man's condition. Without the appropriate conscience of the social and cultural dimension of the space that fits him in common life, it continues in the history producing a life way deprived of concerns teleological and, therefore, depreciated of the personalization processes and socialization about your human nature and stature of integral man and citizen. The subject of the constitution or transformation of the human person's subjectivity is in the duramen of the problem of remodelation of the society, in your economical, political and cultural instances and spatial contexture. In that sense, to contribute for a serious reflection and to bring it to the public debate becomes of fundamental interest. For that, notables are the half-open horizons for the dialogue between the phenomenological-scientific vision of Pierre Teilhard de Chardin and the method of the totality of the geographer Milton Santos.

Key words: alienation, personalization, socialization, social-space remodelation, citizenship.


Na sociedade capitalista de nossos dias, o problema da aliena��o se engendra e realimenta em todos os contextos da vida social, redimensionando a perversa separa��o entre os indiv�duos e os grupos sociais e dando margem a questionamentos e reflex�es em distintos �mbitos das ci�ncias humanas e sociais. Quando os indiv�duos s�o chamados a adotar um estilo de vida baseado nos modelos vigentes da competitividade e consumo, sustentando a m�quina da acumula��o e do lucro, o homem � mera pe�a da engrenagem social (Marcel, 1944), que roda sem parar, �movida por si mesma e sem se importar com ningu�m nem mudar em nada a sua marcha�. Sua a��o reside apenas na reprodu��o do status quo, no servilismo cego e estreito a uma ordem social reguladora que, em �ltima inst�ncia, induz � contram�o do pr�prio movimento ascensional da Vida.

Na composi��o de um poss�vel retrato das situa��es que podem configurar, no tempo e no espa�o, o problema dos homens que se mant�m alheios � pr�pria natureza e �s indaga��es a prop�sito das finalidades da vida, a aten��o que se justifica dar ao negativo de sua imagem dever� limitar-se, entretanto, � necessidade de identificarmos, como nos ajuda a pensar Pierre Teilhard de Chardin, �o lugar e a parte que cabem ao mal num mundo em evolu��o� (1986, p.368). Sim, a quest�o merece um desvendamento na medida em que ocupa o cora��o da problem�tica maior da Vida na Terra que, desde os tempos primordiais, desafia os povos e na��es em todo lugar e os homens que os integram.������������������������������������

O que precisamente parece estar em causa, nessa trajet�ria da humanidade, � a situa��o do risco � autodestrui��o, imposta pela condi��o do homem alienado, no sentido de que, assim, o homem se encontra apartado de seu poder de crescimento, da consci�ncia do seu ser social, de seu universo de intera��es, de sua hist�ria e seu lugar, seus valores e cultura e de sua cidadania. A sociedade que lhe abriga o torna homem reduzido, sem as reais dimens�es de sua humanidade e, por isso, ela pr�pria, sociedade, tende a se degenerar nas armadilhas dos modelos corrupt�veis do menor esfor�o descompromissado, do maior proveito material e da renova��o travestida de convencionalismo, de uma a��o inconvenientemente dirigida etc.�����������������������������

Assim sendo, no homem e na sociedade, o resgate de si mesmo e de sua natureza greg�ria � o resgate da possibilidade de assumir uma atitude frente � Vida na dire��o de uma aspira��o e uma a��o que, no essencial, seguem ao encontro do bem estar e do ser feliz. � nesse sentido que poderemos nos reportar � constru��o da individualidade forte, que nos fala Santos (1987), ou � perspectiva da �pessoa na e pela personaliza��o� (Teilhard de Chardin, 1986, p. 191), mas tamb�m aos pressupostos de remodela��o do espa�o e � lei da socializa��o formulados, respectivamente, pelos mesmos autores em outras passagens de sua obra.���

No intuito de reordenar a linha de investiga��o interdisciplinar que sup�e a complementaridade entre as ci�ncias humanas e sociais e as ci�ncias do espa�o � que buscaremos agregar nossas formula��es a partir do conjunto de refer�ncias que dever�o sustentar as proposi��es do universo do homem social e do lugar da realidade objetiva, consubstanciando a reflex�o proposta no enfoque prospectivo das exig�ncias do porvir e dos direcionamentos para a a��o.

Concebendo o espa�o do homem como resultado e condi��o do permanente processo de remodela��o da sociedade, em suas inst�ncias de produ��o e transforma��o da vida econ�mica, pol�tica e cultural, nesse enfoque do fen�meno humano abordaremos a quest�o da constitui��o da subjetividade no indiv�duo e do sujeito como um ser - no - mundo. Ou seja, o homem constr�i o seu pr�prio ser e se diferencia enquanto personalidade �nica na esfera de suas rela��es com a natureza e a sociedade da qual participa. Ele vive e subsiste em dado tempo e lugar, desenvolvendo uma a��o intimamente associada, portanto, � sociedade que o integra na particularidade geogr�fica de seu lugar de vida e no grande movimento da natureza em seu cont�nuo processo de g�nese.��������


O homem social e seu universo

Em recorr�ncia a esta ordem de id�ias, que apresenta, basicamente, a problem�tica de fundo - da aliena��o dos indiv�duos de nosso tempo e em considera��o ao nosso lugar na Terra -, para a qual buscamos uma elucida��o e um ancoradouro seguro tendo em vista a a��o de escolher e colaborar para a constru��o do futuro, n�o h� como reordenar o pensamento sem partir de algumas proposi��es essenciais a respeito da concep��o do homem social e de seu universo.

