Como era a relação entre os escravos e os senhores na Roma antiga?

O artigo aborda a escravidão no Império Romano, discutindo as fronteiras entre liberdade e escravidão em seus aspectos públicos e privados. Central para a discussão é a noção de trajetória escrava, que coloca os alforriados numa espécie de limbo social, uma zona de indeterminação que contamina a sociedade escravista romana como um todo.

Escravidão; Império Romano; Alforria


This paper analyses the social and cultural influence of slavery in the Roman Empire. It investigates the frontiers between liberty and slavery in their public and private dimensions. It focuses on the concept of a trajectory of slave lives to set the freed slave in its proper dimension, something between slavery and liberty, a social condition that creates a zone of indetermination that affects society as a whole.

Slavery; Roman Empire; Freedmen


DOSSIÊ: ESCRAVIDÃO

Escravos sem senhores: escravidão, trabalho e poder no mundo romano1 1 Este artigo deve muito mais às discussões com os colegas Fábio Faversani e Fábio Duarte Joly do que seria possível reconhecer no texto ou nas notas de rodapé. Agradeço, igualmente, aos pareceristas da RBH pelos comentários, que permitiram eliminar vários problemas do texto original. 2 LOWENTHAL, D. The past is a foreign country. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. 3 A noção de normalidade origina-se dos estudos sobre a História e a Sociologia do cotidiano. Veja-se GUARINELLO, N. L. História científica, história contemporânea e história cotidiana. Revista Brasileira de História, v.24, n.48, 2004, p.13-38. Sobre o tema, sob pontos de vista diferentes, vejam-se LEFEBVRE, H. Critique de la vie quotidienne. I. Introduction. Paris: L. Arché, 1958; CERTEAU, M. L'invention du cotidien.1. arts de faire. Paris: Gallimard, 1980; MAFFESOLI, M. A conquista do presente. Rio de Janeiro: Rocco, 1984; HELLER, A. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Edicions 62, 1977 (1970); JAVEAU, Cl. La société au jour le jour. Écrits sur la vie cotidienne. Bruxelles: De Boeck-Wesmael, 1991, em particular p.82 ss. 4 A noção de dependência substituiu, primeiramente, a idéia de uma escravidão generalizada no mundo antigo como era defendida pelo marxismo soviético. Para uma das primeiras elaborações da idéia, veja-se ANEQUIN, J. Claval-Lévêque, FAVORY, F. (Ed.) Formas de exploração do trabalho e relações sociais na Antigüidade Clássica. Lisboa: Estampa, 1978. Fundamental é ainda FINLEY, M. Entre a escravidão e a liberdade, economia e sociedade na Grécia Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p.123-42. 5 JOLY, F. D. A escravidão na Roma antiga: política, economia e cultura. São Paulo: Alameda, 2005. 6 FINLEY, M. Ancient Slavery and Modern ideology. London: Chatto & Windus, 1980, cap. II, passim. 7 Ibidem. 8 SCHEIDL, W. The Slave population of Roman Italy: Speculation and Constraints. Topoi, v.9, 1999, p.129-44; MADDEN, J. Slavery in the Roman Empire: Numbers an origins. Classics Ireland, v.3, 1996, p.1-6. Estimativa mais modesta em BRUNT, P. Italian Manpower 225 B.C. - A.D. 14. Oxford: OUP, 1971. 9 JOLY, F. D. Libertate Opus Est. São Paulo: FFLCH, 2006 (Tese de doutoramento), cap I, para uma revisão e crítica da historiografia contemporânea, assim como DUMONT, J. Ch. Servus. Rome et l'Esclavage sous la République. Roma: EFR, 1987. 10 PATTERSON, O. Slavery and Social Death. Cambridge (MA): HUP, 1982. 11 WIEDEMANN, T. E. J. Slavery. Greece and Rome. Oxford: OUP, 1987. 12 A lei Aelia Sentia, de 4 d.C., limitou a concessão de cidadania aos escravos, criando duas sub-categorias, os Junii Latini e os dediticii. É impossível, no estado atual dos conhecimentos, saber a proporção exata entre os escravos que se tornavam cidadãos e aqueles que permaneciam fora da cidadania romana. A principal fonte são as Institutae de GAIO, I, 1, 8-55. 13 SÊNECA, De Clementia, III, 16. 14 Por exemplo, SÊNECA, De Ira, III, 32. 15 Por exemplo, Corpus Inscriptionum Latinarum (CIL), XIV, 2112. 16 JOLY, F. D. Libertate Opus Est. São Paulo: FFLCH, 2006 (Tese de doutoramento). 17 BRUNT, P. The Roman Mob. Past & Present, v.35, 1966, p.3-27. 18 Sobre a diferença, em alguns casos crucial, entre populus e plebs em Roma ver as considerações de VEYNE, P. Existait-il une classe moyenne em ces temps lointains. In: L'Émpire Gréco-Romain. Paris: Seuil, 2005, p.54-160. 19 A bibliografia sobre o Satyricon é imensa. Um clássico sobre a obra é o texto de VEYNE, P. Vie de Trimalcion, em: La société romaine. Paris: Seuil, 1991, p.13-56. No Brasil, a obra de Petrônio produziu um dos mais interessantes debates nacionais sobre o mundo antigo (além de primorosas traduções). Veja-se FAVERSANI, F. A pobreza no Satyricon de Petrônio. Ouro Preto: UFOP, 1999.