E aqui o prop�sito � fazer convergir a exposi��o ao foco do sujeito como ser pensante, medida de consci�ncia e da individualidade de cada um, por oposi��o � objetividade de tudo que se nos apresenta � vista e ao esp�rito, a tudo que nos oferece mat�ria ao conhecimento, tudo que nos reporta � totalidade do universo social dos seres individuais.

Ao nos ensinar que �a natureza sempre foi o celeiro do homem�, Santos (1980, p. 161) distingue uma fase pr�-social na hist�ria do homem de outra fase onde o homem torna-se homem social:

�(...) para que o animal homem se torne o homem social � indispens�vel que ele tamb�m se torne o centro da natureza. Isto ele consegue pelo uso consciente dos instrumentos de trabalho. Nesse momento a natureza deixa de comandar as a��es dos homens e a atividade social come�a a ser uma simbiose entre o trabalho do homem e uma natureza cada vez mais modificada por esse mesmo trabalho. Esta fase da hist�ria n�o poderia realizar-se se n�o houvesse um m�nimo de organiza��o social e sem uma organiza��o paralela do espa�o�.

Dessa forma, tamb�m entende-se o homem como sujeito consciente e produtor da hist�ria e, em �ltima inst�ncia, como nos conduz a ver Teilhard de Chardin (1986, p� 25-26), a chave do universo:�

�Mas, se conhecer � verdadeiramente t�o vital e beatificante, por que, insisto, voltar de prefer�ncia nossa aten��o para o Homem? (...) Por uma dupla raz�o, que duas vezes o faz centro do Mundo, o Homem se imp�e ao nosso esfor�o para ver, como a chave do Universo.

Subjetivamente, para come�ar, somos inevitavelmente centro de perspectiva em rela��o a n�s mesmos (...) Objeto e sujeito se unem e se transformam mutuamente no ato de conhecimento. Quer queira, quer n�o, a partir de ent�o, o Homem se reencontra e se olha a si mesmo em tudo o que v� (...) Centro de perspectiva, o Homem � simultaneamente centro de constru��o do Universo�.����

Em raz�o de se encontrar em uma bem determinada posi��o na natureza, �em um ponto singular, sobre um n�, que domina toda a fra��o do Cosmo atualmente aberta � nossa experi�ncia� (Ibid., p. 26) � que o homem assume a posi��o central no universo �do qual emerge e nele culmina�, conforme nos explica Jos� Luiz Archanjo1:

�Homem, centro estruturante (ou centro de perspectiva) porque ordena, distribui, molda, cria enfim a Realidade atrav�s do Pensamento e da A��o, fazendo Hist�ria... Homem, centro estrutural (ou centro de constru��o) porque comp�e essa mesma Realidade como pe�a indispens�vel de sua arquitetura, como �pice que ela, presentemente atinge. Homem, portanto, chave de compreens�o do Universo�.

Ora, o que est� realmente em causa nestas passagens transcritas da vis�o hiperf�sica2de Teilhard de Chardin � o lugar que o pensamento ocupa no eixo da evolu��o da natureza e da vida. Encarar bem de frente o fen�meno central da reflex�o � o passo essencial se desejamos conceber o homem em sua inteireza. Para o autor, todas as realidades - da vida ou do homem -, sobre as quais podemos nos voltar, no processo de conhecimento, definem-se por a��es conjugadas do que � exterior e do que � interior. Nesse sentido o passo da reflex�o possibilita o acesso a todas as atividades da vida interior do homem.

Sim, pois, entendendo a reflex�o como �o poder adquirido por uma consci�ncia de se dobrar sobre si mesma, e de tomar posse de si mesma como de um objeto dotado de sua pr�pria consist�ncia e de seu pr�prio valor: n�o mais para conhecer, - mas conhecer-se; n�o mais para saber, mas saber que se sabe� (Teilhard de Chardin, 1986, p.186), o ser reflexivo ou pensante torna-se suscept�vel de viver numa esfera nova, num outro mundo que nasce, em todo um outro dom�nio do que � real, porque �abstra��o, l�gica, op��es e inven��es ponderadas, matem�ticas, arte, percep��o calculada do espa�o e da dura��o, ansiedades e sonhos de amor (...) nada mais s�o que a efervesc�ncia do centro rec�m-formado explodindo sobre si mesmo�.

Para Milton Santos (1996, p. 204-206), essa nova esfera � tamb�m chamada de psicosfera, �reino das id�ias, cren�as, paix�es e lugar da produ��o de um sentido�, que, socialmente constitu�da, tamb�m fornece regras � racionalidade ou estimula o imagin�rio. Em contraposi��o ao que o mesmo autor concebe como tecnosfera - que seria o outro pilar para a compreens�o da organiza��o do espa�o humano constru�do socialmente -, a psicosfera � a esfera da a��o humana e poder� definir um dado lugar pelo tempo da co-presen�a que se instaura, por sua exist�ncia de rela��es inter-pessoais, de car�ter essencialmente comunicacional, podendo apontar para o reino da liberdade.

Nesse contexto da esfera do pensamento e do acontecer existencial, a quest�o da consci�ncia e da personalidade do indiv�duo s�o medidas de um processo de evolu��o do sujeito que podem revelar, em contrapartida, o seu estado de aliena��o relativamente ao seu lugar na natureza e � sua verdadeira dimens�o como homem social.

Conforme desenvolve a sua fenomenologia, Teilhard de Chardin nos explica que a vida se eleva sempre a mais consci�ncia e organiza��o, e dizendo mais: se a evolu��o � igual a ascens�o de consci�ncia, a a��o progressiva desta lei gera o efeito de uma uni�o cada vez maior (1986, p. 277). Em outras palavras do autor, �ser mais � unir-se cada vez mais�, mas �a unidade s� aumenta sustentada por um crescimento de consci�ncia, isto �, de vis�o� (Ibid. p. 25).

Da� o tradutor (j� citado) de sua obra nos explicar que a situa��o existencial b�sica de todo ser consciente � tanto mais complexa quanto maior a capacidade de �vis�o� do mesmo, considerando a consci�ncia no seu amplo espectro que envolve desde a simples percep��o � mais complexa ci�ncia. O ser mais consciente � aquele que v� mais e une mais, que se une a si mesmo e aos outros ou que se deixa unir pelos outros.

Ainda para Teilhard de Chardin, nesse processo de uni�o do ser consciente � que se desenvolve a sua personaliza��o, porque, segundo as leis da uni�o, na vis�o do mesmo autor, a uni�o cria, diferencia e personaliza. A constitui��o da subjetividade equipara-se ent�o � personaliza��o do sujeito, ao progresso do sujeito com um aprofundamento interno da consci�ncia sobre si mesma, ao sujeito tornando-se plenamente ele pr�prio pelo passo decisivo da reflex�o.

E a� configura-se, finalmente, o universo do homem social no encontro de um universo pessoal ao universo social que o personaliza, na medida em que, para Teilhard de Chardin (1986, p. 297), �procurando se separar o mais poss�vel dos outros, o elemento se individualiza (...)�. Mas, �para sermos plenamente n�s mesmos, � em dire��o inversa, � no sentido de uma converg�ncia com todo o resto, � em dire��o ao Outro, que temos de avan�ar�, pois, �o termo de n�s mesmos, o c�mulo de nossa originalidade, n�o � nossa individualidade � � nossa pessoa�. Ou seja, �o verdadeiro Ego cresce em raz�o inversa do �Egotismo� (...)�, ou do individualismo, no processo de personaliza��o que se consuma sob a influ�ncia da uni�o.������������������������ �����������������������


A realidade objetiva e seu lugar

A realidade que dever�amos tomar como objeto do conhecimento, no �mbito da geografia, segundo a teoria de Milton Santos (1980, 1996), � o espa�o tempo do homem. � o espa�o produzido historicamente sobre a superf�cie da Terra pelo homem vivendo em sociedade. No contexto das mais distintas formas de organiza��o da comunidade humana, os grupos humanos modificaram a natureza, demarcando o seu territ�rio, criando t�cnicas, modelando e remodelando seu espa�o para a realiza��o da vida social. De tal forma que no transcorrer do tempo da hist�ria humana, processos de mudan�a, per�odos caracter�sticos e recortes espaciais podem ser identificados para efeito de compreendermos a sociedade humana em suas rela��es com a natureza ou o espa�o que lhes cabe. Da� pensarmos que toda realidade s�cio-espacial, objetivada no processo do conhecimento, ocupa um lugar no eixo da evolu��o hist�rica e na horizontalidade do espa�o geogr�fico.��������������������

De fato, para o ge�grafo a realidade em sua totalidade � o planeta Terra e a habita��o que representa para a humanidade. � a sociedade humana que se aproveita dos recursos do planeta e daqueles criados por ela pr�pria para a sua sobreviv�ncia, seu bem estar e sua felicidade.

Nesta vis�o encontraremos muitos pontos de converg�ncia com a concep��o de Teilhard de Chardin (1986, p. 241), a nos explicar que no decurso da luta humana pelo conhecimento do universo, o espa�o, por sua realidade tang�vel, foi o primeiro a ser descoberto e, aqui, a �Terra era simples gr�o da poeira sideral� e �os c�us se acharam livres para as expans�es intermin�veis que, desde ent�o, lhes temos reconhecido�. Mas �muito mais lentamente percebida, por falta de referenciais aparentes, mostrou-se a profundeza dos s�culos�, o �abismo do passado�, �a idade real da Terra�, da vida, do homem.

Todavia, continua o mesmo autor:

�nos primeiros est�dios do despertar humano para as imensidades c�smicas, espa�o e tempo permaneciam ainda, por maior que fossem, (...), independentes um do outros. Dois recept�culos separados, cada vez mais vastos sem d�vida, mas onde as coisas se amontoavam e flutuavam sem ordem fisicamente definida� (Ibid. p. 242).

O que faltava ao homem descobrir deu-se somente em pleno s�culo XIX: �a coer�ncia irrevers�vel de tudo o que existe�; �o tempo e o espa�o unindo-se organicamente para tecerem, os dois juntos, o estofo do universo�; �o acesso definitivo da consci�ncia a um quadro de dimens�es novas� e, dessa forma, como ressalta Teilhard (Ibid. p. 243):

�O que faz um homem �moderno� e assim lhe permite ser classificado (e, nesse sentido, muitos de nossos contempor�neos ainda n�o s�o modernos) � ter-se tornado capaz de ver, n�o somente no Espa�o, n�o somente no Tempo, mas na Dura��o, - ou, o que d� no mesmo, no Espa�o-Tempo biol�gico; - e � se achar, al�m disso, incapaz de nada ver de outra maneira, - nada, - a come�ar por ele pr�prio�.