Há diferenças, sim, mas também semelhanças. Desde o início das civilizações grega e romana, a prática da escravidão era comum - em Roma, a partir do século 8 a.C. e, na Grécia, desde a civilização micênica (1500-1200 a.C.). Nos dois casos, um homem podia se tornar escravo por ter contraído dívida sem honrá-la. Era possível, ainda, passar a essa condição por ter sido vencido na guerra. Nesse caso, a vida do inimigo era poupada para que ele fosse conservado como escravo (daí a palavra latina servus). O comércio ocorria em grandes mercados, regulado por leis que previam o direito do cativo de comprar sua liberdade de volta por meio do acúmulo de um pecúlio. Isso era incomum para os escravos do campo, mas uma opção mais realista para os que viviam nas cidades e faziam biscates. Na Grécia, era rara a libertação de um escravo e o liberto não tinha direitos. Seus descendentes continuavam escravos, e as chances de alforria eram restritas. Já em Roma, era comum que escravos urbanos fossem alforriados, e seus filhos, considerados livres. Os libertos adquiriam a cidadania romana. Outra diferença: entre os romanos, os libertos passavam a ser tratados como parentes do seu antigo dono, herdando, inclusive, seu nome de família. Em duas gerações, não havia mais distinção entre os antigos donos e os descendentes de escravos. Nas duas sociedades, havia punições e maus-tratos: eles podiam ser mantidos acorrentados, marcados a ferro, sofrer mutilações e ser condenados à morte.


Consultoria Pedro Paulo Funari, doutor em Arqueologia e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Pergunta enviada por Rosinei Borges de Mendonça, Jardinópolis, SP

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Como era a relação entre senhores e escravos em Roma?

A relação entre patrão e escravos era também marcada por relações sexuais. Era comum entre as elites romanas que os homens se relacionassem não apenas com as mulheres, mas também com outros homens, inclusive com seus escravos.

Como era a relação entre os escravos e os senhores?

Nas relações entre senhores è escravo, a professôra Emília Viotti da Costa, resalta que dos escravos esperava-se humildade, obediência e fidelidade, em troca de autoridade e benevolência do senhor. O negro deveria ser poupado, para que o capital do senhor não fôsse delapidado.

Como os escravos eram tratados pelos senhores?

Tratados como uma mercadoria, negociados de feira em feira, aprisionados em barracões e em porões de navios negreiros, esses indivíduos sofriam com a fome, com a sede e com as inúmeras doenças que contraíam, devido à subnutrição e às péssimas condições de higiene nas quais eram obrigados a viver.

Como os escravos eram tratados na Roma Antiga?

Já em Roma, era comum que escravos urbanos fossem alforriados, e seus filhos, considerados livres. Os libertos adquiriam a cidadania romana. Outra diferença: entre os romanos, os libertos passavam a ser tratados como parentes do seu antigo dono, herdando, inclusive, seu nome de família.