Essa dura��o, como nos explica Jos� Luiz Archanjo (Teilhard, 1986, p. 54, nota 25) corresponde � no��o teilhardiana de Tempo Org�nico ou Espa�o-Tempo, corresponde a �uma organiza��o do Espa�o e do Tempo, a n�vel biol�gico, num todo �nico e convergente no qual o Espa�o � integrado na dimens�o temporal de que passa a representar a se��o transversal, uma �fatia� do cone do tempo�; �um movimento universal (...) em virtude do qual a totalidade das coisas, de alto a baixo, se desloca solidariamente, e num �nico decurso, n�o somente no espa�o e no tempo, mas num Espa�o-Tempo (...), cuja curvatura particular tem por efeito tornar o que a� se move cada vez mais ordenado�.�

Em outras palavras, um princ�pio de liga��o org�nica, ou de uni�o, vigora em todas as realidades do universo. Toda e qualquer realidade objetiva tem o seu lugar nesse Todo Real, porque os elementos que a comp�em permanecem organicamente ligados entre si e a esse Todo maior da qual � parte. E aqui, mais uma vez, voltamos � vis�o totalizante de Milton Santos (1996, p. 95), ao conceber que a realidade em sua totalidade, pormenorizada aos limites do espa�o geogr�fico e da sociedade humana, abrange tanto a organiza��o dos elementos ou partes que a comp�em e suas rela��es, quanto o permanente movimento de totaliza��o, que transforma, no tempo, a configura��o de uma dada totalidade em outra realidade, inteiramente nova e, portanto, distinta da anterior.

Al�m disso, nesta concep��o da realidade objetiva e seu lugar, um outro par de atributos deve ser destacado. � a Santos (1996, p. 98) que nos reportamos primeiramente, para nos explicar a unidade entre o universal e o particular que constituem toda e qualquer totalidade:������

�o movimento da totalidade permite entende-la, num primeiro momento, como uma integral e, num segundo momento, como uma diferencial. Enquanto integral, a totalidade � vista como algo uno e, frequentemente, em abstrato. Enquanto diferencial, ela � apreciada em suas manifesta��es particulares de forma, de fun��o, de valor, de rela��o, isto �, em concreto.

A totalidade �, ao mesmo tempo, o real-abstrato e o real-concreto. S� se torna exist�ncia, s� se realiza completamente, atrav�s das formas sociais, incluindo as geogr�ficas. E a cada momento de sua evolu��o, a totalidade sofre uma nova metamorfose. Volta a ser real-abstrato�.

Os elementos ou partes da realidade objetiva s�o concebidos como fun��o (ou lugar) da totalidade. Da� a id�ia de que a come�ar dos pr�prios homens, �cada indiv�duo � apenas um modo da totalidade, uma maneira de ser; ele reproduz o Todo e s� tem exist�ncia real em rela��o ao Todo� (Ibid., p. 98). Cada fra��o da realidade � apenas uma forma particular de organiza��o desta realidade. No seu todo, � sua vez, a realidade poder� ser apreendida e representada pelos aspectos de sua universalidade, do que � comum a todas as suas partes, a todas as realidades elementares.

Se assim podemos retratar a real dimens�o, vis�vel e intr�nseca ou profunda, do universo que integra a vida humana na Terra e � dado ao conhecimento, tudo o mais que nos reportar� a essa totalidade do espa�o tempo organicamente unido cabe �s possibilidades entreabertas ao homem pelas exig�ncias do porvir e seus direcionamentos para a��o.��


Exig�ncias do porvir e direcionamentos para a a��o

O homem alienado permanece na superf�cie das rela��es sociais. N�o conhece a si pr�prio e aos outros na dimens�o real da implica��o de sua vida com a evolu��o do mundo, da vida e do pensamento humano. Longe ele permanece de entrar e viver no �no �mago de uma metamorfose�, olhando de frente para o seu ser subjugado e ego�sta, aceitando sem refletir �a sorte que o submete ao resto da sociedade� (Teilhard de Chardin, 1986, p. 242, 243 e 250).

Em parcelas numerosas da sociedade em que vivemos, o homem alienado ainda n�o se deu conta de seu poder de crescimento e reflex�o, de que �Algo se desenvolve no Mundo, por meio de n�s, - �s nossas custas talvez� (Ibid., p. 250).

Para a supera��o dessa situa��o existencial de aliena��o, em Teilhard de Chardin encontrar�amos a resposta de que o passo decisivo seria o de buscar progredir, de forma duradoura, �at� o termo de n�s mesmos� (Ibid. p. 251), envolvendo-se com o movimento evolutivo que nos conduz � expans�o e ascens�o de nossa consci�ncia diante do que � o Real.

�Quanto mais o Homem se tornar Homem, menos aceitar� movimentar-se a n�o ser na dire��o do interminavelmente e do indestrutivelmente novo� (Ibid. p. 251).

Com a leitura de Pierre Teilhard de Chardin compreendemos que temos a dimens�o completa da evolu��o contida em nossa pessoa e, por isso, a grande exig�ncia do porvir, e ao mesmo tempo a base suficiente para a funda��o de uma nova �tica, � tomarmos em nossas m�os a responsabilidade pela evolu��o. O que sup�e uma ades�o existencial aos progressos da personaliza��o e da socializa��o. N�o para se enredar numa rede de conven��es ou de acordos juridicamente impostos ou aceit�veis, mas para assumir uma esp�cie de compromisso no seio de uma cosmog�nese3e, mais particularmente, de uma psicog�nese4 e noog�nese5, onde os efeitos da solidariedade nos enla�a, onde come�ar�amos �a realizar em nosso esp�rito a grandeza e a gravidade verdadeira da condi��o humana� (Teilhard de Chardin, 1951).

Ora, mas o homem orienta-se, naturalmente, pela busca ao encontro da felicidade. Essa ser� sempre uma exig�ncia para o seu porvir. O que lhe � poss�vel, hoje, e o que poder� lhe advir como um futuro melhor, tais s�o as percep��es conjugadas que operam no homem em todo momento de sua vida.

Nesse sentido, Teilhard de C. (1943)6 oferece as suas formula��es no sentido de desvendar n�o apenas a origem do problema que perpassa a busca da felicidade, mas as respostas coerentes � sua vis�o do Real. Diz ele ent�o que � no tipo de homem que portamos no fundo de n�s mesmos, na nossa atitude diante da Vida que reside a forma de felicidade buscada por n�s.

Aos fatigados, ou pessimistas, �queles aos quais os perigos s�o maiores do que o interesse de sucesso em super�-los, e a quem � melhor ser menos do que ser mais, a felicidade estaria em uma vida sem aborrecimentos, riscos ou esfor�os, sendo o homem feliz �o que pensa, sente e aspira o menos� poss�vel.

Aos bons vivants, diz Teilhard de C., certamente � melhor ser do que n�o ser. Mas, para eles, ser n�o significa agir, mas preencher-se do prazer que se pode obter do momento presente. Nestes, arriscar-se seria apenas pelo prazer moment�neo de viver o risco por si mesmo, pelo prazer de ousar ou sentir medo. A felicidade estaria na vida com o m�ximo proveito e saciedade. O objetivo seria realizar o menor esfor�o �para mudar a ta�a e o licor�.

Para o terceiro tipo de homem, o �lan ao futuro prevalece como atitude diante da Vida. Viver � uma incessante descoberta, pois o ser � inesgot�vel e o que se pode fazer, hoje, para preparar a Terra de amanh�, eis o que conta. A felicidade � fun��o de uma permanente busca de crescimento, � a recompensa por uma a��o convenientemente dirigida. A renova��o do ser, para este homem, n�o � mero revestimento ditado pelo sistema convencional, mas aquela que se alcan�a no objetivo de si mesmo adiante, na busca de uma sempre maior consci�ncia e uni�o.

Para Teilhard, ainda, nesta atitude encontraremos as solu��es para a nossa busca de felicidade. Por isso, diz ele, �juntemo-nos sem hesitar ao grupo dos que querem arriscar a ascens�o at� o �ltimo v�rtice�. Mas indaga e responde qual � o bom caminho para isso e como se opera de fato essa marcha de nossa personaliza��o.

�Para estar plenamente consigo e vivo, o Homem deve: 1) Centrar-se sobre si; 2) Descentrar-se �sobre� o outro; 3) Supercentrar-se sobre um Plano maior (que si)�.

Em outras palavras, os passos a seguir, nessa trajet�ria para a felicidade resumem-se a uma busca sucessiva e conjugada de tr�s atitudes para tornar-se:

1) Um homem que cultiva a si mesmo, que trabalha para se organizar, para ordenar as suas id�ias, sentimentos e condutas. �Ser �, ent�o, em princ�pio, fazer-se e encontrar-se�;

2) Um homem que compreende que o trabalho de seu aperfei�oamento n�o consiste em se apartar dos outros, isolando-se e tentando progredir no objetivo de si mesmo sem sair de si mesmo, ao contr�rio. � unindo-se aos outros que acrescentaremos � nossa consci�ncia, � que seremos mais n�s mesmos;

3) O homem que assim alarga a base de seu pr�prio ser, prepara-se para um movimento de expans�o que n�o mais se det�m. Ele aspira unir-se cada vez mais, ou em meio a c�rculos de raio cada vez maior. Ou seja, para Teilhard, para encontrar �o alvo do que somos, n�o � suficiente associar nossa exist�ncia com uma dezena de outras exist�ncias escolhidas entre mil, mas devemos fazer �bloco� com todas a um s� tempo�; devemos ser corpo e alma no movimento de �uma totalidade organizada em que n�o somos sen�o parcelas conscientes�. Submeter e aproximar a sua vida a um maior que si. Assim, haveria descoberta, crescimento e felicidade em colaborar com um Ideal ou uma Causa, em fazer o melhor poss�vel, cada qual em seu lugar, pelo progresso do universo em evolu��o.

Dessa forma, seguindo os tr�s passos da personaliza��o, nossa conduta se definiria, no dia a dia, no sentido de reagirmos contra a tend�ncia ao menor esfor�o; a buscar na agita��o exterior e nas realidades materiais tang�veis a renova��o de nosso ser ou de nossas vidas; a fecharmo-nos em n�s mesmos ou a reduzirmos os outros sob nossa domina��o, transportando, finalmente, o interesse de nossas exist�ncias na marcha e sucesso do mundo ao nosso redor.

� precisamente neste momento que poderemos realinhar, novamente, aos pontos convergentes e espec�ficos do pensamento de Milton Santos, a quem a tarefa do homem de conhecimento � buscar em simult�neo a felicidade do mundo, porque sem esta vontade e voca��o para a felicidade o progresso do conhecimento n�o tem nenhum objetivo (1980, p. 214). Para isso, prop�e um trabalho intelectual que deve buscar romper, em suas formula��es, com um sistema social que �para impor-se � humanidade deve, logo de sa�da, entorpec�-la� (Ibid., p 215). Ou seja, o novo saber do espa�o do homem e do homem ele pr�prio tem a miss�o de denunciar todas as mistifica��es que o sistema social e a pr�pria ci�ncia criaram e difundiram para encobrir o conhecimento da realidade e da forma como ela se produz, cultivando uma esp�cie de ideologia que aliena e aprisiona tanto os indiv�duos em geral como os que se dedicam ao of�cio da produ��o do conhecimento.

� ent�o que prop�e a sua vers�o da par�bola do joio e do trigo, dizendo-nos que a ideologia social subserviente aos interesses exclusivos dos grandes agentes do capitalismo e da explora��o que praticam na esfera do trabalho deve ser destitu�da do status de conseguir impor o engano como verdade, a apar�ncia pela ess�ncia, a id�ia do homem reduzido pelo homem consciente, digno e livre para viver sua verdadeira condi��o de ser social e humano. Tanto no estudo quanto na a��o, dever�amos �tentar fornecer as bases de reconstru��o de um espa�o geogr�fico que seja realmente o espa�o do homem, o espa�o de toda gente e n�o o espa�o a servi�o do capital e de alguns� (Ibid., p. 218).

Santos (1996, p. 258) convoca-nos, assim, a ver no lugar uma dimens�o intermedi�ria entre o Mundo e o Indiv�duo:

�No lugar � um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e institui��es � coopera��o e conflito s�o a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma a��o pr�pria, a vida social se individualiza; e porque a contig�idade � criadora de comunh�o, a pol�tica se territorializa, com o confronto entre organiza��o e espontaneidade. O lugar � o quadro de uma refer�ncia pragm�tica ao mundo, do qual lhe v�m solicita��es e ordens precisas de a��es condicionadas, mas � tamb�m o teatro insubstitu�vel das paix�es humanas, respons�veis, atrav�s da a��o comunicativa, pelas mais diversas manifesta��es da espontaneidade e da criatividade�.

E nesse sentido ainda de identificarmos exig�ncias e direcionamentos para o amanh�, o mesmo autor afirma que a primazia que devemos dar ao homem sup�e que ele estar� no centro das preocupa��es, como ser integral e cidad�o, em detrimento da centralidade que ocupa hoje o consumo como um dado do modelo de felicidade vigente e propagado, e em detrimento, por conseguinte, do pesado conformismo e ina��o que contamina nossos jovens e, mesmo, muitos intelectuais.

E ent�o ser� l�cito dizer que �o futuro s�o muitos; e resultar�o de arranjos diferentes, segundo nosso grau de consci�ncia, entre o reino das possibilidades e o reino da vontade. � assim que iniciativas ser�o articuladas e obst�culos ser�o superados, permitindo contrariar a for�a das estruturas dominantes, sejam elas presentes ou herdadas� (Santos, 2000, p. 161).

Sob condi��es pol�ticas favor�veis, a libera��o da intelig�ncia e da criatividade, assim como o est�mulo � solidariedade social e � pr�tica da cidadania poder�o, de fato, dar in�cio a uma nova hist�ria, a uma outra globaliza��o constitu�da �de baixo para cima�, a partir dos dinamismos existenciais pr�prios �s popula��es em dado lugar, a partir das bases de a��o e consci�ncia que todos os homens poder�o constituir, a partir dos lugares em que vivem e atrav�s deles.

Com a responsabilidade pol�tica de ensinar ou aprender a ser e assumir-se como cidad�o, os homens poder�o adquirir a mesma for�a do Estado, que, por isso mesmo, ser� chamado a atender aos interesses de toda a sociedade, em detrimento de compactuar com o interesse de poucos. A na��o ser� ent�o objeto de um projeto e a aliena��o estrutural poder� ser revertida em pensamento livre e express�o cultural genu�na. O cidad�o, diz Santos (2002), � o indiv�duo no lugar, mas s� poderemos de fato falar em cidad�os quando os lugares constitu�rem um direito do indiv�duo. Da� falarmos no direito � cidade ou aos bens e servi�os indispens�veis � vida pessoal e em comum.�

�O simples nascer investe o indiv�duo de uma soma inalien�vel de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana. Viver, tornar-se um ser no mundo, � assumir, com os demais, uma heran�a moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais. Direito a um teto, � comida, � educa��o, � sa�de (...); direito ao trabalho, � justi�a, � liberdade e a uma exist�ncia digna� (Santos, 1987, p. 7).

Em s�ntese

Se avan�amos um pouco na compreens�o da subjetividade e de sua constitui��o - a partir da perspectiva fenomenol�gica e existencial de Pierre Teilhard de Chardin, e ainda, no reconhecimento do sujeito como um ser - no -mundo, portanto, considerando a perspectiva �tica e pol�tica da subjetividade, na recorr�ncia ao pensamento de Milton Santos, restaria, a t�tulo de uma s�ntese sobre o tema proposto, considerarmos as condi��es gerais para uma gradual transforma��o dos homens vivendo em sociedade e, por conseguinte, para novas pr�ticas institucionais, que, no caso, ser�o reportadas muito mais ao plano da a��o na universidade do que no prop�sito da cl�nica.

Para isso, a busca do conhecimento alarga-se pelas interfaces disciplinares que relacionam as ci�ncias do homem e do espa�o �s preocupa��es gerais da psicologia, em particular da psicologia social relativamente �s rela��es com o ambiente da vida em comum. Ou seja, no sentido de fazer progredir o nosso conhecimento acerca do desenvolvimento do homem vivendo em sociedade e em meio a um espa�o por ele produzido ou organizado, uma natural converg�ncia de influ�ncias interdisciplinares nos levara �s indaga��es a respeito de sua psique, sua alma, seu esp�rito.

Ora, em Teilhard de Chardin (1986) temos visto que toda constru��o de mat�ria e de beleza, de sistemas de pensamento e sistemas de a��o terminam por se traduzir em maior organiza��o e consci�ncia e que, no grande movimento da evolu��o, este grande esfor�o da engenhosidade humana torna-se heran�a transmiss�vel por meio da educa��o. Por este processo de uma g�nese ininterrupta, os povos se constituem em na��es, estados, pa�ses, fazendo a sua hist�ria, criando o seu particular modo de vida, sua cultura. E � considerando as ricas e matizadas varia��es da alma dos agrupamentos humanos que o autor nos conduz a entender que, para o estudo da estrutura de �um filo pensante�, a psicologia se faz necess�ria, porque as fibras de qualquer um dos agrupamentos se enra�zam no seu psiquismo.

Mas o essencial do que ele nos convida a observar, na grande hist�ria da humanidade, reside no poder de aglutina��o ou unifica��o da natureza do homem, nas influ�ncias rec�procas entre as sociedades e culturas, reside, finalmente, na gradual e permanente harmoniza��o das grandes correntes ps�quicas que respondem pelos ideais e interesses peculiares �s mais heterog�neas fra��es da humanidade. Deste modo, explica Teilhard de C. (1986, p. 275), a humanidade vive os seus grandes momentos de inven��o, expans�o e agrega��o que tornam a Terra de um tamanho cada vez menor, pelas for�as de compress�o geradas pelo crescente aumento demogr�fico, pelas for�as de organiza��o da vida social e de converg�ncia ps�quica:

�Ora, � medida que, sob o efeito dessa press�o, e gra�as � sua permeabilidade ps�quica, os elementos humanos se interpenetravam cada vez mais, seu esp�rito (...) aquecia-se por aproxima��o. E como que dilatados sobre si mesmos, alargavam, cada qual pouco a pouco, o raio de sua zona de influ�ncia sobre uma Terra que, por isso mesmo, se achava cada vez mais apequenada. O que vemos n�s, efetivamente, acontecer no paroxismo moderno? J� foi de sobejo registrado. Pela inven��o, ainda ontem, da estrada de ferro, do autom�vel, do avi�o, a influ�ncia f�sica de cada homem, reduzida outrora a alguns quil�metros, estende-se agora a centenas de l�guas. Melhor ainda: gra�as ao prodigioso acontecimento biol�gico que representa a descoberta das ondas eletromagn�ticas, cada indiv�duo se encontra doravante (ativa e passivamente) simultaneamente presente � totalidade do mar e dos continentes, - coextensivo � Terra.

Assim, n�o apenas por aumento incessante do n�mero de seus membros, mas tamb�m por aumento cont�nuo de sua �rea de atividade individual, a Humanidade, sujeita que est� a se desenvolver em superf�cie fechada, encontra-se irremediavelmente submetida a uma press�o formid�vel, - press�o constantemente acrescida por seu pr�prio jogo: pois que cada novo grau na compress�o n�o tem outro efeito sen�o o de exaltar um pouco mais a expans�o de cada elemento�

Dessa forma, o processo de socializa��o econ�mica, pol�tica e ps�quica do Mundo culmina hoje no que se costuma chamar de realidade globalizada, j� que potencialmente, ao menos, todo indiv�duo teria um franco acesso ao que se passa em qualquer parte do globo e, por isso, facultando a novas rela��es inter-pessoais de toda ordem, que se dariam em c�rculos de coopera��o ou realiza��o da vida social cada vez mais ampliados.

� em raz�o da aspira��o por uma unifica��o humana levada �s suas �ltimas conseq��ncias que Teilhard de C. (1948)7 chama a aten��o para as condi��es objetivas e subjetivas necess�rias � conserva��o e desenvolvimento da disposi��o ps�quica indispens�vel para tal aperfei�oamento da humanidade em todo lugar. E mais, convidando-nos � reflex�o de um direcionamento para o trabalho da psicologia enquanto ci�ncia e pr�tica.

Para que o homem realimente a sua cren�a no valor e interesse do fen�meno social no qual se encontra envolvido, seria preciso que o universo em movimento se apresentasse a ele como um caminho que o possa conduzir a algum lugar ou realiza��o que o fizesse se sentir mais vivo. Seria necess�rio igualmente que ele se visse, nos distintos contextos em que esta unifica��o poderia se concretizar, mais respeitado e acrescido em seu poder de pensar e sentir, de se personalizar enfim.

A estas raz�es que o homem buscaria para aceitar positivamente novas formas de associa��o e atividade com os outros, Teilhard de C. destaca as condi��es subjetivas ou propriamente psicol�gicas do problema. Para provar a fundo o gosto da super-humaniza��o, os homens necessitariam de que neles se desenvolvessem e se afirmassem alguns sentidos diante da realidade da evolu��o irrevers�vel, do universo em movimento, da Terra em que habitamos e da nossa pr�pria condi��o de seres humanos.

Mas para que os homens consintam ao fato de que quanto maior a uni�o entre eles, maior o aperfei�oamento e maior o despertar para a vida, um imenso trabalho de desobstru��o e esclarecimento construtivo deve ser empreendido, no sentido de que, em todas as esferas em que esse trabalho possa se realizar, os sujeitos sejam ajudados a decifrar em �reas mal exploradas e explicitadas deles mesmos as grandes aspira��es para al�m das for�as e casos individuais ou de grupos limitados.

�Psicanalizar n�o mais para livrar mas para engajar. Fazer ler o homem em si, n�o mais para dissipar os fantasmas, mas para dar consist�ncia, dire��o e satisfa��o a certas grandes necessidades ou apelos essenciais que rebentam em n�s (e pois nos sufocam) por falta de serem traduzidos e compreendidos (...) Obra complicada e delicada de descoberta, na verdade, pois sobre esse dom�nio professor e aluno, diretor e dirigido, avan�am igualmente a tenteios; mas trabalho eminentemente fecundo, pois se aplica a discernir, n�o mais la�os ou taras, mas as compet�ncias as mais secretas e as mais gerais do dinamismo ps�quico que nos anima� (Teilhard de C., 1948).

A rigor e em toda a sua obra, Pierre Teilhard de Chardin nos convida a um trabalho que almeja, em �ltima inst�ncia, a uma g�nese permanente da pessoa e da sociedade humana, pelo esfor�o de conseguirmos acender no cora��o dos homens a chama que os mobilize a comungar na esfera comum de uma f� verdadeiramente motriz.

Milton Santos (2002), que � maneira de sua ci�ncia, tamb�m nos chama a tentar colaborar neste mesmo trabalho, reserva � universidade e ao intelectual em geral uma miss�o de grande responsabilidade, ao afirmar que a sua causa a mais nobre � a produ��o gradual de uma consci�ncia coletiva, a cria��o e mobiliza��o de id�ias que expliquem, de modo sistem�tico e consistente, o lugar, o pa�s e o mundo, e que fa�am eco �s demandas profundas das popula��es, contribuindo, ademais, como porta-voz na trajet�ria de aperfei�oamento da vida democr�tica e de suas institui��es.

Nesse sentido, o mesmo autor nos mostra como no Brasil �o modelo pol�tico e c�vico foram instrumentais ao modelo econ�mico� (Santos, 1987, p.3), e como em fun��o dessa invers�o de valores, a pobreza material e espiritual teria sido criada e recriada a partir da ideologia do consumo em detrimento do exerc�cio da cidadania e, isto, num c�rculo vicioso de acirramento dos problemas relativos � forma��o dos indiv�duos, das desigualdades sociais e dos desequil�brios de ordem espacial. E finalmente, atribui mais uma vez � universidade a tarefa que em muito recha�a a atitude meramente carreirista ou produtivista, em favor do ideal de um pensamento livre e genuinamente produzido e da constru��o de um debate p�blico verdadeiro, longe da doen�a particularista da corrup��o e do pragmatismo, e mais pr�ximo de condi��es pol�ticas, econ�micas, sociais e ps�quicas mais saud�veis.�� ������������������� ��


Notas

1 Jos� Luiz Archanjo � tradutor do livro O fen�meno humano de Pierre Teilhard de Chardin e nos oferece esta explica��o adicional na nota 8, da p�gina 29 do mesmo livro.

2 A vis�o hiperf�sica de Pierre Teilhard de Chardin remete, segundo nota do tradutor do livro O fen�meno humano, ao objetivo do autor de penetrar nas quest�es espirituais e humanas com os m�todos da Ci�ncia, numa vis�o em que Mat�ria e Esp�rito seriam englobados numa mesma explica��o coerente e homog�nea do Mundo, mas sempre partindo do �fen�meno�, daquilo que nos aparece, tang�vel, experimental, fotograf�vel.

3 �Cosmog�nese � o processo de gera��o ou forma��o do Cosmo, ou seja, o pr�prio universo evolutivo, apreendido como um processo animado por um movimento que se vai orientando e convergindo � medida em que avan�a. � a concep��o moderna do universo, porque din�mica, e que se op�e �s antigas concep��es de um Cosmo est�tico� (Jos� Luiz Archanjo, nota 23 da p�g 32 do livro O fen�meno humano.

4 �Psicog�nese � o processo de aparecimento e crescimento do psiquismo atrav�s de sucessivos limiares de ascens�o evolutiva.

5 Noog�nese � o processo de uma maior precis�o da psicog�nese, incluindo todo o desenvolvimento do esp�rito.

6 As cita��es referentes a este texto �Reflex�es sobre a felicidade� aparecem sem o n�mero das p�ginas em raz�o de serem extra�das de uma tradu��o feita por mim.

7 Pela mesma raz�o apresentada na nota 6, acima, as refer�ncias a este texto sobre �As Condi��es Psicol�gicas da Unifica��o Humana� tamb�m aparecem sem o n�mero das p�ginas das quais foram extra�das.


Refer�ncias Bibliogr�ficas

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© Copyright: Cilene Gomes, 2008
© Copyright: Biblio3W, 2008

Ficha bibliográfica

GOMES, Cilene. O universo do homem social e o lugar da realidade objetiva: Um diálogo entre Pierre Teilhard de Chardin e Milton Santos. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales , Universidad de Barcelona, Vol. XIII, nº 772, 15 de enero de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-772.htm>. [ISSN 1138-9796].


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